Conexão BSB–Venezuela: imigrantes reconstroem a vida na capital
Programa da ONG Fraternidade Sem Fronteiras conecta venezuelanos a empregadores brasileiros e já trouxe três pessoas a Brasília
atualizado
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Enquanto alguns constroem muros, outros erguem pontes para unir a humanidade. A ONG Fraternidade Sem Fronteiras (FSF) criou um banco com currículos de venezuelanos abrigados no Brasil por causa da crise vivida no país vizinho e coloca essas pessoas em contato com empregadores para ajudá-las a refazer a vida em solo brasileiro.
A entidade também juntou voluntários para auxiliar os refugiados nos custos com deslocamento, hospedagem e alimentação. Treinou tutores para visitar os locais e verificar o cumprimento das condições dignas de trabalho.
Há 56 acolhimentos desse programa da Fraternidade em todo o país e, atualmente, três pessoas estão em Brasília. Josselin Nathalie Jimenez Martinez, 29 anos, e Joanny Rosaly Rondom, 37, vivem em Taguatinga e trabalham como cuidadoras de uma idosa.
Elas dividem a casa com uma família cujos integrantes preferem não ter os nomes revelados. “Encontramos pessoas muito boas aqui, verdadeiros anjos protetores, desde Roraima até Taguatinga. Nos acolheram com muito amor”, relata Joanny.
Joanny trabalhava como química industrial em Porto de La Cruz, na Venezuela. Tinha três empregos – dois na área privada e um na área pública – e não conseguia comprar nem comida suficiente para si mesma, os pais e a filha, Camila, de 8 anos. Veio ao Brasil diante da crise política e social enfrentada pelo país de origem.
Ela viajou um dia e meio de ônibus até chegar a Roraima. Ficou em um abrigo de Boa Vista, onde conheceu as iniciativas Amor Sem Fronteiras e Fraternidade Sem Fronteiras. “Perguntaram quem tinha qualificação profissional e queria trabalhar. Então nos cadastraram e convidaram para ir a Brasília. Tive aulas de português também”, relata.
Josselin é enfermeira, também tinha três empregos e, mesmo assim, não era capaz de custear uma vida minimamente digna para ela e o filho, Abraham, 4 anos. “As clínicas começaram a fechar por falta de remédios para dar aos pacientes”, relata.
A venezuelana vendeu tudo que tinha para vir ao Brasil. “Não há dinheiro circulando, tudo funciona por transferência e o ônibus só podia ser pago em moeda. Foi muito difícil chegar até aqui”, afirma.
Depois de 12 horas de viagem, Josselin chegou a Pacaraima (RR), cidade brasileira fronteiriça com a Venezuela. De lá, seguiu por dois dias até Boa Vista, a capital de Roraima – ela percorreu o trajeto, de 200km, de carona e a pé. Contou com a solidariedade das tribos indígenas pelo caminho para se alimentar e hidratar.
Na chegada a Boa Vista, as histórias de Josselin e Joanny começaram a se cruzar. Josselin também foi abordada por voluntários da ONG e se cadastrou para trabalhar. As duas vieram juntas para Taguatinga, onde moram em uma casa confortável, com barulho de pássaros e árvores no quintal.
“A vizinhança é muito acolhedora, as pessoas querem saber de onde viemos. É muito diferente de alguns lugares, onde venezuelanos não são bem-vindos”, afirma Joanny.
As duas enviam pasta de dente, sabonete, material escolar e remédios para os filhos e outros familiares que ficaram na Venezuela. Até dezembro, quando termina o contrato inicial de trabalho, devem tomar a decisão de trazer ou não os parentes para o Brasil.
“Ainda temos esperança de que a Venezuela vai encontrar um caminho para se reerguer. Somos gratas ao Brasil, mas amamos o nosso país”, diz Josselin, que pediu visto de residência ao Brasil. Joanny entrou com requisição de refúgio. Solicitantes desse tipo de abrigo podem sair do Brasil uma única vez, por período não superior a 90 dias, sob pena de arquivamento do processo de reconhecimento da condição de refugiado. Os que já ganharam o direito somente podem deixar o país após autorização, sob pena de perda da condição de refugiados. Já a permissão de moradia funciona como um visto comum e garante a permanência no território brasileiro.
Em abril de 2018, o governo federal iniciou um processo de transferência de venezuelanos de Roraima para outros estados. A mudança é voluntária e custeada pelo Estado. Foram realocadas 820 pessoas, das quais 50 vieram para Brasília. Atualmente, a Polícia Federal estima que 56.740 mil indivíduos dessa nacionalidade vivem no Brasil.
Como você pode ajudar
Há várias maneiras de colaborar com os projetos da Fraternidade Sem Fronteiras relacionados aos venezuelanos:
Padrinhos sociais: Cuidam especialmente de uma família e mobilizam ajuda para atender necessidades como matrícula de crianças em escolas, atendimento médico e orientação sobre documentos. Também auxiliam os refugiados na busca de oportunidades de trabalho.
Tutor fraterno: Sempre que um trabalhador ou família receber uma oferta de emprego ou se deslocar para outra cidade, um tutor fraterno zelará por essa nova fase, mantendo contato com todos os envolvidos. Trata-se de voluntário que cuidará por até dois anos dessas novas relações, oferecendo orientação e auxílio para os imigrantes e para quem quer ajudar.
Quero empregar: Acesse aqui se você quiser dar uma oportunidade de emprego para um trabalhador venezuelano.
Quero acolher: Acesse aqui e informe como você pode ajudar apoiando e/ou mobilizando apoio para a viagem e a instalação do trabalhador e sua família na cidade onde terão nova oportunidade.
Como tudo começou
A Fraternidade sem Fronteiras, fundada em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em 2009, desenvolve projetos humanitários no Brasil e na África Subsaariana, considerada a região mais pobre do mundo.
O trabalho iniciou-se em Moçambique, onde, hoje, 24 centros de acolhimento oferecem alimentação, cuidados com a higiene, atividades pedagógicas, culturais e formação profissional a crianças e jovens das aldeias.
Em fevereiro de 2017, a ONG iniciou ajuda humanitária em Madagascar, na cidade Ambovombe, no sul da ilha – que sofre com a fome e a sede. A água potável é vendida, e as famílias sem dinheiro bebem água suja e só tomam banho quando chove.
No Brasil, no mesmo ano, a FSF começou a acolher venezuelanos em Roraima, onde mantém abrigo e ações sociais. O grupo também abraçou a causa do tratamento de crianças com microcefalia no Nordeste, em apoio ao trabalho do Instituto de Pesquisa Professor João Amorim Neto (Ipesq), em Campina Grande, na Paraíba.