Condenado por corrupção, reitor da Uninove tenta anular sentença
Empresário se diz vítima de fiscal e recorreu a advogado que é ex-dirigente de associação de magistrados, que dividiu chapa com julgador
atualizado
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São Paulo – Condenados a 10 anos de prisão por corrupção, cada um, o empresário Eduardo Storópoli, reitor da Universidade Nove de Julho (Uninove), e o pró-reitor da entidade, Marco Antônio Malva, mudaram de advogado, de estratégia e de discurso sobre por que fizeram pagamentos de R$ 1,6 milhão em propinas ao ex-auditor fiscal municipal José Rodrigo de Freitas, conhecido como “rei dos fiscais”, entre 2003 e 2009.
Storópoli e Malva contrataram o advogado Henrique Nelson Calandra, ex-desembargador e ex-presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), para anular essa sentença de primeira instância, publicada em agosto de 2019. A apelação em segunda instância é relatada na 16ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo pelo desembargador Osni Assis Pereira, antigo parceiro de chapa e de diretoria de Calandra na Apamagis, na gestão de 2008 a 2009.
Em entrevista ao Metrópoles, Calandra alegou que não possui “amizade íntima” com seu ex-companheiro de chapa. Por isso, na opinião dele, não há conflito de interesse que justifique que o caso seja julgado por outro magistrado.
“Não posso entrar em detalhes em torno de um caso que está no tribunal. O meu relacionamento anterior com o relator, ao longa da carreira, foi profissional. Não tenho com ele amizade íntima que justificasse qualquer suspeição”, afirmou.
O recurso do reitor da Uninove está agendado para ser julgado na próxima terça-feira (26/10). A mudança de estratégia dos dirigentes universitários foi criticada pelo Ministério Público.
Esquema de corrupção
O reitor começou a ser investigado depois que a promotoria mapeou um esquema de corrupção de auditores fiscais da Prefeitura de São Paulo, que recebiam propinas em troca de vantagens tributárias para várias empresas com atuação na capital paulista.
Só que, ainda na fase preliminar da investigação, o reitor confessou alguns pagamentos feitos aos fiscais, em depoimento aos promotores. Inicialmente, alegou que só deu a propina pois era vítima de extorsão pelo auditor. Mas foram descobertos mais repasses e Storópoli acabou por assinar um acordo de delação premiada com o Ministério Público.
A propina era entregue ao auditor em cheques de empresas laranjas, que emitiam notas frias como se tivessem prestado serviços para a Uninove, de acordo com a promotoria.
No acordo de delação premiada assinado com promotores, Storópoli teria de pagar multa de R$ 12 milhões. Em troca da confissão, a promotoria se comprometia a exigir que ele ficasse menos de um ano preso em regime aberto. O benefício tratado no acordo acabou não garantido. Há enorme divergência na Justiça se promotores podem combinar penas com réus antes de sentença de magistrado.
A juíza Fabíola Oliveira Silva, da 27ª Vara Criminal de São Paulo, discordou da promotoria e condenou o reitor e o pró-reitor da Uninove a 20 anos de cadeia, cada um. Como tinham assinado acordo de colaboração premiada, a magistrada entendeu que eles tinham direito à redução de pena, mas só pela metade, e a dupla acabou condenada a 10 anos de prisão.
Tanto o Ministério Público quanto a defesa dos dirigentes da universidade, feita à época pelo advogado Pierpaolo Bottini, recorreram contra essa pena. A promotoria alegou que o reitor e o pró-reitor teriam direito à redução da pena em 2/3 porque colaboraram com as investigações. Já o advogado Bottini rebateu que tinham direito à pena prevista no acordo de colaboração premiada, que seria de menos de 1 ano de prisão em regime aberto.
No entanto, antes que essa apelação fosse julgada pela 16ª Câmara Criminal, os dirigentes da Uninove mudaram de advogado – trocaram Bottini por Calandra. Com uma nova estratégia, protocolaram nova defesa, voltaram a se dizer vítimas de extorsão e, por isso, passaram a alegar que não cometeram crime algum ao fazer pagamentos ao fiscal.
Além de se escorar em um ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), os dirigentes da Uninove pagaram por pareceres jurídicos do ex-desembargador Paulo Dimas Mascaretti, ex-presidente do tribunal, do ex-procurador Vicente Greco Filho, professor da USP, e do ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Edson Carvalho Vidigal. Todos esses pareceres serviram para o reitor e para o pró-reitor da Uninove alegarem que não teriam cometido crimes pois teriam sido vítimas de extorsão.
Mudança de curso
A nova estratégia motivou protestos do Ministério Público, que pediu a anulação dos acordos de delação premiada da dupla devido às mudanças de versões.
“Talvez tenham os recorrentes acreditado nas falaciosas conversas que surgem na chamada ‘deep web’ jurídica, com narrativas de que, em algum momento remoto, a contratação de ex-membros da Corte teria o condão de selar a sorte do processo”, criticou o promotor Roberto Bodini em parecer enviado à Justiça depois da mudança.
O promotor ironizou a alegação dos dirigentes da Uninove, de que foram obrigados a pagar propina ao fiscal. “Seria plausível a tese de que o ‘professor’ Storópoli teria sido obrigado a aceitar benefício fiscal milionário? Obrigado a comer caviar Beluga e a beber Château Mouton Rothschild safra 1990. Quanto sofrimento teria experimentado o responsável pela Uninove. Defesa intransigente, no entanto, diria: caviar não combina com vinho, estando aí a extorsão”, criticou o promotor.
Em outra frente, a Uninove, o ex-fiscal e outros acusados tiveram mais de R$ 560 milhões congelados pela Justiça na esfera cível, por uma ação de improbidade administrativa. Nesse outro processo, a promotoria alega que foram sonegados R$ 556,6 milhões só nos últimos cinco anos pelo grupo universitário, por falta de pagamento de ITBI, ISS e IPTU, em vantagem viabilizada pelos pagamentos de propina. Isso porque a Uninove não tinha direito à imunidade tributária, porque a prefeitura concluiu que diretores e mantenedores alugavam imóveis à própria instituição por valores acima dos praticados no mercado.
Storópoli ainda é investigado pelo pagamento de outros R$ 4 milhões ao auditor Freitas com recursos em espécie – mas ainda não foi processado por esses repasses em dinheiro vivo.