Como é a vida de moradores afetados por polo petroquímico em São Paulo
População de bairros em Mauá, Santo André e da capital reclamam de poluição e outros problemas. Pesquisa constatou incidência de doenças
atualizado
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São Paulo – Não é de hoje que o polo petroquímico Capuava prejudica a qualidade de vida da população na grande São Paulo. Mesmo assim, contrariando o ditado popular, os moradores da região não se acostumaram com a poluição, mau cheiro, barulho e doenças.
Só em 2022, até a última quinta-feira (6/7), a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) recebeu 23 reclamações. As multas aplicadas pelo órgão estadual neste ano somaram R$ 447.580,00.
O polo petroquímico está localizado no Parque Capuava, em Santo André – onde os moradores são muito atingidos. Mas, os efeitos também afetam aqueles que moram no Jardim Sônia Maria, em Mauá, e no São Rafael, zona sul da capital paulista.
O caso virou objeto da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Poluição Petroquímica, que se reúne às quintas-feiras, às 11h, na Câmara de Vereadores de São Paulo. A CPI foi instaurada em 5/5 para investigar denúncias sobre envolvendo o polo de Capuava.
Mauá
A primeira refinaria de petróleo começou a funcionar na região na década de 1950. Mesma época em que a mãe de Vani Maria Barbosa, 54 anos, se mudou para o Jardim Sônia Maria, em Mauá. O imóvel da família agora tem uma varanda com vista para o polo.
A professora aposentada mora na mesma casa desde que nasceu e não se conforma com o pó preto constante, o cheiro de enxofre, o barulho de turbina de avião e com o “fogaréu no céu” ao anoitecer.
“Dizem: ‘Vai embora daí!’. Eu nasci aqui, é a minha casa. Eu vou embora por causa do polo?”, questiona. “Ninguém quer que a indústria feche as portas, mas existem tecnologias para amenizar isso, para reduzir essa poluição. Porque é questão de saúde.”
São Paulo
Já as amigas Daniela Carvalho, 34 anos, e Andressa Cristina Rocha, 28 anos, moram no bairro São Rafael, em São Paulo, há 20 anos. Em frente às casas delas, ficam as empresas petroquímicas que tornam impossível deixar as janelas abertas.
“Têm dias que a gente não sente, mas têm dias que o cheiro é muito forte, é um cheiro ácido. Quando eles soltam a ‘fumacinha’ chega direto aqui para nós. É uma fumaça bem escura, com um cheiro bem forte. A gente que está aqui sabe, é terrível”, disse a fisioterapeuta Daniela Carvalho.
Daniela reclama ainda de ondas de calor vindas do polo e de funcionários falando muito alto de madrugada. Outro problema são os barulhos de estouros: “É muito barulho de madrugada. Explosões fortes, não sei o que eles fazem, sempre de madrugada”.
Santo André
A cabeleireira Joziane dos Santos Nunes, 28 anos, mora desde 2012 no Parque Capuava, em Santo André. Mas assim como as moradoras do Parque São Rafael, em São Paulo, não consegue deixar as janelas de casa abertas.
A poluição e os ruídos se agravam com o entardecer. “Sempre temos crises respiratórias por conta do cheiro de gás liberado. O barulho também incômoda na hora de assistir televisão e durante o sono”, contou Nunes.
Doenças
O marido de Joziane sempre morou na região e está acostumado a conviver com a sinusite. Ela disse que sempre teve rinite, mas depois que passou a morar perto do polo petroquímico os episódios se tornaram mais frequentes e graves.
Os relatos de doenças respiratórias e na tiroide são muito comuns no entorno do polo petroquímico Capuava.
Andressa, que mora no São Rafael, tinha acabado de voltar do pronto-socorro devido a uma crise alérgica. A mãe dela tem problema na tireoide; o irmão e a sobrinha têm bronquite. A vizinha Daniela disse que seu filho tem rinite e o irmão tem bronquite.
“Se você perguntar para todo mundo aqui, todo mundo tem alguém na família com problema de tiroide ou respiratório”, afirmou Vani. A filha dela faz tratamento para a tiroide e a cunhada convive com a rinite.
A própria professora aposentada está fazendo exames para investigar um possível comprometimento na tiroide. Ela tem tido desmaios, indisposição e vômitos.
Nem mesmo os pets escapam. Mel, a cadela de estimação da professora aposentada, está com coceira e alergia na pele, e os veterinários ainda não identificaram a causa.
Comprovação científica
Professora de endocrinologia da Faculdade de Medicina do ABC e doutora em endocrinologia pela Universidade de São Paulo (USP), Maria Angela Zaccarelli Marino estuda há 32 anos os efeitos do polo petroquímico na saúde dos moradores do entorno.
Maria Angela coordenou seis pesquisas e participou de outros quatro estudos científicos que comprovaram a relação entre a poluição e a ocorrência da tireoidite de hashimoto na população local.
“Realmente, as pessoas estavam doentes e não sabiam. Inclusive crianças, e essa doença não era descrita em crianças, inclusive do sexo masculino”, disse a pesquisadora.
Doenças na tireoide
Um estudo epidemiológico mostrou que a região do polo petroquímico Capuava tem cinco vezes mais casos de tireoidite de hashimoto que outras localidades.
“Conforme os anos foram passando, houve um aumento do número de casos e esse aumento do número de casos coincidia com o crescimento na quantidade de empresas”, relatou Marino.
O comprometimento da tireoidite pode causar queda de cabelo, unhas fracas, indisposição e cansaço. Em quadros mais graves, esses sintomas evoluem para perda de memória, inchaço, pele amarelada, queda de cabelo acentuada, unhas quebradiças e batimentos cardíacos lentos.
“A pessoa fica toda lenta, ela não pensa, ela perde a memória. Na realidade, ela pode ter problemas no corpo inteiro na forma grave”, explicou a médica.
Doenças em animais
Em uma das pesquisas coordenadas por Maria Angela, ratos de laboratório foram deixados na casa de pacientes em Mauá e Santo André. Após três meses no local, foi constado que os animais tinham a tiroide e outros órgãos prejudicados.
A poluição causou nos ratos conjuntivite, rinite, sinusite, faringite, doenças de pele, bronquite, asma, tiroidite e laringite.
Fiscalização
A Cetesb afirmou ao Metrópoles que as multas aplicadas têm resultado em “ações corretivas das empresas, de forma a minimizar os incômodos eventualmente causados à comunidade”.
A reportagem questionou ainda as prefeituras de São Paulo, Santo André e Mauá, no entanto nenhuma das gestões municipais respondeu até o momento.
Empresas
O Comitê de Fomento Industrial do Polo do Grande ABC (Cofip ABC) tem 16 empresas petroquímicas associadas. O Cofip ABC afirmou ao Metrópoles que cada uma delas tem o seu próprio plano de atuação e mencionou algumas iniciativas.
“Instalação de mais de sensores de gases que detectam a presença de emissões e estão interligados ao sistema de emergência com ações já programadas e automáticas, redução de emissões de frota – os veículos são equipados com motores modernos, de tecnologia de baixa emissão de poluentes e melhor eficiência energética com redução de emissões de CO2”, citou o comitê em nota.
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