Condenados da Kiss ganharam habeas corpus enquanto sentença era lida
Quatro réus foram condenados a penas entre 18 anos e 22 anos e 6 meses, mas ganharam o direito de recorrer em liberdade
atualizado
Compartilhar notícia
Os quatro réus acusados pela morte de 242 pessoas e pelos ferimentos em mais de 600 no incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria (RS), em 2013, foram condenados a penas que variam de 18 anos a 22 anos e 6 meses de cadeia, mas seguem livres. O juiz Orlando Faccini Neto, que presidiu o tribunal do júri com duração de 10 sessões em Porto Alegre, estava lendo as sentenças e determinando o cumprimento das penas em regime fechado, no fim da tarde desta sexta-feira (10/12), quando foi informado pela assessoria técnica de que a instância superior havia concedido uma habeas corpus preventivo aos condenados, impedindo que eles fossem levados para o presídio.
Os jurados já haviam decido pela condenação, e Faccini Neto lia a sentença quando o habeas corpus foi concedido pelo desembargador José Manuel Martinez Lucas, da 1ª Câmara Criminal do Rio Grande do Sul, às 17h49, obrigando o magistrado a suspender a determinação de prisão imediata.
A decisão atendeu pedido da defesa do réu Elissandro Spohr, sócio da boate, que teve a maior condenação, e foi estendida a todos os condenados.
Elissandro Spohr, o Kiko, de 38 anos, foi condenado a 22 anos e seis meses de prisão. Mauro Lodeiro Hoffmann, 56, também sócio da Boate Kiss, foi condenado a 19 anos e seis meses; Marcelo de Jesus dos Santos, 41, integrante da banda Gurizada Fandangueira; e Luciano Augusto Bonilha Leão, 44, produtor musical da banda; foram ambos condenados a 18 anos de reclusão.
O Ministério Público gaúcho já anunciou nesta sexta que irá recorrer do habeas corpus aos condenados. A instituição não se manifestou, porém, sobre o julgamento em si. Apesar de não poderem desfazer a decisão dos jurados, tanto o MP quanto as defesas ainda podem recorrer para tentar mudar questões mais técnicas – como o tamanho da pena – ou até tentar anular o julgamento.
A tragédia na casa noturna
A Boate Kiss era uma casa noturna tradicional de Santa Maria, cidade de quase 300 mil habitantes no interior do Rio Grande do Sul, e foi palco de uma tragédia de enormes proporções na noite de 27 de janeiro de 2013. Na ocasião, ocorreram dois shows ao vivo e a casa estava superlotada – tinha capacidade para 690 pessoas, mas comportava entre 800 e mil.
O incêndio começou no segundo show, o da banda Gurizada Fandangueira. Guitarrista da banda, Rodrigo Lemos, relatou que o fogo começou depois que um sinalizador foi aceso pelos músicos. Ele disse que os colegas de banda logo tentaram apagar o incêndio, mas que o extintor não teria funcionado. Um dos integrantes da banda, o gaiteiro Danilo Jaques, morreu no local.
As faíscas do sinalizador, chamado Sputnik, atingiram o teto da boate, revestido de uma espuma que servia como isolamento acústico e era altamente inflamável. Em pouco tempo, o fogo se espalhou pela pista de dança e logo tomou todo o interior da boate. De acordo com os bombeiros, a fumaça altamente tóxica e de cheiro forte provocou pânico.
Ainda sem saberem do que se tratava, seguranças tentaram impedir a saída antes do pagamento. Nesta sexta, último dia de julgamento, a promotora Lúcia Helena Callegari mostrou aos jurados um documento no qual o segurança André de Lima, que não prestou depoimento porque morreu neste ano de Covid-19, diz que o sócio da Kiss Elissandro Spohr, o Kiko, fez com que ele “segurasse um pouco a porta” quando o público tentava deixar. Trata-se do depoimento do segurança a um processo na Justiça Federal em 2015.
“Me dá uma sensação de dolo [culpa por ato intencional] direto. Ele se postou na frente da porta. Isso é uma conduta de gravidade extrema, é um egoísmo extremo. É aquela coisa: o dinheiro vale mais do que tudo”, discursou a promotora.
Houve empurra-empurra enquanto os clientes tentavam deixar a casa. Muitos que não conseguiram desmaiaram intoxicados pela fumaça. Outros procuraram os banheiros para escapar ou buscar uma entrada de ar e acabaram morrendo. Segundo peritos, o sistema de ar-condicionado ajudou a espalhar a fumaça. Além disso, um curto-circuito provocado pelo incêndio causou uma explosão – 242 pessoas morreram e mais de 600 ficaram feridas. Várias deram depoimentos emocionados ao longo desses 10 dias de julgamento.