Com 5 a 2 para derrubar Marco Temporal, STF diverge sobre indenizações
Sessão será retomada nesta quinta (21/9). STF formará tese geral do Marco Temporal e discute indenização a ocupante de terra indígena
atualizado
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Com o placar de 5 x 2 contra o Marco Temporal indígena, o Supremo Tribunal Federal (STF) continua a analisar, nesta quinta-feira (21/9), junto ao Recurso Extraordinário a formulação de uma tese que contemple um caminho de meio-termo para a resolução do problema histórico. As indenizações, compensações por terra nua ou por benfeitorias, no entanto, ainda têm caminhos diversos de acordo com os votos apresentados em plenário até o momento.
Os dois pontos centrais giraram em torno dos votos dos ministros Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin. Moraes defendeu que o pagamento das compensações deve ser feito como condicionante para o processo de demarcação. Já Zanin sugeriu que a indenização ocorra fora do processo demarcatório.
Nesta quarta-feira (20/9), o ministro Dias Toffoli expôs posicionamento contra o Marco Temporal, que é a tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. No quesito “indenização”, Toffoli seguiu pensamento similar ao de Zanin.
Toffoli ainda votou para que os cálculos de possíveis indenizações — a serem pagas a quem adquiriu as terras de boa-fé — ocorram em paralelo aos procedimentos demarcatórios, de modo que, ao tempo da desocupação, já se tenha a fixação do valor da terra nua.
Para o ministro, as indenizações a serem pagas a quem adquiriu as terras de boa-fé devem andar em paralelo aos procedimentos demarcatórios. E cada caso deve ser analisado não sendo a indenização a regra: “sempre devendo-se buscar o meio menos gravoso aos cofres públicos para a satisfação da reparação”.
Entendimentos de Zanin e Moraes
A defesa de Cristiano Zanin, ministro mais recente indicado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi da possibilidade de indenização aos proprietários que adquiriram as terras de boa-fé. Para ele, a indenização não deve ser somente pelas benfeitorias, como ocorre hoje.
“Assiste ao particular não indígena direito à indenização pelas benfeitorias decorrentes da ocupação de boa-fé e pelo valor da terra nua, consoante o regime de responsabilidade civil do Estado por eventual dano causado pelos entes federados e pela União, em decorrência da titulação de terras tradicionalmente ocupadas, após procedimento administrativo ou judicial, admitida a autocomposição”, diz um dos trechos da tese proposta por Zanin.
O ministro alega ainda que a aferição “da indenização ao particular não indígena se dará por meio de procedimento judicial ou extrajudicial, no qual serão verificadas a boa-fé do particular e a responsabilidade civil do ente público, não sendo possível a aferição da indenização no mesmo procedimento de demarcação”.
Alexandre de Moraes reconheceu em seu voto os atos jurídicos de posse dos ruralistas nas terras por boa-fé comprovada. Propõe ainda que União pague a indenização sobre o valor total dos imóveis, não somente sobre as benfeitorias.
“Inexistindo a presença do Marco Temporal — a Constituição Federal de 1988 — ou de renitente esbulho como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos de negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada que tenham por objeto a posse, o domínio ou a ocupação lícita e de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, ou a exploração das riquezas do solo, rios e lagos nela existentes, assistindo ao particular direito à indenização prévia em face da União em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, tanto em relação à terra nua quanto às benfeitorias necessárias e úteis realizadas”, diz Moraes em seu voto.
Boa-fé
O relator do recurso extraordinário, ministro Edson Fachin, é favor da indenização de benfeitorias para boa-fé feitas por ruralistas.
“São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a posse, o domínio ou a ocupação das terras de ocupação tradicional indígena, ou a exploração das riquezas do solo, rios e lagos nelas existentes, não assistindo ao particular direito à indenização ou ação em face da União pela circunstância da caracterização da área como indígena, ressalvado o direito à indenização das benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé”, argumenta Fachin em seu voto.
Luís Roberto Barroso defendeu o direito à indenização das benfeitorias de boa-fé. O ministro considerou que a indenização deve ser paga porque o Estado praticou um ato ilícito ao vender terras que não lhe pertenciam. No entanto, defendeu que esta deveria ser uma questão discutida futuramente, não com o Marco Temporal.
Manifestações da AGU sobre o Marco Temporal
Logo após o voto de Moraes, que tratou da chamada “indenização prévia”, a Advocacia-Geral da União (AGU) se pronunciou. “A tese da indenização prévia condiciona o exercício da posse pelos povos indígenas a um gasto incalculável, em um ambiente de severas restrições de recursos no orçamento da União”, considerou.
A AGU ainda avaliou que a tese sugerida pelo ministro “reduz o grau de resolutividade dos processos de demarcação de terras indígenas, já bastante morosos por sua natureza e pelo cenário de estrutural escassez de recursos para a condução da política pública, de modo a agravar conflitos e prejuízos aos povos indígenas”.
A AGU também emitiu nota sobre o voto de Zanin, quando disse acreditar que é “uma solução intermediária para a demarcação de terras indígenas”.
Julgamento
O STF retomou, nessa quarta-feira (20/9), o julgamento sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Até o momento, cinco ministros — Edson Fachin (relator), Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli — entenderam que o direito à terra pelas comunidades indígenas independe do fato de estarem ocupando o local em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal.
Já os ministros Nunes Marques e André Mendonça avaliaram que a data deve ser fixada como Marco Temporal da ocupação. O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365 prosseguirá na sessão desta quinta-feira (21/9).
O caso que originou o recurso está relacionado a um pedido do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) de reintegração de posse de uma área localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás (SC), declarada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como de tradicional ocupação indígena.
No recurso, a Funai contesta decisão do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), para quem não foi demonstrado que as terras seriam tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e confirmou a sentença em que fora determinada à reintegração de posse.