Cobertura da vacinação infantil teve queda de até 39% na pandemia
De 18 vacinas do calendário básico de imunização, 15 registraram queda de cobertura entre 2019 e 2020, e 17 estão abaixo de 80% de alcance
atualizado
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A vacinação contra a Covid-19 é a maior preocupação de saúde do momento no Brasil e no mundo. O avanço inclemente da doença, no entanto, tem contribuído para que a aplicação de outros imunizantes esteja sendo deixada de lado pela população ao longo da pandemia. Em parte, por causa do medo de sair de casa e se contaminar com o novo coronavírus.
O cenário acende um alerta, pois, sem a proteção, doenças que já foram erradicadas, ou estão controladas, podem reaparecer e se disseminar.
Um levantamento feito pelo Metrópoles com dados do Datasus mostra que, de 18 vacinas do calendário de imunização infantil, ao menos 15 tiveram redução na porcentagem de cobertura vacinal durante o ano de 2020. As informações foram coletadas em 15 de junho deste ano.
A maior redução percentual foi a da vacina tetraviral, que protege contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela. O imunizante teve queda de 39,63% na cobertura vacinal entre 2019 e 2020.
Os números preocupam especialistas, que dizem ser necessária maior atenção do Ministério da Saúde às campanhas de multivacinação infantil. Segundo o órgão, todos os fármacos estão disponíveis nas unidades de saúde brasileiras durante o ano inteiro — exceto a vacina contra influenza, que tem período específico de aplicação e está com campanha vigente até o mês de julho.
Quais são as vacinas do calendário infantil?
De acordo com o Ministério da Saúde, o calendário de vacinação da criança conta com 18 imunizantes. Parte das vacinas são aplicadas ainda nas primeiras horas de vida do bebê, como a BCG – que protege contra formas graves de tuberculose, meníngea e miliar – e a primeira dose da vacina contra hepatite B, que deve ser administrada entre o nascimento e os 30 dias de vida.
O médico Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), explica que a aplicação de vacinas em recém-nascidos é imprescindível. “A criança é vulnerável, suscetível. E essas doenças são potencialmente graves, não precisaríamos de vacinas para prevenir doenças leves. Elas são justamente colocadas no calendário nacional porque as doenças têm potencial de letalidade”, afirma.
Redução na cobertura
Os dados coletados pela reportagem mostram que, mesmo antes da pandemia, a porcentagem de cobertura vacinal já apresentava queda. Em 2018, por exemplo, 11 imunizantes tiveram cobertura igual ou maior que 80%. No ano seguinte, o número de vacinas que atingiu essa faixa caiu para 10. Em 2020, com a pandemia de Covid-19, apenas um imunizante teve cobertura superior a 80%: a vacina pneumocócica, que protege contra pneumonias, meningites, otites e sinusites.
O médico Renato Kfouri alerta para a redução dos números, especialmente durante a pandemia. O médico ressalta que a crise gerada pelo coronavírus afetou não só as campanhas de imunização, mas também os índices de outras áreas da saúde.
“A pandemia afastou todas as ações preventivas, elas foram deixadas de lado. Os diagnósticos de câncer reduziram, caíram as consultas pediátricas, caíram as consultas cardíacas, testes ergométricos, papanicolau, mamografias. Todo mundo ficou com receio de se contaminar e deixou de frequentar as unidades de saúde”, explicou.
Risco iminente
As maiores quedas na cobertura vacinal de 2020 foram das vacinas tetra viral (redução de 39,6%) e tríplice viral (queda de 23%). Essas vacinas protegem contra diversas doenças, entre elas, o sarampo. A doutora em imunologia básica e aplicada e professora da Universidade de Brasília Anamélia Lorenzetti Boccca chama a atenção para essa doença, que ressurgiu e vem ganhando força.
“O ideal seria que a gente tivesse uma cobertura entre 80% e 90% dessas crianças, para ter certeza de que o vírus vai parar de circular entre elas. Nos anos em que o Brasil teve cobertura acima de 80%, a gente conseguiu uma redução muito importante da incidência dessas doenças. No caso de algumas delas, como a poliomielite e o sarampo, o Brasil chegou a receber um certificado de não circulação de vírus livre, o que significa que a gente estava praticamente livre do vírus na população”, explica a especialista.
No caso do sarampo, Anamélia explica que parte das pessoas imunizadas durante a infância não recebeu a segunda dose da vacina. Além disso, movimentos migratórios influenciaram na chegada de pessoas sem proteção contra o vírus. Por isso, os índices de sarampo tiveram aumento significativo nos últimos anos, inclusive em adultos, afirma a professora.
Sinal vermelho
De acordo com o Boletim Epidemiológico nº 49 do Ministério da Saúde, em 2020, foram registrados 8.356 casos e sete óbitos por sarampo no Brasil. A doença atingiu pacientes de 21 estados brasileiros e, em quatro unidades da Federação, houve circulação ativa do vírus. O Pará foi o estado que concentrou a maior parte dos casos: 5.373 notificações.
“Aqueles que não tomaram a segunda dose da vacina durante a infância estão contraindo sarampo. É uma doença grave, que está retornando ao Brasil já tem alguns anos. Essa redução na cobertura acende uma luz vermelha em relação a essa doença”, explica Anamélia.
A professora ressalta que uma criança com sarampo contamina outras 18 crianças, em média. “É uma doença muito fácil de ser propagada e traz implicações pulmonares muito grandes”, afirma.
Para a especialista, cabe ao Ministério da Saúde investir em campanhas de imunização mais intensas, para incentivar a população a procurar unidades de saúde e completar a caderneta de vacinação. “É preciso chamar essas pessoas, fazer dias específicos pra vacinação, um Dia D. O que está faltando é um esforço maior para poder agregar a população”, analisa a especialista.
Segundo o Ministério da Saúde, durante o ano passado, foram investidos R$ 19 milhões na Campanha Nacional de Multivacinação de Crianças e Adolescentes, que ocorreu em outubro. A ação foi veiculada em televisão, rádio, internet e mídia exterior. A campanha de 2021 está prevista para o segundo semestre do ano.
O que diz o Ministério da Saúde
Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde afirmou ter disponibilizado, em 2020, “48 imunubiológicos (vacinas, soros e imunoglobulinas) no Calendário Nacional de Vacinação”. A pasta reconhece que a crise gerada pelo coronavírus causou problemas nos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
“A pandemia de Covid-19 trouxe grandes desafios para os serviços de saúde, no que se refere às ações de vacinação de rotina e campanhas”, informou o órgão. Em nota, o ministério disse que atua com ações de “comunicação e mobilização social” para conscientizar a população sobre a importância da vacinação.
“Como estratégia fundamental para superação dos obstáculos que envolvem a vacinação no país, a pasta vem intensificando ações que promovem a comunicação e mobilização social sobre os benefícios da imunização, a importância do alcance das coberturas vacinais, bem como a prevenção das doenças imunopreveníveis”, diz o comunicado.
“O ministério também tem reforçado, junto aos estados e municípios, a manutenção das ações de vacinação de rotina, mesmo em tempos de pandemia de Covid-19, ressaltando a importância de seguir as recomendações de distanciamento social, entre outras medidas não farmacológicas, de modo a reduzir o risco de transmissão da doença, proporcionando a segurança dos trabalhadores da saúde e da população durante a operacionalização da vacinação”, declarou a pasta.