Com mais da metade dos indígenas fora da vacinação contra a Covid-19, entidades irão ao STF
Governo prevê imunizar 410 mil indígenas, mas entidades apontam que há mais de 1 milhão deles no Brasil, e denunciam discriminação
atualizado
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A emoção de ver os primeiros indígenas sendo vacinados contra a Covid-19 no Brasil convive com mais um capítulo do longo embate entre os representantes dos povos originários e o governo federal em torno da gestão da pandemia de coronavírus entre as etnias.
O Ministério da Saúde resolveu imunizar apenas os indígenas “aldeados”, definição que exclui não só os indivíduos que vivem em centros urbanos mas também aqueles que vivem em reservas que não foram demarcadas e estão em em disputa territorial que o governo Bolsonaro paralisou.
Representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em ação no STF sobre o socorro a essas populações, que são mais vulneráveis a vírus respiratórios, o advogado Luiz Henrique Eloy, membro da etnia Terena de Mato Grosso do Sul, disse ao Metrópoles que deve fazer uma petição à Corte ainda nesta semana solicitando o fim da discriminação. “Mesmo a estimativa oficial é desatualizada. Temos mais de um milhão de indígenas no Brasil”, afirma ele.
Movimentos sociais indígenas têm protestado desde que o plano de vacinação foi anunciado. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) argumentou em nota que “considerando que o reconhecimento da identidade indígena deve ser pautado pelo critério de autoidentificação, sem discriminação (Convenção 169, da OIT), é dever do Estado efetivar políticas de atenção da saúde em caráter prioritário aos povos indígenas em todos os contextos, sem distinção”.
A entidade enviou, na terça (19/1), cartas aos governadores dos nove estados da Amazônia Legal para pedir a vacinação de todos os indígenas.
O Cimi (Conselho Indigenista Missionário), ligado à Igreja Católica, lembrou, também em nota, que na população de Manaus há grande número de indígenas e que a cidade concentra um alto índice de mortes por Covid-19. O Amazonas responde por um quarto dos óbitos causados pela doença entre indígenas.
“Nessa situação grave de pandemia sanitária, excluir grupos indígenas do acesso à política de saúde pública é um contrassenso político e humanitário. É importante salientar que vários grupos indígenas que estão nos centros urbanos têm como um dos motivos para estarem nesses locais a expulsão dos seus territórios por invasores, portanto, um ato de violência, que não justifica sua exclusão. O fato de o indígena estar fora da aldeia não faz com que ele deixe de ser indígena”, defende a nota do Cimi.
Nas redes sociais, indígena de todo o país estão mobilizados pela inclusão do grupo que ficou de fora e usam a hashtag Vidas Indígenas Importam para pressionar o governo. Veja uma postagem:
A quantidade de 410 mil vacinas destinadas para os povos Indígenas do País significa que nos Indigenas que vivemos na cidade continuaremos excluidos como na pandemia inteira. Governo genocida#VacinaParaTodos
##VidasIndígenasImportam— Vanda Ortega Witoto (@VandaWitoto) January 11, 2021
O Metrópoles acompanhou uma operação do Estado brasileiro para uma das primeiras vacinações em terras indígenas, em Tabatinga, no Amazonas. Veja imagens da imunização contra a Covid-19 na aldeia Umariaçu, região do Alto Rio Solimões:
Quilombolas excluídos também
O Ministério Público Federal (MPF) enviou na terça-feira (19/1) ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, um ofício com pedido de explicações sobre a base de dados utilizada para estimar o número de vacinas necessárias à imunização dos indígenas e questionou também por que razão os povos quilombolas não foram incluídos no grupo prioritário. O órgão pediu uma resposta em três dias.
Em São Paulo, reagindo às críticas, o governador João Doria (PSDB) anunciou que a vacinação no estado incluirá quilombolas a partir de sexta-feira (22/1). O Ministério da Saúde ainda não se manifestou.
Quem é indígena?
Para as entidades que representam os povos indígenas, o termo “indígenas aldeados”, usado pelo Ministério da Saúde e pelo ministro Pazuello, remete ao período da ditadura militar, e representa uma discriminação, pela qual o governo pretende definir, de forma arbitrária, quem é e quem não é índio.
Essa disputa se intensificou com a pandemia, pois o governo só contabiliza casos e mortes entre indígenas que vivem nas aldeias de terras homologadas. Para a Apib, é uma forma de minimizar o impacto da pandemia entre os povos originários. A entidade faz uma contabilidade própria e registra 927 mortes por Covid-19 entre membros de 161 etnias (mais da metade das etnias do Brasil) até agora, enquanto a Secretaria de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde, calcula 530 óbitos.
Outro lado
Procurada pelo Metrópoles, a Sesai informou que “o total de 431.983 [pessoas a serem vacinadas em terras indígenas] diz respeito ao total da população indígena com mais de 18 anos (cerca de 410 mil) que vive em terras indígenas e são assistidos pelo Subsistema de Saúde Indígena, somados aos trabalhadores das equipes multidisciplinares de saúde indígena (20 mil), que realizam ações de atenção primária nas mais de 6 mil aldeias do país, previstos na 1ª fase de vacinação”.
A assessoria de comunicação argumentou que o órgão “é responsável exclusivamente pela população indígena que vive em terras aldeadas. Os indígenas que vivem em centros urbanos serão imunizados pelos serviços municipais ou estaduais de saúde, de acordo com o cronograma de cada localidade”.
Sem falar em prazos, a assessoria do ministério garantiu que “toda a população indígena, assim como a população brasileira, será vacinada durante a campanha de vacinação contra a Covid-19, de acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da campanha de vacinação”.