Como fica o combate às fake news nas redes sociais após as eleições
A resolução do TSE que reduziu para 2h o prazo de exclusão de fake news das redes era para as eleições, mas existem dispositivos de punição
atualizado
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As eleições gerais de 2022 ficaram marcadas pela quantidade de fake news, mentiras, desinformação e discurso de ódio despejados nas redes sociais, mas também foram um marco para o combate dessas práticas que não atingem só o Brasil, mas todo o mundo. O desafio, sem uma lei específica de responsabilização pelos ataques, é lidar com as informações falsas e o alto poder de disseminação delas sem ultrapassar uma linha tênue: a da liberdade de expressão.
As Casas legislativas do Brasil tentam combater esse tipo de conteúdo há anos, mas a regulamentação não tem consenso. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no entanto, se viu inundado de denúncias, ações com pedidos para retirar do ar vídeos, conteúdos em geral com fake news, e precisou agir.
A Corte firmou parceria com plataformas digitais como Facebook, Instagram, Kwai, Telegram, TikTok, Twitter e YouTube para o combate à mentira e a fim de cumprir a legislação no que diz respeito à igualdade de oportunidades entre os candidatos que disputam uma eleição e ao enfrentamento contra a desinformação. Aumentou, ainda, seu poder de polícia para que conteúdos já julgados improcedentes fossem removidos em até 2h. No dia das eleições, em uma hora.
No total, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, determinou a remoção imediata de diversas plataformas digitais de 153 postagens que disseminaram fake news sobre as urnas e o processo eletrônico de votação. As mensagens também são consideradas crimes eleitorais, conforme disposto no artigo 296 do Código Eleitoral, uma vez que promovem desordem.
“Para que não pairem dúvidas, registro que tais afirmações não correspondem a legítimo exercício da liberdade de expressão, mas a comportamento abusivo e incompatível com o regime democrático, vez que não guardam qualquer conexão com a realidade, tendo sido invariavelmente desmentidas em notas ou matérias com esclarecimentos produzidas por agências de checagem de fatos, e hospedadas na página Fato ou Boato, da Justiça Eleitoral”, afirmou Moraes.
Validade
A resolução aprovada pelo TSE, no entanto, foi válida somente para garantir a integridade das eleições. Especialistas ouvidos pelo Metrópoles apontam o entendimento de que a legislação valia até 30 de outubro, quando findou-se o segundo turno. Outros avaliam que vale até o término do período eleitoral, quando acabam todos os julgamentos, e os eleitos são diplomados, no prazo máximo de 19 de dezembro.
No início de novembro, contas foram removidas de plataformas, como a do economista Marcos Cintra (União), candidato a vice-presidente na chapa de Soraya Thronicke (União). Nas redes sociais, a remoção foi associada à resolução do TSE.
No entanto, a conta acabou retirada com base em artigos do Código Penal e em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Embora a mensagem veiculada por ele tivesse informações verídicas, no meio dela, Cintra dizia existir fraudes nas eleições de 2022, sem apresentar provas. “Verifiquei os dados do TSE e não vejo explicação para o JB [Jair Bolsonaro] ter zero votos em centenas de urnas. Ex. Roraima, e em São Paulo, como em Franca, Osasco e Guarulhos”, escreveu.
No entanto, sabidamente, essa é uma fake news. Assim, Alexandre de Moraes, no âmbito do STF, determinou a suspensão.
Veja a decisão:
A medida mostra que, dando continuidade ou não à resolução do TSE, existem aplicações na lei vigente que podem incidir sobre as fake news.
Iniciativa das redes
A partir de parcerias e treinamentos, as próprias plataformas desenvolveram medidas contra as fake news. Há análises por palavras, discursos, ataques, reprodução de conteúdo falso, que podem ensejar remoção de contas por iniciativa da própria plataforma. O Twitter, por exemplo, tem a política de rebater com notícias verdadeiras as informações falsas e até de avisar ao usuário que aquele conteúdo pode não ser verdadeiro.
Em uma última instância, cabe a remoção. O pastor André Valadão e a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), por exemplo, tiveram os perfis removidos das redes sociais na terça-feira (1º/10) devido a uma ação judicial. No Twitter, ao acessar as páginas dos perfis de ambos, a seguinte mensagem é exibida: “Conta retida. A conta foi suspensa no Brasil por causa de uma demanda legal”.
À época, o Twitter respondeu: “Em nosso esforço contínuo para disponibilizar nossos serviços para pessoas em todos os lugares, se recebermos uma solicitação válida e com escopo adequado de uma entidade autorizada, pode ser necessário reter o acesso a determinado conteúdo em um determinado país de tempos em tempos. Tais retenções serão limitadas à jurisdição específica que emitiu a demanda legal válida ou onde o conteúdo violar a(s) lei(s) local(is)”.
Legislações
Apesar da necessidade de uma legislação específica, há caminhos para responsabilização de condutas ilegais na internet. O professor de cursos de graduação e pós-graduação em direito, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Volgane Carvalho, ressalta que qualquer perfil que publique desinformação que assim tenha sido apontada pelo TSE pode ser alvo da ação, mesmo fora da vigência da resolução.
“A resolução foi criada para cobrir o período eleitoral, no entanto, não causaria surpresa se tivesse sua aplicação prolongada por conta das especificidades: a continuidade da desinformação em grande volume, a existência de ações pendentes sobre o tema e a necessidade de estabilidade social”, acredita.
O advogado Gustavo Gonçalves Gomes, sócio da Siqueira Castro, complementa que a validade da resolução ficou condicionada à integridade do processo eleitoral. No entanto, fora desse período, existem outros elementos para rebater fake news ou dar o devido tratamento a quem comete injúria, difamação e atos antidemocráticos.
“Se houver indício de algum comportamento ou atitude que venha a trazer risco à nossa Constituição Federal, o STF pode agir para as providências. Tanto que na resolução do TSE consta “sem prejuízo das providências criminais”. Para determinados fatos ilícitos, há previsão de punição por violações criminais ou cíveis”
Discussão no Parlamento
O combate à desinformação é discutido também no Senado Federal há alguns anos e, atualmente, existem 17 propostas para criminalizar essa prática. A chamada Lei das Fake News, projeto apresentado pelo senador Alessandro Vieira, do PSDB de Sergipe, foi aprovado pelo Senado em junho de 2020, e está em análise pela Câmara dos Deputados.