Conep reage a morte por nebulização com cloroquina: “Grave violação”
Segundo Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, médica que fez tratamento experimental em paciente com Covid-19 responderá ao MPF
atualizado
Compartilhar notícia
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), vinculada ao Ministério da Saúde, repudiou o uso de tratamento experimental com nebulização de hidroxicloroquina, que resultou na morte de uma paciente com Covid-19, em Manaus (AM). Em nota, a entidade do Conselho Nacional de Saúde (CNS) afirmou que o caso mostra “flagrante desrespeito às normas de ética em pesquisa do país”.
A Conep defendeu ter tomado conhecimento do caso ocorrido no Instituto da Mulher e Maternidade Dona Lindu, em Manaus, através da imprensa. Segundo a comissão, após verificar registros em sua base de dados, a entidade “não encontrou qualquer pesquisa cuja intervenção estivesse associada à nebulização com cloroquina ou hidroxicloroquina”.
“Fazendo pressupor que o procedimento experimental ocorreu sem a aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) ou mesmo da Conep. Em troca de e-mails com a Conep, tal suposição foi confirmada pela própria médica responsável pelo tratamento”, informou o órgão.
De acordo com a comissão nacional, qualquer tratamento experimental “deve ocorrer estritamente no âmbito da pesquisa clínica, havendo necessidade de aprovação de um protocolo submetido à instância regulatória ética antes de ser iniciado”.
“A Resolução do Conselho Nacional de Saúde n° 466, de 12 de dezembro de 2012, define explicitamente que as pesquisas, em qualquer área do conhecimento envolvendo seres humanos, devem estar fundamentadas em fatos científicos, experimentação prévia e/ou pressupostos adequados à área específica da pesquisa”, explicou.
A resolução em questão também define: “Todo participante deve consentir sua participação na pesquisa por meio de um termo de consentimento livre, esclarecido previamente, avaliado e aprovado pelo Sistema CEP/Conep”. Apenas pesquisadores devidamente capacitados estão aptos a conduzir os estudos.
O Conep afirmou que o tratamento em questão não tem fundamentação científica e não estava autorizado pela entidade para ser experimentado na paciente.
“No caso em tela, há flagrante desrespeito às normas de ética em pesquisa do país, tendo-se aplicado tratamento experimental para Covid-19 sem fundamentação científica, sem autorização prévia do Sistema CEP/Conep e conduzido por profissional sem experiência em pesquisa clínica.”
“Ainda que a médica responsável pelo tratamento experimental tenha aplicado termo de autorização, a análise do documento permite concluir que ele não representa um termo de consentimento livre e esclarecido minimamente aceitável para uma pesquisa clínica, faltando, entre outros pontos, assegurar os direitos dos participantes de pesquisa e informar adequadamente os procedimentos e riscos associados”, completou.
“Grave violação”
Ainda segundo a entidade, o caso configura “grave violação” ao Código de Nuremberg – formulado em 1947 em resposta aos crimes praticados por médicos durante experimentos com seres humanos no decorrer da Segunda Guerra Mundial. O documento é, ainda hoje, referenciado internacionalmente na área de ética em pesquisa.
“Ao que tudo indica, o tratamento experimental proposto no Instituto da Mulher e Maternidade Dona Lindu feriu o Código de Nuremberg em diversos itens, senão todos. O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que a pessoa envolvida deve ser legalmente capacitada para dar o seu consentimento.”
Representação no MPF
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa acionou o Ministério Público Federal para apurar o caso.
“Em razão dos fatos apresentados, a Conep conclui que o tratamento experimental realizado em Manaus compreendeu pesquisa clínica com seres humanos, sem autorização da instância regulatória ética e sem respeito às normas de ética em pesquisa vigentes no país, além de infringir substancialmente o Código de Nuremberg e outros documentos internacionais de bioética, como a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, da Unesco”, finalizou.