Com pastor e policial, pirâmide financeira acaba em ameaças de morte
Um dos envolvidos teve que fugir da cidade quando começou a denunciar o esquema. Delegado que investiga o caso descobriu plano para matá-lo
atualizado
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Caiapônia (GO) – Nos últimos dois anos, o município de Caiapônia, no interior goiano, guardou um segredo: o principal líder da Assembleia de Deus Madureira na cidade (foto em destaque), pastor Gersil Caetano Rosa, é suspeito de chefiar um grupo que enganou centenas de pessoas em um esquema de pirâmide financeira invertida. Existem relatos de ameaças de morte a uma das vítimas e ao delegado do caso, bem como o de desaparecimento de depoimentos da delegacia.
O pastor foi denunciado pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) em maio deste ano, acusado de causar prejuízo a empresários, produtores rurais, fiéis da própria igreja e até ao atual presidente da Câmara Municipal de Caiapônia. A defesa nega e diz que os investigados também são vítimas.
Foram denunciados, além de Gersil Caetano, o filho dele, Fábio Gomes Caetano; Patrícia Castro Bessa e Adolfo de Freitas Filho, policial civil na cidade. Eles ainda teriam atuado para evitar que vítimas procurassem a Polícia Civil.
Conforme apurado pelo Metrópoles, o grupo se mobilizou no primeiro semestre de 2016 em reuniões, inclusive na igreja, para atrair investidores para a compra de barris de petróleo da empresa Fuel Age. O empreendimento era de fachada (confira aqui reclamações).
Além dos investimentos, que podiam ultrapassar R$ 20 mil, cada vítima teria pago uma taxa de R$ 120 para se cadastrar no “negócio”. Segundo a investigação da Polícia Civil, o grupo também enganou pessoas nos municípios de Jataí, Iporá, Doverlândia (todos em Goiás) e Barra do Garças (Mato Grosso). O prejuízo pode ultrapassar R$ 500 mil.
Ameaças e intimidação
Na denúncia enviada ao Fórum de Caiapônia, a promotora Teresinha de Jesus Paula Sousa afirma que, por ter sido o principal líder da igreja evangélica da cidade, o pastor Gersil “conseguiu atrair diversas pessoas para investirem na pseudo empresa Fuel Age, inclusive, cooptou o rebanho do Templo, que, por medo de represálias, preferiu manter silêncio”.
Presbítero na igreja e mecânico, Amarildo Antônio da Silva, 57 anos, foi um dos primeiros a denunciar o esquema ao Ministério Público. Em audiência de conciliação com a promotora, o pastor compareceu com dois advogados. “Se ele estava certo, por que levou advogado? A gente não entende até hoje”, ressalta Amarildo.
O presbítero ainda acusa um dos líderes da banda da igreja e escrivão da delegacia da cidade, Adolfo de Freitas, investigado como cooptador de investidores da empresa de fachada, de ter ido na audiência armado. “Ele queria intimidar”, acredita.
Nos dias que se seguiram, Adolfo, conduzindo a viatura da Polícia Civil, teria passado diversas vezes em frente à oficina de Amarildo. Além de passar devagar pela rua, o policial o encarava. “Ele fez isso para evitar que eu continuasse denunciando o esquema e orientando outras vítimas”, diz.
Um mês depois, Amarildo havia acabado de abastecer o carro quando o veículo foi atingido por um Voyage preto. Era noite. O carro parou e o vidro do lado do passageiro foi baixado: um homem apontou uma pistola para o mecânico e mandou estacionar.
Ele me mandou encostar o carro e dois homens desceram. Eles estavam com armas grandes e falaram que o patrão deles tinha mandado eu sair da cidade. Acabei fugindo com a família
Amarildo Antônio da Silva, presbítero e mecânico que denunciou o esquema e teve que deixar Caiapônia
Sobrou até para o delegado
Com medo do policial, que no curso das investigações foi afastado da delegacia da cidade, várias vítimas deixaram de prestar depoimentos, segundo o delegado Marlon Souza Luz. Responsável pela investigação da fraude, Luz encaminhou o inquérito ao Ministério Público às pressas durante suas férias, no mês de abril.
“O extravio dos autos era uma possibilidade concreta diante das pressões políticas e de outras naturezas que vínhamos e ainda estamos sofrendo. Ainda tivemos de refazer os depoimentos de duas vítimas após os primeiros registros desaparecerem”, lembra o delegado, agora titular do Grupo Especial de Repressão a Narcóticos (Genarc) e do Grupo Especial de Repressão a Crimes Patrimoniais (Gepatri) de Jataí, município a 100 km de Caiapônia.
Quando voltou das férias, Marlon foi avisado de que mudaria de cidade, mas o caso já estava sendo analisado pela promotora. Procurada, a Polícia Civil diz que a “mudança de lotação do delegado Marlon se deu por interesse do serviço de Polícia Judiciária” e nega que tenha sido por articulação política dos envolvidos no esquema ou da Assembleia de Deus Madureira em Goiás.
No mesmo período que uma das vítimas era obrigada a sair da cidade ameaçada após as denúncias, o delegado Marlon Souza Luz descobriu um plano para matá-lo. Ele foi procurado por um morador que soube que um familiar, criminoso conhecido nas redondezas, comentou ter recebido R$ 80 mil para executá-lo.
Ao saber que se tratava de um delegado de polícia, o criminoso, que contaria com a ajuda de um comparsa para executar o alvo, desistiu do “negócio”. A dupla ainda teria gasto a quantia paga pelo suposto mandante do crime.
A polícia já sabe quem são os homens contratados para assassinar o delegado. Um está preso por homicídio no presídio de Anicuns, o outro foi detido recentemente e está na Cadeia Pública de Caiapônia. Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás (SSP-GO) não quis comentar as ameaças, mas confirma que o caso é investigado.
Barris de petróleo, o negócio de fachada
No grupo que montou a pirâmide financeira, cabia ao policial Adolfo e a Patrícia buscarem novos investidores para a Fuel Age. Os dois foram treinados e, conforme depoimentos à Polícia Civil, as negociações eram feitas na sede da igreja. O pagamento, sempre em dinheiro vivo, ocorria na casa de Fábio, filho do pastor – a residência funcionava como uma espécie de banco.
Depois do cadastro, as vítimas recebiam o que seria uma senha para acompanhar o lucro das transações. Além das reuniões nas instalações da igreja, Adolfo e Patrícia também iam à casa ou ao trabalho dos participantes, para que aplicassem valores na Fuel Age.
Segundo a maioria das vítimas, ao chegarem à casa de Fábio eram recepcionadas por ele ou pelo pastor Gersil, sendo encorajadas a investir altas quantias sob a garantia de que as aplicações eram seguras e lucrativas. Meses depois, no entanto, os participantes não tiveram respostas dos investimentos. Pelo menos 35 pessoas eram atendidas por dia, pagando uma taxa de R$ 120 cada.
Quando tentaram acessar o site e monitorar os investimentos dias depois de entrarem para o “negócio”, as vítimas perceberam que caíram em um golpe. “Mas não era o pastor que falava que a gente iria receber?”, ironiza o filho de uma das vítimas, enquanto bebe cerveja em um bar de Caiapônia. “Minha mãe nunca mais foi à igreja e passou a tomar remédios para dormir. Não por causa do dinheiro, mas por que era Deus no céu e esse pastor na terra”, diz, cabisbaixo.
Sem saída diante da mobilização das vítimas, o grupo passou a dizer que a empresa Fuel Age havia falido e que ninguém conseguiria resgatar os investimentos. Na igreja, pastores reagiram e pediram explicações ao pastor Gersil, que conseguiu transferência para outra unidade. Com o escândalo, muitos fiéis saíram da igreja, conforme um outro pastor revelou à reportagem no término de um culto.
Entre as vítimas, o atual presidente da Câmara Municipal de Caiapônia, Jamilton Morais, espera que, no mínimo, o dinheiro seja devolvido. “Eu investi pouco dinheiro, mas tem gente que levou um grande prejuízo”, diz.
Outro lado
“Não vamos dizer ainda como, mas vamos provar que todos são inocentes e que meus clientes foram igualmente enganados”, afirmou ao Metrópoles o advogado dos quatro acusados, Watson Nunes de Oliveira. Segundo ele, as pessoas que procuraram a delegacia não podem provar que pagaram qualquer quantia aos suspeitos.
A respeito dos relatos de ameaças feitas por seus clientes, coincidentemente no mesmo período em que ocorreram as denúncias que deram andamento ao inquérito policial, o advogado diz que “nem as vítimas afirmam isso”. “A defesa quer saber também como as informações vazaram. A própria juíza do caso colocou em segredo de Justiça. O vazamento causa constrangimento aos meus clientes e dificulta a defesa”, reclama Watson Nunes.
A reportagem procurou todos os envolvidos. O policial civil Adolfo de Freitas não foi encontrado. A corporação, por meio de nota, disse que a Gerência de Correições e Disciplina apura “suposto envolvimento de servidores no procedimento em questão”.
Gersil Caetano, por telefone, se defende. “Meu testemunho responde às acusações”, disse, sem explicar como se envolveu com o negócio. “Procure o meu advogado.” O filho dele, Fábio Gomes Caetano, não foi encontrado.
Patrícia Castro Bessa disse estar impedida de comentar o assunto: “O processo corre em segredo e sou proibida de dar qualquer informação”.
Procurado pelo Metrópoles, o presidente da Convenção das Assembleias de Deus em Goiás, Oídes José do Carmo, defende o pastor Gersil. “Ele está sendo vítima de um inquérito fabricado. Pelo conjunto de provas e pelo que conhecemos dele, acreditamos que vá provar a sua inocência. E ainda provar na Justiça que é vítima como os demais”, afirmou.
Quando soube da declaração do pastor Oídes, que admira, o mecânico e presbítero Amarildo Antônio da Silva, que deixou a cidade após ter a vida ameaçada, pergunta: “E esse dinheiro que o pastor [Gersil] passou a mão foi fabricado também?”. E completa: “Continuo sendo ameaçado, seguido por carros desconhecidos. Mas não tenho medo de morrer”.