Como lidar com o luto pela morte de um animal de estimação
Dono de cão morto em voo da Latam conta como tem enfrentado o luto. Psicóloga cria grupo de acolhimento especializado em Goiânia
atualizado
Compartilhar notícia
Muitas vezes relativizado e até diminuído por quem não compreende a dimensão do vínculo sentimental, o luto gerado pela perda de um animal de estimação é capaz de acarretar severas consequências à vida das pessoas.
A psicóloga e psicoterapeuta Andrielli Kechichian, que atua no atendimento de pacientes que perderam alguém, gosta de repetir que “o luto é o custo do amor”. Quanto maior a profundidade do vínculo, maior é o sentimento gerado pela perda ou pelo vazio deixado.
Essa sensação, no entanto, independe se é em uma relação entre humanos ou entre um humano e um animal. Onde existe o amor, provavelmente existirá o lamento e a dor diante da separação.
Morto em voo da Latam
Desde que o cachorro Weiser morreu durante um voo da Latam, no último dia 14, o engenheiro civil Giuliano Ferreira Conte, de 29 anos, não consegue manter a mesma rotina de antes, pois tudo o faz recordar o pet.
O animal estava sendo transportado em um voo de São Paulo (SP) para Aracaju (SE). Ele retornava para casa, depois de passar uns dias na residência da família de Giuliano, e foi colocado em uma caixa, conforme o estipulado pela empresa, mas morreu no trajeto. O choque da notícia foi imediato.
Era aniversário de Giuliano. Ele esperava ansiosamente pela chegada de Weiser e havia, inclusive, cancelado planos para ficar em casa e curtir a presença do pet. Dias depois, o engenheiro recebeu apenas as cinzas do companheiro.
“A gente sabe que, normalmente, o animal vai antes da gente, mas nunca estamos preparados para isso, ainda mais da forma que foi. Foi inesperado. Está sendo um susto e continua muito complicado. Ele fazia parte do meu dia a dia. Toda hora que fazemos algo em casa, de rotina, eu e minha esposa lembramos dele”, conta o dono.
Dificuldade de ir à praia
Weiser, o único pet da casa, era um cão da raça american bully e tinha 4 anos de idade. Giuliano o adotou ainda filhote e mantinha uma relação bem próxima, com horários reservados durante o dia para curtir o animal.
A hora em que ele mais sente falta da presença de Weiser é pela manhã. O engenheiro relata que costumava acordar em torno de 1h30 antes do horário de ir trabalhar para caminhar com o cachorro na praia e alimentá-lo.
“Desde então, tenho evitado ir à praia na parte da manhã. É o horário que a gente mais se recorda dele”, diz.
“Não sabia o que fazer”
As cinzas de Weiser seguem guardadas em casa. A família ainda não decidiu o que fazer com elas. “Parecia que eu estava vivendo um filme [quando fui pegar as cinzas] e não queria acreditar. Estava sozinho, não sabia o que fazer, para onde ir, para quem ligar. Foi um choque”, relata Giuliano.
A irmã chegou a perguntar se o engenheiro queria outro cachorro, mas ele preferiu não aceitar, por enquanto. “Não temos cabeça para ter outro, agora. Ainda estamos sentindo essa perda”, lamenta.
Psicóloga cria grupo voluntário para apoiar enlutados
Em Goiânia, a psicóloga e psicoterapeuta Andrielli Kechichian criou um grupo voluntário de apoio para pessoas que vivenciam o luto por terem perdido um animal. Chamado Grupo Aconchego, ele foi fundado em abril deste ano e conta com participantes de todo o país, e até de fora do Brasil.
Sempre na última quarta-feira do mês, é realizado um encontro virtual para que os integrantes possam trocar experiências, relatar como estão lidando com o luto e poderem falar abertamente sobre o assunto.
Andrielli explica que o luto pet é um tipo não reconhecido, apesar do sofrimento gerado. É como se a pessoa não tivesse espaço para viver a dor, porque ainda é uma situação alvo de julgamentos ou relativizações na sociedade.
“A pessoa fala assim: ‘Perdi um gato’. E logo surgem muitas para dizer: ‘Ah, gato arruma outro. Tem muito gato por aí’. Ou, até mesmo: ‘Tem muita gente morrendo e você sofrendo por causa de bicho’. É um luto não humanizado, não aprovado muitas vezes”, aponta a profissional.
“O luto é como você amou”
No dia a dia, no entanto, o luto pela perda de um animal demonstra-se de maneira equiparável, em alguns casos, ao luto pela perda de uma pessoa querida. Depende muito da intensidade do vínculo criado entre as partes.
Cada pessoa tende a lidar de uma forma. Algumas conseguem adotar outro animal de imediato, já outras vivem para sempre sem outro gato ou cachorro; algumas ficam depressivas, deixam o trabalho, se isolam e abandonam hábitos que relembram o pet. “O luto tira o tutor do eixo. O luto é como você amou”, afirma Andrielli.
A psicóloga explica, ainda, que não existe luto curado. Existe luto tratado. O sentimento precisa ser integrado, compreendido e ressignificado para que a pessoa consiga prosseguir. Por isso, falar sobre ou ter um acolhimento é muito importante.
Advogada abandonou trabalho
Foi no grupo de Andrielli que a advogada paulistana Ana Luíza Nasfif, de 26 anos, conseguiu se abrir e falar abertamente sobre a perda de Marley, um cachorro de 13 anos que havia sido o primeiro da vida dela. Ele faleceu em agosto, em decorrência de um câncer no ouvido.
Ana deixou o trabalho por quase seis meses para acompanhar a rotina de tratamento do animal. Ela lembra que passava dias inteiros no hospital veterinário, onde a espera por atendimento chegava a ser de até 10 horas.
A primeira semana sem Marley foi o período mais crítico. A advogada se fechou no quarto, pois não conseguia frequentar os outros cômodos, já que tudo lembrava ele. Ela teve crises de ansiedade. Quatro dias depois, fez uma tatuagem em homenagem ao cachorro no braço e percebeu que não conseguiria ficar sem um pet em casa.
“É uma parte de mim que foi embora. Senti meu colo vazio, a casa silenciosa. Doeu muito”, conta. Agora, ela já está um pouco melhor, faz acompanhamento psicológico, em complemento às reuniões do Grupo Aconchego. Além disso, adotou o Luke, um vira-lata de 10 meses de vida que já ganhou o coração da família.
“Nunca senti uma dor tão forte”
A advogada relata que não esperava que o luto pela perda de Marley fosse ser como foi. “Nunca senti uma dor tão forte. É uma dor que não é física. Tive que adotar outro cachorro para não me afundar em um poço de tristeza. Sabia que seria difícil, mas foi bem mais”, afirma.
Ana Luíza relata que chega a sentir certa culpa, em determinados momentos, por fazer coisas com Luke que ela não costumava fazer com Marley. Aos poucos, apesar da persistência das marcas, ela vai aprendendo que cada vínculo se desenvolve de uma forma.
“É um amor muito puro que eles te dão. Já amo demais o Luke. Ele é um grude comigo”, conta. A psicóloga Andrielli Kechichian diz que a relação com os animais é uma das poucas oportunidades que temos na vida de possuir um amor por inteiro.
“Animal não tem sábado, não tem domingo, não tem férias. Quando ele acorda e te vê, o coraçãozinho dele pula de alegria. Quando você chega, com o barulho da chave na porta, ele já vai para perto para te esperar. Ele não quer saber de horário”, descreve.