Como o STF chegou a 11 ministros e por que mantém essa composição
O número de ministros é previsto em artigo da Constituição. Essa quantidade foi aumentada em período ditatorial por fins ideológicos
atualizado
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A composição do Supremo Tribunal Federal (STF) virou alvo de políticos nas últimas semanas. O vaivém de especulações vai desde pedidos de impeachment de ministros, apoiados por uma bancada de ultradireita eleita para o Congresso, até o aumento do número de ministros, para que, em uma eventual reeleição de Jair Bolsonaro (PL), possa ser feita uma manobra de amplo apoio ao presidente em decisões da Corte Suprema.
Embora o presidente da República e seu filho Flávio Bolsonaro (PL) tenham negado a intenção de tentar aumentar de 11 para 16 a composição de ministros da Corte, a notícia circulou, inclusive, entre ex-componentes do STF. O alvoroço nessa possibilidade se dá porque, no Brasil, historicamente, um aumento no número de julgadores do Supremo nunca ocorreu para favorecer a democracia, mas sim para reforçar regimes autoritários.
A primeira Constituição Republicana, a de 1891, previa que o Supremo seria integrado por 15 juízes. Com a Revolução de 1930, no entanto, veio a primeira alteração: Getúlio Vargas e seus apoiadores, por meio de decreto, estabeleceu que o tribunal teria 11 cadeiras. A Constituição de 1946 manteve esse número.
Na ditadura, ocorreu uma combinação de cassações de ministros com ampliação de vagas para que os militares pudessem ter ingerência sobre a Corte. O aumento para 16 ministros se deu pelo Ato Institucional nº 2 (AI-2), de 27 de outubro de 1965. A Carta de 1967 manteve os 16 postos. Tal composição só existiu no Brasil durante quatro anos da ditadura militar, entre 1965 e 1969.
O número de ministros foi ampliado para que os militares pudessem ter ingerência sobre a Corte. Com o fortalecimento do regime militar, veio o AI-5 (13 de dezembro de 1968), quando foram cassados três ministros: Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva, que não estavam alinhados à política militar.
Os três foram repostos por juristas inseridos na ideologia e outros cinco, nomeados. Com isso, o regime obteve a composição desejada. Em 1969, já com ministros amplamente submissos e beneficiados por aposentadorias voluntárias, o AI-6 restabeleceu o número de 11 ministros. A quantidade foi reproduzida pela Constituição de 1969 e não mudou desde então.
Redemocratização
O número de juristas foi mantido no Artigo 101 da Constituição Federal de 1988, que diz: “O Supremo Tribunal Federal (STF) compõe-se de 11 ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. O maior símbolo da redemocratização do país traz essa composição e dá a ela a missão de “guardar a Constituição”.
O questionamento atual, então, se chegar ao Congresso, precisa ser aprovado por ampla maioria, com mudança do texto constitucional. Só assim, seria possível ampliar para 16 ministros a composição. Hoje, o presidente Jair Bolsonaro tem dois ministros alinhados aos seus ideais: André Mendonça e Kássio Nunes Marques. Se for eleito e aprovar tal medida, poderá indicar os novos cinco ministros, além de dois novos nomes para as vagas de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, que se aposentam em 2023.
Tal tentativa de controlar o órgão máximo do Judiciário é duramente criticada por especialistas que prezam pelo Estado Democrático de direito, que prevê a diversidade dentro do STF na tomada de decisões.
O ex-ministro Marco Aurélio Mello ressaltou, em entrevista à Coluna de Igor Gadelha, do Metrópoles, que a proposta dos aliados, como o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), eleito senador pelo Rio Grande do Sul, de aumentar de 11 para 16 o número de ministros do STF, remete à ditadura militar:
“Se não me falha a memória, com AI-2, houve o aumento para 16 cadeiras. A razão acabou, mais tarde, por prevalecer, retornando-se às 11 cadeiras. O móvel veiculado agora merece a excomunhão maior. Não podia ser pior. De qualquer forma, a alteração pressupõe aprovação de Emenda Constitucional, com discussão e votação no Congresso Nacional, em dois turnos, sendo o quórum para aprovação de três quintos dos votos dos integrantes. Não creio que haja vontade política parlamentar para isso. Tempos estranhos. Quem viver verá!”.
Já o ex-presidente do STF Celso de Mello, que se aposentou em 2020, afirmou que a proposta é uma “perversa e inconstitucional finalidade de controlar o STF”.
“A nossa experiência histórica tem revelado que a ideia de modificar a composição numérica do Supremo Tribunal Federal surgiu, no plano do constitucionalismo brasileiro, em períodos de exceção, sempre sob a égide de ordens autocráticas e sob o influxo de mentes autoritárias que buscavam, com tal expediente, sufocar a independência da Corte Suprema, que representa um dos pilares fundamentais em que se assenta o Estado democrático de Direito”, disse em texto à imprensa.
Venezuela
Na América do Sul, a interferência na Suprema Corte venezuelana foi um processo longo, iniciado por Hugo Chávez. Em 2004, o ex-ditador e seus aliados aumentaram as cadeiras em 12 ministros, de 20 para 32 assentos. Isso deu a Chávez o controle político da Corte. Como consequência, o Judiciário da Venezuela parou de fiscalizar o Executivo.
Os ministros de Chávez rejeitaram a separação dos Poderes e fecharam com a agenda política do então ditador. Foram 14 anos de controle. Chávez chegou a pedir a condenação de uma juíza que deu decisão favorável a um homem que criticava seu governo.
Em 2013, com a morte de Chávez, o novo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, consegue impedir a posse de integrantes da oposição usando o Judiciário a seu favor. Maduro governa sem respeito ao parlamento, com revogações avalizadas pelo tribunal.
Em janeiro deste ano, já com a composição desejada, Maduro reduziu o número de integrantes da Corte de 32 para 20. Manteve no tribunal os aliados de seu governo.
Juan Guaidó, o presidente autodeclarado da Venezuela e oposição a Maduro, rechaçou a “imposição” dos 20 novos juízes. E considerou o ato como um processo para proteger “corruptos e violadores dos direitos humanos”.
Estados Unidos da América
A Corte Suprema dos Estados Unidos é composta, hoje, de nove juízes. A estruturação do tribunal também já foi alterada. O princípio, nesse caso, no entanto, foi em prol da igualdade racial.
Então presidente dos EUA, Abraham Lincoln reformou a Corte, aumentando lugares, porque a composição era de juízes ligados ao regime escravocrata do Sul. Ele fez o certo.
Em 1862, Lincoln iniciou nomeações para a Suprema Corte contra a política escravocrata. Foram cinco juízes antiescravocratas nomeados, entre 1862 e 1864. A intenção, à época, foi provocar equilíbrio político em prol da democracia.
Nesse período, Lincoln anunciou a Lei de Emancipação, que determinou a abolição dos escravos nos Estados Unidos. Em 1º de janeiro de 1863, foi decretada a Lei de Emancipação dos Escravos.