Cláusula de barreira pressiona, e Congresso apressa reforma eleitoral
Quase metade dos partidos corre risco de não atingir patamar mínimo de votos em 2022, o que os faria ficar sem verbas e horário na TV
atualizado
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A discussão em torno do voto impresso é a mais popular, mas há outras novidades sendo debatidas no Congresso com vistas às eleições do ano que vem e sob a pressão da cláusula de barreira, que ameaça a viabilidade de quase metade dos 33 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Essa barreira foi criada com o objetivo de reduzir o número de partidos com acesso a verbas e representatividade no Congresso e reprimir legendas de aluguel, mas seu avanço se tornou dor de cabeça para um número expressivo de siglas. A situação está ditando o ritmo das articulações para o ano que vem.
Em 2018, 24 partidos superaram a cláusula de barreira e continuaram tendo acesso a fundo partidário e horário eleitoral gratuito, entre outros direitos. Em 2022, esse funil deve se estreitar, pois a cláusula é progressiva. Nas eleições passadas, era preciso atingir ao menos 1,5% dos votos válidos no pleito para a Câmara dos Deputados. Nas de 2022, o sarrafo sobe para 2% (em 2026, serão 2,5%, e, em 2030, se a regra for mantida, 3%).
Tomando como base os votos nos partidos nas eleições municipais de 2020, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) calculou que, se os percentuais forem parecidos, 15 partidos podem não atingir o número mínimo: Pros, PV, PSol, PCdoB, PRTB, PTC, PMN, DC, Rede, Novo, PMB, UP, PSTU, PCB e PCO.
Consequências
Os partidos que não aparecem nessa lista, consequentemente, estão fortalecidos. O PSB, por exemplo, está conseguindo atrair lideranças de esquerda de siglas menores. Na última semana, o governador maranhense Flávio Dino anunciou desfiliação do PCdoB, onde fez longa história, e a ida para o PSB.
Do PSol saiu o deputado federal Marcelo Freixo (RJ), também rumo ao PSB. Dino e Freixo marcaram ato conjunto de filiação ao novo partido para esta terça (22/6), em Brasília.
A ex-deputada e ex-candidata a vice presidente Manuela D’Ávila (RS) e o deputado federal Orlando Silva (SP), ambos do PCdoB, também estudam se filiar ao partido.
Essas articulações contam com o apoio do PT do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que costura uma aliança nacional com os socialistas, na qual uma das condições incluídas seria apoiá-los em eleições de estados importantes, como o Rio de Janeiro.
O PCdoB chegou a discutir uma fusão com o PSB para escapar da cláusula de barreira, possibilidade que esfriou, mas ainda não foi descartada. Oficialmente, os comunistas defendem a inclusão na reforma eleitoral que tramita na Câmara da possibilidade de os partidos formarem federações (mais rígidas do que as coligações, hoje vetadas) para ajudar a evitar a exclusão do “clube” dos que recebem verbas.
O “distritão”
Nessa reforma eleitoral, que o Congresso se apressa para tentar votar até outubro e conseguir que seja aplicada a 2022, a proposta mais chamativa é a troca do voto proporcional nas eleições legislativas pelo “distritão“. Hoje, o número de cadeiras que cada partido ocupa depende de um cálculo que leva em conta o número total de votos que seus candidatos recebem. Pelo quociente partidário, candidatos muito votados podem ajudar a eleger colegas de partido.
Pela proposta do “distritão”, passam a ser eleitos os candidatos mais votados, como acontece nas eleições para o Executivo. Os críticos da ideia dizem que o modelo enfraquece os partidos e beneficia de maneira exagerada os candidatos mais conhecidos, como artistas e atletas, além de dificultar a renovação.
A possibilidade de mudança nas regras eleitorais tramita em Comissão Especial que debate uma Proposta de Emenda Constitucional de 2011, retirada do arquivo porque já havia passado por etapas como a Comissão de Constituição de Justiça da Câmara.
A deputada federal Renata Abreu (SP), que é também presidente nacional do Podemos, é relatora do texto, e conversa com os partidos para fechar um relatório até o mês que vem. O “distritão” tem força, mas ainda não é consenso e há possibilidades intermediárias, como o “distritão misto”, em que metade das vagas seria distribuída pelo sistema proporcional e metade aos mais votados.
“Por que se está rediscutindo novamente a questão do sistema eleitoral? Porque houve um aumento muito grande do número de candidatos. Com o sistema eleitoral de financiamento público, dificultou muito para os partidos e para as instituições a manutenção e a sobrevivência desse sistema proporcional, com muitos candidatos, num financiamento público com limitação”, argumentou ela em audiência pública na Câmara este mês.
A parlamentar também busca articular a inclusão no relatório de um percentual mínimo de cadeiras a serem ocupadas por mulheres nas casas legislativas. Hoje, há a previsão de 30% das vagas de candidaturas para elas, mas nenhuma cota na eleição. Renata Abreu tenta contornar a resistência que vem principalmente dos colegas homens para achar um número de consenso. “Na Câmara Federal, temos 15% de mulheres, mas, em várias casas legislativas, nos municípios, não temos sequer uma mulher representada. Isso seria um avanço para a democracia”, defende ela.
Entre os partidos mais relevantes, MDB e PSD são os que têm resistido mais na Câmara a aprovar o “distritão”. Se a resistência for resolvida, a expectativa dos mais otimistas é aprovar a PEC na Câmara antes do recesso, dando ao Senado pouco mais de dois meses para concluir a tramitação do texto a tempo de aplicação em 2022.
A ambiguidade do debate
Os cientistas políticos costumam criticar o sistema “distritão” por causa do teórico enfraquecimento dos partidos e da pulverização do sistema decisório. Para o professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) Lucio Rennó, no entanto, as próprias legendas não se ajudam nesse debate.
“Os partidos são instâncias problemáticas, com fortes indícios de oligarquização, sem bases sociais profundas. Então, se o argumento é não enfraquecer, é um argumento fraco, porque eles não são fortes”, avalia ele em conversa com o Metrópoles.
O acadêmico vê uma ambiguidade, porém, no debate da proposta tendo como pano de fundo a cláusula de barreira – regra que os parlamentares não parecem interessados em mudar. “Ela tem funcionado e é uma regra que, essa sim, fortalece os partidos mais bem colocados. Então, são pressões opostas sobre o sistema partidário.”