Comissão da OEA debate denúncias contra SP por alta violência policial
Entidades de defesa dos direitos humanos acusam o estado por omissão no combate à tortura. Também foi exposta a alta letalidade policial
atualizado
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Entidades de defesa dos direitos humanos denunciaram nesta quinta-feira (1º/3) o estado de São Paulo pelos altos índices de letalidade policial e por omissão no combate à tortura em audiência pública da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), na cidade de Bogotá.
As denúncias foram enviadas no final do ano passado e discutidas nesta quinta-feira (1º) por representantes do Ministério dos Direitos Humanos, o embaixador do Brasil em Bogotá Julio Glinternick Bitelli e integrantes das entidades, entre elas da organização não governamental Conectas.
Diante das denúncias, a presidente da CIDH, Margareth Macaulay, pediu ao Estado brasileiro que informe quantos policiais foram denunciados por crimes violentos contra civis; quantos foram condenados; e quantos cumpriram a pena até o final. Já a comissionada Antônia Urrejola, relatora para o Brasil, disse que virá ao país para inspecionar a situação in loco.Denúncias
Em relação ao combate à tortura, a Conectas ressaltou que, há cinco anos, o estado de São Paulo, que concentra um terça da população carcerária nacional, descumpre lei que prevê a implementação do mecanismo de prevenção e combate à tortura, órgão que deveria ser formado por peritos independentes para inspecionar instalações prisionais e elaborar recomendações ao Poder Público.
Desde 2014, um projeto de lei estadual que trata da questão está parado na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Na denúncia enviada à CIDH, as organizações afirmam que “a tortura ainda é utilizada como método de investigação policial, estando incorporada à cultura das forças policiais”.
De acordo com a Conectas, dos 27 estados, dez têm leis estaduais de combate à tortura e apenas dois deles, Rio de Janeiro e Pernambuco, estão com mecanismos funcionando. “Se o governo do estado tivesse um forte compromisso com a pauta, ele já teria incidido para que ela tivesse sido aprovada na Assembleia Legislativa do estado de São Paulo por meio da Secretaria da Casa Civil”, disse João Paulo Godoy, representante da organização que participou da audiência.
Conforme as denúncias, um em cada cinco homicídios no estado de São Paulo são provocados por policiais militares, com base nos dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
“O estado comete duas violações em relação a esses crimes. A primeira é quando um agente do Estado executa alguém, mata alguma pessoa. E a segunda violação é quando se tenta que sejam feitas as apurações em relação a esse crime e se vê que tudo é feito de maneira protocolar, de maneira meramente formal, não temos uma devida apuração, não temos a busca pela verdade”, disse João Paulo Godoy.
Fundadora do Movimento Mães de Maio, Débora Silva – que teve o filho assassinado no massacre de 2006, que ficou conhecido como Crimes de Maio – também esteve na audiência e cobrou a reabertura das investigações no âmbito federal. “Meu filho era um gari, que estava trabalhando de atestado médico no dia em que ele foi executado com quinze pontos na boca. O Estado brasileiro tem o dever de dar uma resposta às mães das vítimas dos Crimes de Maio”, disse.
Conforme dos documentos enviados à OEA, entre os dias 12 e 21 de maio de 2006, mais de 500 pessoas foram executadas no estado de São Paulo, sendo que, oficialmente, ao menos 124 delas foram mortas pela polícia. Os casos foram registrados como resistência seguida de morte. Segundo a denúncia, houve uma “operação de extermínio” contra moradores de bairros da periferia, alteração das cenas dos crimes e ocultação de provas. Nesse mesmo período, 59 agentes públicos foram mortos e 13 sofreram ferimentos.
De acordo com a Conectas, “a tese de ter ocorrido uma ação coordenada e clandestina da polícia por motivos de vingança e demonstração de força é corroborada por uma série de depoimentos de sobreviventes e de testemunhas, inclusive de um policial que se entregou espontaneamente. Há também indícios de omissão das autoridades na tentativa de apagar os rastros dos culpados e incriminar as vítimas”.
Governo
Procurado sobre as denúncias encaminhadas à CIDH, o governo do estado de São Paulo informou, em nota, que “não foi notificado, intimado, sequer informado a respeito da denúncia tratada, o que nos impede de fazer qualquer consideração a respeito”. Conforme a Procuradoria-Geral do estado, o assunto também estaria sendo tratado pela Advocacia-Geral da União (AGU), por se tratar de assunto da República Federativa.
O Ministério dos Direitos Humanos informou que só irá comentar a audiência após o retorno da delegação representante.
De acordo com os ministérios dos Direitos Humanos e das Relações Exteriores, a delegação brasileira era formada pelo embaixador Julio Glinternick Bitelli; por Hebert Borges Paes de Barros, Secretário Nacional de Cidadania Adjunto; por Fernando Sena, Chefe da Divisão de Direitos Humanos; por Daniel Leão Sousa, Assistente da Divisão de Direitos Humanos; e por Luciana Peres, Coordenadora-Geral de Acompanhamento dos Sistemas de Proteção Internacional de Direitos Humanos, da Secretaria Nacional de Cidadania do Ministério dos Direitos Humanos.