Como funciona o ecossistema de desinformação sobre vacinas no Twitter
Especialista analisa atores que compõem os grupos e perfis que espalham informações incorretas sobre imunização de crianças no Brasil
atualizado
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A vacinação de crianças contra a Covid-19 tem sido alvo de polêmicas que predominam, sobretudo, no nicho de extrema direita nas redes sociais. Por outro lado, brasileiros também observam o crescimento da relevância de divulgadores científicos no ambiente on-line: infectologistas, microbiologistas e imunologistas, e tantos outros.
As interações entre os grupos, porém, são raras, fruto da polarização. Forma-se uma “câmara de eco” (ou bolha): os núcleos são fechados entre si e pouco são influenciados por opiniões distintas. Todas essas relações, melhor descritas como um ecossistema, fazem parte do campo de estudo da professora Raquel Recuero, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Referência nos estudos de redes sociais e coordenadora do Laboratório de Pesquisa Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais (Midiars), ela analisou interações sobre vacinação infantil entre novembro de 2021 e janeiro de 2022 no Twitter. Foram mais de 6 milhões de tuítes compilados, com os termos “vacina” e “crianças” ou “infantil”.
O resultado foi o esquema abaixo, onde o roxo representa o grupo desinformativo, o verde e laranja os perfis de divulgação científica e o azul, maior grupo, contas mencionadas por ambos os lados. Veja:
Os pontos representam perfis, enquanto as linhas são as menções ou retuítes, as ligações entre perfis. “Aplicamos algoritmos de grupabilidade para calcular a probabilidade de cada conta se ligar mais a um grupo ou outro. Se ela retuíta ou menciona pessoas que também são mencionadas por outros, tende a ficar mais perto de quem menciona ou retuíta aquelas pessoas. Com isso, montamos a rede”, explica Raquel.
Os pontos de maior tamanho representam perfis mais influentes, com maior alcance e interação. “Depois disso tudo, extraímos os tuítes com maior numero de RTs da rede e analisamos as estratégias e o discurso de cada um deles. Também analisamos o conteúdo geral dos tuítes presentes em cada grupo para definir qual é o discurso predominante”, continua.
Veja como Raquel Recuero descreve cada um dos ajuntamentos e os principais desafios enxergados:
Grupo desinformativo
As contas com maior influência identificadas na análise superaram 400 menções no período observado, e “emprestam a credibilidade para o conteúdo desinformativo”. São políticos ou médicos, por exemplo. Em menor frequência, alguns se denominam jornalistas ou veículos informativos.
Raquel também reconhece perfis que define como “ativistas”, automatizados ou não. Com atividade intensa, replicam e mencionam grande quantidade de informação.
“Não são apenas contas robôs ou um tuíte que é claramente falso. Há toda uma ação que mistura opinião, autoridade e outros elementos para criar um buzz em torno da desinformação. E passa a impressão de que são muitas pessoas, muitos especialistas advertindo, muitos casos de problemas com vacinas, o que gera medo”, explica.
Os conteúdos disseminados são de difícil moderação da plataforma porque misturam fatos reais a tons sensacionalistas. Não se enquadram, portanto, no conceito de fake news. “Muitas [contas] mostram a desinformação como se fosse ‘opinião’, o que é permitido pela legislação. É difícil moderar, são muitos elementos, não é apenas uma afirmação completamente falsa”, explica.
O grupo identificado pela cor azul representa contas que podem pertencer a qualquer um dos dois lados, mas que é citado por ambos, seja para elogios ou para críticas. É o caso das contas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do presidente Jair Bolsonaro.
Combate científico
Por outro lado, perfis de divulgação científica também ganham relevância e se tornam vozes poderosas para o debate público on-line. Entre os mais influentes, Raquel Recuero destaca Atila Iamarino, Pedro Hallal, Alexandre Zavascki e
Mellanie Fontes-Dutra.
“Quanto mais essas pessoas usarem de sua credibilidade e autoridade para falar sobre a importância das vacinas, mais se contribui para desconstruir a ideia de que as vacinas não são confiáveis”, explica Recuero. Atores qualificados no debate público, conseguem disponibilizar informação científica qualificada e com rapidez para o público.
Aliados pouco prováveis, perfis que utilizam humor e ironia também são auxiliam com a maior repercussão, representados em laranja na análise da professora. “Esses tuítes são mais efetivos, em termos de espalhamento, do que outras estratégias, como uma explicação racional e técnica, por exemplo”, destaca a especialista.
“Dos 10 tuítes mais retuitados, nove continham algum esse tipo de conteúdo, fazendo frente aos argumentos antivacina do grupo desinformativo”, pontua. “Neste caso, vimos primeiramente perguntas retóricas, ironia. De um modo geral, poucos tuítes refletem autoridade do locutor.”
“Mesmo os tuítes de autoridades ironizavam o discurso antivacina, sugerindo que o humor parece ser um motor importante de combate ao discurso desinformativo”, observa a professora. “Outro ponto importante é ausência de sensacionalismo relacionado à vacina e ao medo.”
Desafios para combater a desinformação
A professora identificou a dificuldade em “furar a bolha” causada pela polarização política. Quase sempre os grupos interagem entre si; mais raramente, com pessoas de posicionamentos diferente. Infelizmente, para a especialista, ações pontuais, como apagar tuítes ou suspender contas, não são capazes de barrar a desinformação, que hoje existe como sistema. “Para mim, esse vai ser o grande desafio dos governos e plataformas”, define.
“Não há necessariamente alguém ‘vencendo’, porque cada grupo fala para os seus”, explica. “A tendência é que mude ou, pelo menos, radicalize quem já pensava assim, pelo que vimos em outros trabalhos”.
É difícil analisar efeitos a médio ou longo prazo dos discursos desinformativos sobre vacinação infantil, mas para Raquel Recuero as ações pontuais feitas pelo Twitter são pouco efetivas. “É preciso focar em ações sistêmicas e não individuais. E isso exige pensar no todo, mais do que nas partes individuais”, finaliza a especialista.