Qual será o futuro do Fundo Amazônia após a sinalização de apoio dos EUA
Em visita ao Brasil, John Kerry, enviado especial dos EUA para Assuntos do Clima, reafirmou a participação do país no Fundo Amazônia
atualizado
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O enviado especial da Presidência dos Estados Unidos para Assuntos do Clima, John Kerry, reafirmou, em visita ao Brasil esta semana, o compromisso dos EUA na cooperação financeira do Fundo Amazônia. Com a participação norte-americana, especialistas declaram que outros países podem aderir ao mecanismo. Kerry sinalizou, em entrevista, que existem discussões relacionadas com o tema ambiental em curso no Senado (US$ 4,5 bilhões) e na Câmara dos Deputados (US$ 9 bilhões). Ele pontuou, no entanto, que a liberação desses valores depende da aprovação legislativa e cabe ao governo de Joe Biden vencer resistências.
De toda maneira, a relação mais estreita entre os governos dos EUA e do Brasil sobre o tema gera reações positivas, independentemente de montantes. A expectativa de ambientalistas é que o apoio americano gere aproximação de governos de outros países com a proposta de preservação da maior floresta tropical do planeta. A esperança é que ocorra uma onda favorável de investimentos internacionais para o fundo.
Marina Silva e John Kerry dizem que recursos dos EUA para o Fundo Amazônia dependem de aprovação do Congresso americano.
Valor que seria destinado ao Brasil não foi revelado. Kerry citou apenas os valores totais para projetos ambientais que tramitam no legislativo de seu país. pic.twitter.com/zmZb4K4zhW
— Metrópoles (@Metropoles) February 28, 2023
Criado em 2008, o Fundo Amazônia recebe, atualmente, doações da Alemanha e da Noruega. Com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Reino Unido, França e União Europeia estudam contribuir para o desenvolvimento do mecanismo gerenciado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Em 2009, a primeira doação ao Fundo Amazônia foi de US$ 110 milhões, do governo da Noruega, e com a promessa de destinar US$ 1 bilhão até 2015. Durante 2018, o mecanismo atingiu o valor de R$ 3,4 bilhões, mas o maior montante disponível chegou em 2023, com R$ 5,4 bilhões.
Destinado ao financiamento de projetos para desenvolvimento da economia sustentável, adaptação e mitigação climática, o Fundo Amazônia ficou paralisado durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sob alegações de supostas irregularidades dos beneficiados pelo mecanismo.
O assessor especial do governo Joe Biden chegou a Brasília na madrugada do último domingo (26/2) e, durante a sua estadia, participou de reuniões com o primeiro escalão da gestão Lula. Entre os principais nomes presentes nos encontros com John Kerry, estão o da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), o do vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), e o do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.
A assessora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Luiza Lima, vê como esperançosa a contribuição do governo dos EUA ao Fundo Amazônia. “É, sem dúvida, positiva a sinalização de participação dos Estados Unidos no Fundo Amazônia. Os Estados Unidos são um grande país, um grande emissor [de gases de efeito estufa]”, declara.
O secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, ressalta que a ajuda dos Estados Unidos pode ser medida de duas maneiras. “Primeiro no valor, que também nós não sabemos o quanto é. Falam em muitos números aí, mas o governo americano já deixa muito claro que precisa da autorização do Congresso para definir valores. Mas todo valor é bem-vindo e é bem-vindo também o apoio político que isso representa”, frisa.
“Então o valor é muito importante, mas a simbologia de você ter os Estados Unidos dentro do Fundo Amazônia é um reconhecimento de que o fundo funciona, de que ele é operativo, de que ele contribui para diminuição do desmatamento e certamente pode incentivar muitos outros países a também colaborarem”, acrescenta Astrini.
Aumento do desmatamento
O presidente Lula iniciou o governo com a promessa de zerar o desmatamento na Amazônia. Entretanto, em fevereiro, o bioma atingiu marca recorde para o mês em toda a série histórica, iniciada em 2015.
Com o desmatamento em 209 km², o secretário executivo do Observatório do Clima reforça o desafio da atual gestão, mas destaca a importância do Fundo Amazônia para conter o avanço da destruição das florestas.
“O que a gente pode chegar a conclusão é que nós temos ainda um sistema de crime operando na Amazônia. O novo governo está apresentando iniciativas para reverter esse quadro, mas vai demorar um tempo. O Fundo da Amazônia é mais importante do que nunca e precisa de mais contribuições do que nunca”, salienta Marcio Astrini.
Repasses para o Brasil são debatidos nos EUA desde 2020
A perspectiva de repasses financeiros norte-americanos para ajudar o Brasil a proteger a Amazônia faz parte do debate político nos dois países desde meados de 2020, quando o atual presidente dos EUA, Joe Biden, ainda disputava a eleição contra Donald Trump.
Em debate no mês de setembro daquele ano, Biden fez promessa em tom de ameaça ao dizer que, se o Brasil não parasse de deixar a floresta queimar, o país iria enfrentar “consequências econômicas significativas” em seu eventual governo.
“Eu iria agora mesmo organizar, no hemisfério e no mundo, para comprometer US$ 20 bilhões para a Amazônia, para que o Brasil não queime mais a Amazônia”, disse Biden, na ocasião. O discurso revoltou o então presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL).
Já no dia seguinte ao debate, Bolsonaro comentou sobre a promessa do então candidato norte-americano: “Dos números que ele [Biden] falava no debate não batia coisa com coisa, falava uns absurdos”. O então mandatário brasileiro considerou “lamentável” a ameaça de sanções.
“A gente lamenta aqui aquele debate lá nos Estados Unidos, do Trump e do Joe Biden, que num dado momento o Joe Biden falou que ia conseguir, junto ao mundo, US$ 20 bilhões pra dar pra gente pra acabar com o incêndio na Amazônia, ou então ele ia impor sanções econômicas para nós”, disse Bolsonaro.
Já o então ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles, ironizou a promessa perguntando se “a ajuda dos US$ 20 bilhões do Biden é por ano”.
Para a assessora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, o ex-presidente Bolsonaro dificultou a entrada dos Estados Unidos no Fundo Amazônia. “Biden, na sua campanha presidencial em 2020, tentou buscar um acordo com o Brasil para ajudar a financiar a conservação, mas desistiu da ideia devido à política antiambiental do governo Bolsonaro”, reitera Luiza Lima.
Decepção em viagem de Lula aos EUA
Depois da grandiosidade da promessa feita durante a campanha, o primeiro anúncio oficial de doação dos EUA para a questão amazônica, já sob o comando do presidente Lula, foi encarado com decepção pelo governo brasileiro.
No início de fevereiro, na primeira viagem do petista aos EUA após sua terceira posse como presidente, o governo norte-americano só se comprometeu a aportar US$ 50 milhões no Fundo Amazônia, por meio do qual Alemanha e Noruega, com uma pequena contribuição da Petrobras, ajudam na proteção da floresta.
Posteriormente, o governo brasileiro estimava aporte de, pelo menos, US$ 1 bilhão. No Brasil, Kerry sinalizou que existem recursos para projetos ambientais em valores até superiores em tramitação no Congresso, mas que depende do parlamento para liberação.
Como funciona o Fundo Amazônia?
Com o objetivo de combater o desmatamento e fomentar o desenvolvimento sustentável, o Fundo Amazônia financia, por meio do BNDES, projetos que contribuam para prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento das florestas na Amazônia Legal.
O Fundo Amazônia funciona como um mecanismo para a captação de recursos – as verbas são destinas a projetos que estejam de acordo com políticas aprovadas pelo governo federal. Uma dessas políticas é o Plano para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM), retomado pela gestão Lula.
As doações do Fundo Amazônia podem ser destinadas a projetos de organizações não governamentais (ONGs), entidades públicas, associações civis, empresas privadas e cooperativas. Entretanto, os projetos elegíveis pelo mecanismo devem contribuir direta ou indiretamente para a redução do desmatamento na Amazônia.
Além disso, os projetos apresentados deverão seguir as diretrizes do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), que irá analisar a indicação dos recursos. O conselho é formado pelo governo federal, por governos estaduais e pela sociedade civil.
Áreas atendidas pelo Fundo Amazônia:
- gestão de florestas públicas e áreas protegidas;
- controle, monitoramento e fiscalização ambiental;
- manejo florestal sustentável;
- atividades econômicas desenvolvidas a partir do uso sustentável da vegetação;
- zoneamento ecológico e econômico, ordenamento territorial e regularização fundiária;
- conservação e uso sustentável da biodiversidade; e
- recuperação de áreas desmatadas.