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Cigarros eletrônicos: consumo acende alerta para urgência de regulamentação

Falta de regulamentação sobre cigarros eletrônicos abre espaço para comércio ilegal e agrava problemas de saúde pública

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Pessoa fumando cigarro eletrônico- Metrópoles
1 de 1 Pessoa fumando cigarro eletrônico- Metrópoles - Foto: RyanJLane/Getty Images

A proibição de cigarros eletrônicos no país não tem freado brasileiros que procuram o comércio ilegal em busca do dispositivo. O assunto gera preocupação, em termos de saúde pública, tanto para defensores da liberação regulamentada quanto para críticos de qualquer legislação que permita o consumo e a venda no Brasil.

A comercialização, importação e propaganda de cigarros eletrônicos é vetada no Brasil desde 2009. Em julho de 2022, a Anvisa revisou a determinação e decidiu manter a proibição, após votação unânime. Apesar disso, o consumo no país tem apresentado um crescimento assombroso.

Segundo levantamento do instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), de 2021, mais de 2 milhões de brasileiros fumam cigarros eletrônicos. A situação é ainda mais precupante entre os jovens. Pesquisa do Covitel – Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia – aponta que um a cada cinco adultos de 18 a 24 anos faz uso do dispositivo no país.

De um lado, especialistas alertam para os riscos do fumo à saúde e preocupações com o aumento do tabagismo no país. Por outro, defensores alegam que o dispositivo é menos nocivo do que cigarros comuns. Mas em um ponto, todos concordam: a falta de regulamentação na venda expõe brasileiros a produtos que a população nem sequer sabe a composição ou a procedência.

Representantes da indústria do fumo, como a British American Tobacco (BAT), uma das maiores fabricantes de cigarros do mundo, afirmam que há uma diferença significativa entre a liberação do consumo indiscriminado de cigarros eletrônicos e a regulamentação. A BAT ressalta a necessidade de serem criadas normas nacionais para fabricação, importação, comunicação e venda dos produtos – inclusive, composição e limites de idade para uso.

“Os riscos estão claros. As pessoas estão consumindo produtos que elas não sabem o que tem dentro. Você vê muitos casos de pessoas que vêm sofrendo problemas de saúde, e não se sabe se isso é atribuído ao cigarro eletrônico, ao que tem dentro desse produto. Não é possível saber, porque não tem um registro, uma empresa para onde possa ser feita uma reclamação”, explica Lauro Anhezini, chefe de assuntos científicos e regulatórios da BAT no Brasil.

“Essa regulamentação representa uma segurança a quem consome. Fato é que os consumidores estão aí, você consegue ver isso nas ruas de noite, nas baladas, nas pessoas consumindo fora dos escritórios… Mas não sabe o que tem dentro, a Anvisa não tem nenhum controle sobre isso”, continua. 

Na visão do porta-voz da empresa, a regulamentação pode ser vista como uma “melhora da saúde pública”, uma espécie de controle de danos. “Porque temos uma proibição que não funciona e um contingente enorme de consumidores adultos sem controle de qualidade”, ressalta Anhezini.

Consumidor desprotegido

É o caso de Anna*, 35, que utiliza um dispositivo eletrônico para fumar em substituição ao cigarro convencional há três anos. Ela conta que desconhece a composição do produto, em razão da ausência de especificações na embalagem, e que também não costuma ler o que está escrito, porque, após a compra é necessário realizar o teste de funcionamento.

“Costumo comprar os cigarros que uso em tabacarias. Não que amenize os riscos, mas me sinto mais segura”, explica. “Mesmo assim, já tive problemas com o funcionamento. De vazar a essência na boca na hora de tragar ou de parar de funcionar antes de acabar o produto”, explica.

Ela conta que não sabe dizer se os problemas de irritação estomacais que tem ocorrem em razão de um eventual vazamento da essência, ou por conta de outros hábitos prejudiciais à saúde incorporados na rotina.

“A gente literalmente bebe a essência que vaza. Isso vai pro estômago. Acredito que pode dar alguma irritação etc. Mas como tenho rotina muito estressante, nunca sei se a dor de estômago que sinto é por esse motivo ou pelo dia a dia mesmo”, relata.

Comércio irregular

Giovanna* decidiu trocar o cigarro convencional pelo eletrônico há quatro anos, porque o cheiro e o gosto incomodavam um ex-namorado. Ela conta que pesquisou bastante antes de comprar o produto, e está ciente da composição. No entanto, se sente refém do comércio ilegal, e tem incômodos recorrentes.

“Já tive bastante problema com compra em camelôs, porque acredito que eram falsificados. Normalmente, depois de poucas puxadas, fica com um gosto muito forte de queimado. Não sei se foi recarregado, se trocaram a essência. Mas fica com o gosto de pilha muito forte, e você precisa jogar fora”, lembra.

O mesmo aconteceu com Lucas*, 25, que fuma cigarros eletrônicos desde 2017. Ele conta que foi consumidor de venda irregular por muito tempo, sem saber a composição dos produtos. Preocupado com os riscos à saúde e com a falta de controle sobre a procedência dos artefatos, ele começou a produzir a própria essência.

“Eu consumi cigarro eletrônico de camelô por muito tempo, no início. Eu não sabia a composição desses produtos, na época, e não dá para saber até hoje. Por isso comecei a produzir a minha própria essência, já tive problemas porque não dá pra saber o que tem lá, normalmente elas são bem ruins e não tem como reclamar, nem onde falar nada”, acredita.

Responsabilização judicial

A proibição dos dispositivos para fumar eletrônicos em território nacional, no entanto, não impede que as empresas que vendam os produtos sejam responsabilizados judicialmente.

O tema, contudo, é motivo de divergências sobre a aplicação da lei, inclusive, entre os juristas. Especialistas consultados pelo Metrópoles convergem no fato de que o caso pode ser analisado na Justiça, a depender da situação específica.

“Uma empresa que vende de maneira ilegal algo que ela não deveria vender pode e deve ser responsabilizada. Inclusive, a partir das normas específicas do Código de Defesa do Consumidor”, explica Víctor Quintiere, professor de Direito do Centro Universitário de Brasília (Ceub).

“É possível que o consumidor entre na Justiça visando a reparação pelo chamado fato do produto. Até porque, há uma grande confusão aqui no Brasil, onde pessoas nem sequer, por ignorância, sabem que cigarro eletrônico é proibido, por verem outras pessoas do seu convívio social usarem esses eletrônicos durante o dia”, ressalta.

O advogado Ariel arian Queiroz Bezerra, no entanto, diverge do enquadramento jurídico. Segundo o especialista em direito regulatório e administrativo, “seria como pedir que os direitos do consumidor fossem aplicados na relação entre usuário e traficante de drogas”. 

“Contudo, quem importa ou exporta cigarros eletrônicos pode incorrer no crime de contrabando, previsto no art. 334-A, do Código Penal”, explica.

*Os sobrenomes dos personagens citados foram preservados nesta reportagem

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