Como vítimas do golpe do Pix recuperam na Justiça o dinheiro roubado
Pesquisa mostra que tentativas de golpes virtuais financeiros dobraram. Instituições financeiras têm sido condenadas a devolver dinheiro
atualizado
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São Paulo – O aposentado Pedro Nogueira, 67 anos, tomou um susto quando notou uma transferência por Pix de R$ 320 para um desconhecido, a partir de sua conta corrente no Mercado Livre. Foi um golpe de um criminoso especializado. Ele tinha acabado de juntar esse dinheiro com a venda de produtos em São Paulo pela plataforma.
Quando percebeu o envio para as contas de um tal “Vincius Henrique” (sic), já tinham se passado dois dias desde a transferência. Nogueira integra um grupo crescente de vítimas de golpes com Pix, em que os criminosos usam técnicas de intrusão cibernética ou de engenharia social para roubar o dinheiro das vítimas em contas de bancos ou outras instituições financeiras.
Embora policiais relatem um aumento generalizado desse tipo de golpe, faltam estatísticas que dimensionem essa modalidade de crime desde que o Pix foi lançado, em novembro de 2020. Quando começou a funcionar como um sistema instantâneo de pagamentos para empresas e consumidores, a ideia era que fosse mais ágil e seguro do que as tradicionais transferências bancárias (TEDs e DOCs). Mas os criminosos também aproveitaram a nova modalidade de pagamentos para roubar dinheiro em tempo recorde.
Mesmo sem um recorte especifico dos golpes por Pix, estudo recente feito pela PSafe, empresa especializada em soluções de segurança e privacidade, mostrou que seus sistemas de segurança fizeram mais de um milhão de bloqueios de tentativas de golpes virtuais financeiros em fevereiro deste ano, o dobro das ameaças registradas no mesmo mês do ano passado.
Nogueira acabou vítima de um desses golpistas. Mas, assim que percebeu o roubo, partiu para a fila de reclamações do Mercado Pago, como outras pessoas roubadas que pedem bloqueio e restituição do dinheiro às instituições financeiras usadas nesses esquemas.
Processos na Justiça
A primeira reclamação contra o Mercado Pago foi feita no dia 27 de abril de 2021, em atendimento por WhatsApp. Rendeu a primeira promessa de que entrariam em contato em quatro dias úteis com mais informações. Não deu em nada, segundo a vítima, como também ficaram sem respostas outras três reclamações feitas nas três semanas seguintes à empresa. Nogueira decidiu, então, processar a instituição e pediu a devolução dos R$ 320, acrescidos de R$ 10 mil em indenização por danos morais.
Como o aposentado, outros clientes têm obtido a devolução do dinheiro roubado e eventualmente até o pagamento de indenização, quando processam as instituições financeiras usadas pelos golpistas para desviar o dinheiro levado.
A juíza Cláudia Barrichello, da 1ª Vara Cível do Foro de Nossa Senhora do Ó, em São Paulo, deu ganho de causa para Nogueira, pois avaliou que houve falha na prestação de serviço pelo Mercado Livre, usado pelo criminoso. A indenização por danos morais foi estipulada em R$ 3 mil e a empresa também foi condenada a devolver os R$ 320 roubados.
“Sendo assim, cabia à contratada a demonstração da inexistência de falha na sua prestação de serviços, não bastando a alegação pautada em meras ilações ou presunção de que seu sistema operacional se mostra infalível”, diz a magistrada na sentença, publicada em 28 de março.
Foi criticada ainda a falta de respostas da companhia às quatro reclamações feitas pelo aposentado, em que ele pediu a restituição do dinheiro e a solução do problema.
“A empresa simplesmente protelava a solução, sempre pedindo ao autor que aguardasse 4 dias úteis, ou que esperasse uma resposta assim que tivessem novidades, já que o caso seria enviado ‘para a equipe’ analisar”, criticou a magistrada.
O aposentado diz que decidiu processar a firma porque o dinheiro roubado impediu que ele quitasse outras dívidas bancárias, o que complicou ainda mais sua situação financeira.
“Não sei como fizeram a transferência. Eu desconfio que tenha participação de algum funcionário lá de dentro”, criticou Nogueira.
O Mercado Livre foi condenado também na quinta-feira passada (7/4) a indenizar outro cliente, um lojista, que teve R$ 19 mil roubados de sua conta na plataforma em uma transferência via Pix feita por um criminoso.
Nesse outro caso, o juiz José Fabiano Camboim de Lima, da 8º Vara Cível de São Paulo, também entendeu que houve falha de segurança pelo Mercado Livre.
“Não se pode presumir que o acesso aconteceu mediante uso de senha e login do autor”, afirmou o juiz na sentença.
Uma advogada também ganhou processo contra a PagSeguro depois de sofrer o golpe do Pix. No caso dela, o golpista usou a foto de seu irmão e disse que precisava que ela pagasse uma conta. Ela só percebeu o golpe depois de fazer o pagamento, mas solicitou o bloqueio da transferência ao seu banco e ao PagSeguro, para onde o dinheiro tinha sido enviado.
O juiz Maurício Ferreira Fontes, do Juizado Especial Cível e Criminal de Fernandópolis, entendeu igualmente que houve falha na prestação de serviço pela PagSeguro, por supostamente não ter impedido a ação do golpista. O magistrado argumentou que a empresa não comprovou ter adotado os cuidados necessários para barrar que o criminoso usasse a plataforma no roubo.
“A ré, entretanto, desse ônus não se desincumbiu, não provando ter adotado as necessárias cautelas no processo de abertura de conta (justamente a tese da inicial e exigência do Banco Central), sendo a desídia da ré a principal facilitadora do uso ilícito das contas para a aplicação de golpes”, afirmou o magistrado na sentença.
Resposta das empresas
Procurado, o Mercado Livre informou que vai recorrer contra as duas condenações e que só ocorrem golpes por Pix quando os usuários repassam dados, ainda que involuntariamente, para terceiros.
“Hoje no Mercado Pago existem tecnologias como o segundo fator de autenticação para acesso ao aplicativo e realização de transações, que reforçam a segurança na utilização dos serviços financeiros. Além disso, em todos os canais com o cliente, a empresa orienta seus usuários sobre os cuidados com o compartilhamento de suas informações pessoais, e sobre a importância da ativação do segundo fator de autenticação para acesso ao aplicativo e realização de transações, que reforçam a segurança na utilização dos serviços financeiros”, afirmou, em nota.
Já o PagSeguro informou que não comenta ações judiciais e que disponibiliza os telefones 4003-6624 nas capitais e regiões metropolitanas e 0800-882-1100 nas demais localidades para que sejam feitas denúncias de golpes ou fraudes pelas eventuais vítimas.
“O PagBank PagSeguro segue padrões rígidos de segurança desde a sua fundação. A segurança é um dos principais pilares da companhia, para que nossos clientes usem com tranquilidade todos os nossos serviços”, afirmou a empresa em nota.