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Cirurgiã que fez vídeos com pele de pacientes é processada por erro médico

Caren Trisóglio Garcia teve registro suspenso pelo Conselho Regional de Medicina de SP por conduta nas redes. Ela enfrenta ações na Justiça

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1 de 1 image (3) - Foto: Reprodução do Tik Tok

No vídeo, uma médica canta, dança e sorri enquanto segura pedaços de pele e sacos de gordura recém-retirada de pacientes. As imagens divulgadas em redes sociais no começo de abril mostram a cirurgiã plástica Caren Trisóglio Garcia, de Ribeirão Preto (SP), que chama as sobras das operações de “troféu do dia”. 

A mesma profissional tem o nome citado em pelo menos três processos no Tribunal de Justiça de São Paulo em que pacientes a acusam de erro médico ou negligência. “Há muitos outros casos, mas que correm em segredo de Justiça e não podem ser consultados”, afirma a advogada Tatiana Aparecida da Silva, que representa Rita de Cássia Dias, 56 anos.

Rita trabalha como segurança e durante anos planejou fazer cirurgia plástica nos seios. Após ter quatro filhos, ela achava as mamas flácidas e tinha vergonha do próprio corpo. Ela chegou ao nome de Caren Trisóglio Garcia, que atende onde Rita vive, em Ribeirão Preto (SP), por indicações de mulheres em grupos virtuais sobre estética.

A operação ocorreu em 19 de maio de 2017. “Fui buscar autoestima, um momento que eu aguardava há muitos anos. Infelizmente o que achava que ia ser um sonho virou um pesadelo”, relata Rita. 

Os problemas começaram no pós-operatório. “Meus seios infeccionaram, tive que ir várias vezes ao consultório para fazer curativo, tomei muito antibiótico por vários e vários meses. Até que uma parte do meu seio necrosou, a pele ficou preta, a auréola sumiu e fiquei deformada. Tenho cicatrizes terríveis até hoje”, descreve a paciente.

Rita conta que ficou afastada do trabalho por um tempo maior do que o esperado após um procedimento como esse, por conta das complicações. “Vazava muito líquido e o cheiro era terrível. O descaso comigo foi completo no pós-atendimento”, denuncia.

A segurança havia pedido folhas de cheque emprestadas ao filho para fazer a operação. Após o resultado insatisfatório, ela afirma que tentou negociar com Caren a suspensão dos pagamentos.

“A médica parou de atender as ligações da minha cliente. Como não deram suporte, a Rita sustou os cheques, como uma forma de forçar o atendimento. Mesmo assim não deram a devida atenção. Ela pagou R$ 2.375 em dinheiro e deu 11 folhas de cheque no valor de R$ 1.125 cada”, relata a advogada Tatiana Aparecida da Silva, que protocolou a ação na Justiça no começo de 2020.

Rita decidiu processar a médica após ver no noticiário local, em Ribeirão Preto, o relato de outras mulheres que haviam passado por situação semelhante com a mesma profissional. “Ela (Caren) dizia que qualquer cirurgia poderia dar errado, podia ser eu como qualquer outra pessoa. Mas não foi um erro qualquer, eu me traumatizei, sofro com depressão. Foram meses sangrando e expelindo pus. Abri o processo porque quero que outras pessoas saibam a quem estão entregando o seu corpo”, afirma Rita. Ela e o filho estão com “nome sujo” por não terem pago os cheques e pedem na Justiça que os pagamentos sejam suspensos definitivamente.

“Queria uma barriga retinha”

A manicure Sandra Valéria Aguiar Martins,  49 anos, também processa Caren Trisóglio e sua equipe por suposto erro médico. A médica costuma dividir as salas de operação com o marido, Lucas Garcia, e com o pai, José Maria Trisóglio, que é urologista e não tem título de cirurgião plástico. A ação movida por Sandra menciona os três profissionais como responsáveis por mutilações que ela alega ter sofrido.

De acordo com o relato de Sandra na ação judicial, a primeira consulta foi feita com José Maria Trisóglio, que, até então, a paciente acreditava ser cirurgião plástico. “Procurei-o por sugestão de amigas. Ele me contou que ele, a filha e o genro me operariam. Tinha uma placa com o nome da Caren e um certificado de curso no exterior, na parede do consultório”, lembra Sandra Valéria.

“A cirurgia foi marcada com José Maria. Dentro do centro cirúrgico, ele fez a operação e quem assinou como responsável foi a Caren, porque ele não tem licença para atuar na área estética. Temos um documento do centro cirúrgico no qual ele consta como responsável, nos demais todos a Caren assina”, explica a advogada Karina Oliveira Ferreira, representante de Sandra Valéria.

Sandra diz que só conheceu Caren no dia da cirurgia, em 19 de janeiro de 2018, em Penápolis (SP). “Foi ela (Caren) quem pegou a parte do pagamento em dinheiro. Dentro do centro cirúrgico, quem comandou a operação foi o José Maria”, assegura Sandra.

Sandra tinha um grande mioma no útero e precisaria passar por uma intervenção para retirá-lo. Diz que aproveitou a ocasião para “realizar o sonho” de fazer procedimentos estéticos: fez lipoaspiração nas costas, no abdômen, colocou próteses nas mamas e retirou o mioma, tudo no mesmo dia.

Ela relata que o pós-operatório foi complexo. Há cicatrizes escuras no abdômen, o umbigo ficou deformado e ela mostra marcas pelo corpo que atribui a queimaduras por algum instrumento. As mamas também ficaram caídas, uma maior que a outra, como é possível ver nas fotos expostas no processo. 

A advogada Karina destaca que Sandra fez todos os procedimentos indicados no pós-operatório, como drenagens e medicações, sobre os quais apresentam os recibos no processo. “Meu umbigo ficou deformado e começou a vazar. Eu achei que ia morrer, que pegaria uma infecção. Entrei em pânico, pedia ajuda ao médico e ele não resolvia. Sofri sozinha, calada, não contei para ninguém porque a minha família não queria que eu fizesse cirurgia. Fiquei 28 dias sem dormir, com um medo enorme, eu só chorava”, relata Sandra. 

“Quando procurei o doutor José Maria ele dizia que isso aconteceu porque eu já fui fumante, mas eu já tinha parado de fumar havia 17 anos, essa desculpa nunca me convenceu. Entrei em um processo de síndrome do pânico e depressão depois disso”, reclama a paciente.

Sandra também alega que não sabia que passaria por uma histerectomia completa para retirada do mioma. “Só descobri que não tinha mais útero 1 ano depois da cirurgia plástica, quando fui ao ginecologista”.

Sandra pagou à equipe R$ 7 mil em dinheiro e deu sete cheques de R$ 1.571. “Meu filho me emprestou a entrada e fez um esforço grande para realizar o meu sonho de ter uma barriga retinha, sem aquelas estrias. Meu tio emprestou os cheques que eu pago até hoje.”

Imagem que consta no processo de Sandra mostra algumas das cicatrizes

O processo está em fase de análise de assistência gratuita e começou em 18 de janeiro de 2021, pois Sandra não conseguiu assistência jurídica adequada antes disso. A advogada pleiteia indenização por danos morais, materiais e a reparação da cirurgia, que deve ser feita por outros profissionais. 

A ação tem valor de R$ 278 mil, no total. O valor dos danos morais equivalem a 10 vezes o valor pago por Sandra na cirurgia (R$ 18 mil), o restante do dinheiro é pelas outras compensações.

Um médico que fez orçamento para reparação cirúrgica em Sandra estabeleceu um valor de R$ 37 mil pelos procedimentos. “Nota-se que o valor cobrado por Caren e sua equipe é muito abaixo do preço de mercado, por isso torna-se tão atrativo para pessoas com baixo poder aquisitivo”, diz Karina.

O advogado responsável pelo terceiro processo que consta no TJSP contra Caren Trisóglio por erro médico é Carlos Roberto de Lima. Ele afirma que a cliente submeteu-se a uma cirurgia plástica e ficou deformada. “Foi uma plástica desastrosa. A paciente ficou com sequelas. O mínimo que se espera em uma situação como essa é sair melhor do que entrou, já que estamos falando de uma plástica de embelezamento”, diz. A mulher está com os seios desfigurados, um corte transversal na barriga e passou por várias infecções.

Suspensão

Após divulgar imagens com partes dos corpos dos pacientes em redes sociais, Caren Trisóglio teve o registro temporariamente suspenso pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), em 8 de abril. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica declarou que a conduta da profissional foi “antiética”. 

O Cremesp afirmou que as investigações sobre a conduta da médica tramitaram sob sigilo. Durante a investigação, a médica não poderá atender pacientes e, ao fim do processo, ela pode ter o registro cassado.

A médica já havia sido suspensa por seis meses das atividades da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBPC), que encaminhou o caso ao Cremesp e retirou o nome dela das listas oficiais de busca da SBCP.

O material exposto nas redes por Caren também foi considerado sensacionalista pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Caren tem 636 mil seguidores e 11 milhões de curtidas no TikTok. 

Como aponta a SBPC, a médica infringiu cinco artigos do regimento interno da entidade, que proíbem o compartilhamento de imagens de partes do corpo ou de pré ou pós-operatórios, mesmo com autorização expressa do paciente.

A entidade afirmou que a médica também desrespeitou artigos que proíbem o profissional de apresentar resultados de cirurgias ou se autopromover em meios de comunicação com objetivo de conquistar clientes.

A SBCP informou ao portal que a cirurgiã anunciou técnicas que supostamente lhe atribuem capacidade privilegiada na realização de determinados procedimentos cirúrgicos, o que também é vedado pelo regulamento interno da entidade.

O Metrópoles procurou Caren Trisóglio Garcia, Lucas Garcia e José Maria Trisóglio por meio do contato repassado no Spa Nefertiti, onde trabalham, mas não recebeu retorno até a publicação da reportagem.

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