Confira como foi a segunda noite de desfiles em São Paulo
Enredos da elite paulistana trouxeram a Amazônia e o Peru, o racismo, a homofobia e o tabaco para o Sambódromo do Anhembi
atualizado
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A chuva que atingiu a capital paulista na tarde e noite desse sábado (2/3) deu uma trégua e a Águia de Ouro, primeira escola do último dia de desfile paulistano no Sambódromo do Anhembi, zona norte de São Paulo, entrou na avenida ainda úmida às 22h50.
Na madrugada desse sábado para domingo (3), outras sete escolas se apresentaram: Águia de Ouro, Dragões da Real, Mocidade Alegre, Vai-Vai, Rosas de Ouro, Unidos de Vila Maria e Gaviões da Fiel. Tal como na sexta-feira (1º), nenhuma agremiação do segundo dia registrou atraso no cumprimento do tempo regulamentar de desfile (1h05).
A Dragões da Real se destacou, abusando do dourado e do vermelho, sob um samba-enredo que teve o tempo como tema. A Vai-Vai desfilou em defesa da diversidade e das raízes africanas. Além disso, pediu o fim do racismo, do machismo e da homofobia.
A última a entrar no Sambódromo do Anhembi foi a Gaviões da Fiel, agremiação da torcida corintiana. O público recebeu a escola com os já tradicionais sinalizadores. A sedução do tabaco foi exaltada no samba que levantou a arquibancada já nos primeiros raios de sol deste domingo, por volta das 6h, quando entrou na avenida.
Veja detalhes das sete escolas que entraram na avenida no último dia de desfiles, por ordem de aparição:
Águia de Ouro
Primeira a entrar no último dia de desfiles do grupo especial, a Águia de Ouro trouxe como samba-enredo “Brasil, eu quero falar de você! Que país é esse?” e abordou dois extremos: as riquezas e as mazelas do país. Em tom politizado, falou sobre o contraste entre “a farra das elites sociais” e “o povo na rua”. A composição tratou ainda da ganância e da ambição dos poderosos.
Banhado de dourado, o carro abre-alas levou várias águias de asas abertas, que se movimentavam no topo. A apresentação começou no Descobrimento do Brasil, com os colonizadores e índios, e uma alegoria com um navio dos descobridores.
Confira fotos da segunda noite de desfiles em SP:
Dragões da Real
Por volta de meia-noite, a Dragões da Real entrou na avenida do samba, no segundo dia de desfiles no Anhembi. A escola traz o tempo como tema, tendo no samba-enredo o mote “A invenção do tempo. Uma odisseia em 65 minutos”.
Vários relógios tomaram conta dos carros alegóricos que, banhados em vermelho e amarelo, se destacaram pela imponência e pelo brilho na avenida. As cores preta e branca também marcaram a agremiação.
No segundo carro, o titã Cronos, deus do Tempo e filho de Urano, da mitologia grega, segura uma ampulheta. Engrenagens de relógio permearam toda a alegoria, rica em detalhes e com muito dourado.
O desfile da Dragões tentou desvendar o mistério do tempo ao abordar, por exemplo, viagens ao passado. A composição também fala sobre o mundo veloz regido pela pressa e a escravidão em relação aos ponteiros do relógio.
Na ala “Relógio de Pêndulo”, a escola apresentou as mães do samba que, nos terreiros, ditam com sabedoria o tempo para os acontecimentos.
Mocidade Alegre
A Mocidade Alegre foi a terceira escola a entrar na avenida, por volta de 1h, inundando de vermelho, verde e branco o sambódromo. Durante o desfile, a presidente Solange Cruz passou mal e precisou ser socorrida pela ambulância do Anhembi.
Com 3,5 mil integrantes, 23 alas e cinco alegorias, a escola cantou uma lenda amazônica no seu samba enredo: “Ayakamaé – As águas sagradas do sol e da lua”. Em tupi, aya significa rio, e kamaé, amor.
Na composição, o grupo mostrou na avenida a história do sol e da lua, que eram amantes, mas nunca conseguiram se encontrar.
Com a impossibilidade de ficarem juntos, o Sol, dono do dia, e a Lua, rainha da noite, lamentam a situação e o choro vai até o mar, fazendo emergir vales e serras. Assim teria nascido o Rio Amazonas.
As águas do “Eterno Amor de Sol e Lua” foram representadas por fantasias holográficas em verde e vermelho, com bichos aquáticos de asas.
A letra citou também Yara e Tupã, entidades lendárias da região amazônica. A homenagem é uma exaltação ao Amazonas. Um ponto forte da agremiação foi a explosão de cores puxadas para o neon, principalmente o verde e o amarelo.
Vai-Vai
Quarta escola a se apresentar na última noite de desfile, a Vai-Vai levou para a avenida o samba-enredo “O Quilombo do Futuro”. Representada pelas cores preto e branco, a escola de samba do Bixiga entrou no sambódromo por volta de 2h30.
Um destaque foi a presença de Anielle Franco, irmã da vereadora Marielle Franco, assasinada há quase um ano. Ao G1, ela disse que sentiu uma “emoção enorme”. “O samba da Vai-Vai falava muito sobre ela e o que ela significou para gente enquanto viva e, agora, com seu legado”.
A agremiação bradou contra o preconceito e em defesa das raízes africanas. Um dos carros alegóricos pediu “Poder para o povo preto”. E uma ala pregou a diversidade, pedindo o fim da homofobia e do racismo.
A composição exaltou as lutas do povo negro, destacando figuras religiosas, como Odoyá e Ogum, e políticas, como Nelson Mandela.
“Porque eu sou da pele preta / Quilombo do povo / Sou maior / Um privilégio que não é para qualquer um / Protegido e abençoado por Ogum”, cantou a escola. A escravidão e o navio negreiro também foram representados. “Ecoa o grito forte da senzala / Nos olhos brilha um novo amanhecer.”
Rosas de Ouro
Com a Rosas de Ouro, quinta escola a desfilar no último dia de Carnaval paulistano, a Armênia invadiu a avenida do samba com o enredo “Viva Hayastan” por volta das 3h30. O rosa, cor padrão do grupo, esteve em todos os detalhes das alegorias e alas, em diferentes tonalidades. Predominaram ainda o azul e o branco.
A agremiação homenageou o povo armênio que sofreu genocídio, fazendo um elo com a esperança por dias melhores e com os sentimentos de fé e superação. “Somos heranças da tua raiz / A arte que corre nas veias /Faz nossa gente feliz / A Rosas ergue a bandeira da superação / E canta Armênia nesse carnaval / Celebrando a União”, cantou a escola.
Uma das alas teve cadeirantes entre os participantes. A Arte Sacra, o cristianismo e a fé deram a tônica do desfile. Na avenida, exalou aroma de romã, fruta típica da Armênia que remete à fertilidade e é símbolo de abundância na cultura local.
Unidos de Vila Maria
A Unidos de Vila Maria foi a penúltima a entrar na avenida no sambódromo. Já passava das 4h quando a escola da zona norte deu início ao desfile.
A agremiação homenageou o Peru, com o enredo “Nas asas do grande pássaro, o voo da Vila ao império do sol”. Embora a escola tenha como cores-símbolo o verde, o azul e o branco, chamou atenção o contraste com o uso do dourado, cor que remete à cultura inca, conhecida pelos rituais e festas de exaltação ao sol.
Uma ala foi dedicada especialmente aos festejos peruanos em Cuzco. Antigos rituais da civilização também foram exaltados. Durante a passagem da Unidos de Vila Maria, um grupo de peruanos agitava bandeiras do país em celebração à homenagem.
Com o verso “Império do sol, no alto dos Andes / Onde o pranto do céu formou a nascente / Fonte da vida, das águas, emana / Viva a nação peruana”, a Vila Maria encantou ao lembrar da fé em suas divindades, orações e templos.
Gaviões da Fiel
Encerrando o Carnaval 2019 em São Paulo com Sabrina Sato como rainha, a Gaviões da Fiel – sétima escola do último dia de desfiles do grupo especial – entrou com o céu já claro, pouco antes das 6h deste domingo (3), levantando a arquibancada.
A homenagem do enredo da torcida corintiana foi ao tabaco. Com o samba “A saliva do santo e o veneno da serpente”, a Gaviões contou histórias e lendas envolvendo o tabaco, incluindo características e malefícios.
Em 1994, outra versão do samba-enredo foi cantado pela escola. Desde então, a canção do “cigarrinho” vem sendo entoada durante partidas do Corinthians. Em 2019, o “segundo cigarrinho” da Gaviões apresenta um enredo focado na erva que curou dores, mas também sobre o veneno que seduz.
Como representação do contraste da história do tabaco ao longo da história, anjos e demônios introduziam os trabalhos da Gaviões no abre-alas do grupo. Um diabo vermelho e um anjo branco com espada se alternavam no controle de um Jesus Cristo ensanguentado, representando o humano.
A escola brilhou nas cores vermelha e dourada, tendo um primeiro carro alegórico encabeçado por um demônio, uma serpente e um gavião. No desfecho do samba, a agremiação encerra entoando um pedido de moderação: “Liberdade pra você/ É um raro prazer / Sabor de emoção/ Mas não abuse/ Que faz mal pro coração e pro pulmão”.