Cientistas independentes consideram ineficiente plano de imunização federal
Segundo o Observatório Covid-19 BR, plano brasileiro é uma “apresentação de power point” que ignora diretrizes básicas
atualizado
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São Paulo – O Observatório Covid-19 BR, associação independente de pesquisadores brasileiros de diversas entidades científicas e acadêmicas, divulgou nota em que critica o programa de imunização do governo federal contra a Covid-19.
Para os pesquisadores, o plano é deficiente em diretrizes básicas. Não contempla parcelas vulneráveis da população; despreza a oferta de vacinas em teste no Brasil, principalmente a Coronavac; não faz uma coordenação entre municípios e estados; ignora a experiência de 60 anos do Programa Nacional de Imunização, considerado modelo internacionalmente; e, principalmente, esquece de demandas logísticas fundamentais, como comprar seringas.
“O plano proposto se baseou exclusivamente na vacina Oxford/AstraZeneca. Considerando-se apenas esse contrato, estima-se que 25% da população brasileira estaria vacinada até o segundo semestre de 2021“, diz o Observatório, salientando que o governo federal ignora que o estado de São Paulo tem plano que prevê a vacinação 46 milhões de pessoas.
Segundo os pesquisadores, a experiência internacional tem sido outra. Reino Unido, União Europeia e América Latina estão assinando contratos com várias farmacêuticas diferentes e articulando a cobertura vacinal em âmbito federal.
O Observatório Covid-19 BR lembra que isso não deveria ser exatamente um problema para o Brasil. Isso porque o país poderia aproveitar o seu Programa Nacional de Imunização (PNI), tido como modelo internacional de política pública de saúde de grande território com alta taxa de imunização.
Segundo Rafael Lopes, doutorando na Universidade Estadual Paulista, que estuda predição de surtos de doenças, e membro do Observatório, a falta de articulação entre governo federal, estados e municípios despreza que o “vírus não conhece CEP”.
“O vírus não vai deixar de se disseminar milagrosamente ao chegar na divisa entre um estado e outro. Não vai respeitar a burocracia e o cronograma de São Paulo para passar a infectar pessoas de Goiás, que ainda não têm uma data marcada. Vale lembrar que o plano de São Paulo prioriza as pessoas mais velhas. Hoje, o contágio está se dando entre pessoas com menos de 60 anos, elas que estão sobrecarregando os hospitais neste momento”, declarou.
“Ainda não temos um plano”
No dia 8 de dezembro, a tensão aumentou na reunião entre o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e governadores quando Pazuello relatou que a demora na compra de insumos, como seringas, faria com que a vacinação ficasse para fevereiro. Insatisfeitos, os governadores de Minas Gerais e da Bahia responderam com anúncios de compra de seringas com entrega imediata.
O Observatório lembra que ainda há outras demandas logísticas fundamentais. “Transporte, conservação, distribuição e aplicação das vacinas, não foram contempladas no plano de vacinação apresentado pelo Ministério da Saúde.”
Rafael Lopes diz que a crítica também vale para o plano de imunização do estado de São Paulo. “Não basta estabelecer uma data, essa data tem que estar de acordo com a disponibilidade de recursos materiais e humanos.”
O Observatório Covid-19 BR demanda mais transparência dos governos federal, estaduais e municipais. Segundo o corpo de pesquisadores, na prática, os planos de imunização apresentados pelo governo federal e pelo governo do estado de São Paulo não são transparentes.
“O plano existe apenas na forma de uma apresentação PowerPoint. Não há documentos com os estudos que embasaram o plano. É preciso que haja uma estratégia bem construída para lidar com a desinformação que pode ocorrer durante a vacinação, arriscando comprometer a cobertura. Tampouco foi apresentado um plano de capacitação técnica para as equipes de saúde estaduais e municipais, que seja específico para esta campanha, incluindo a vigilância de possíveis eventos adversos”, declarou a nota do Observatório Covid-19 BR.
Para o corpo de cientistas do Observatório, “ainda não temos um plano”.
Sobre o Observatório Covid-19 BR
O Observatório Covid-19 BR é um coletivo com 81 cientistas brasileiros que lecionam, estudam e/ou pesquisam em universidades do Brasil, Estados Unidos, México, Alemanha, Reino Unido, Suíça e Japão. O coletivo é interdisciplinar, reunindo pessoas que pesquisam surtos de doenças contagiosas em áreas tão diferentes quanto economia, física, medicina e ciência de dados.
O coletivo é uma iniciativa dos docentes Paulo Inácio Prado, do Departamento de Ecologia da USP (Universidade de São Paulo), Renato Coutinho, físico da UFABC (Universidade Federal do ABC) e Roberto Kraenkel, físico que estuda epidemiologia na Unesp.
Atualmente o Observatório disponibiliza estudos de seus membros em código aberto e presta assessoria a municípios de Santa Catarina e de São Paulo.
Outro lado
A assessoria do Ministério da Saúde disse em nota que a pasta está em constante diálogo com governadores e prefeitos, articulando uma campanha de vacinação eficiente. Para a rede CNN, Eduardo Pazuello disse que o plano de logística para a vacinação está praticamente pronto, apenas precisa passar por revisão, e será apresentado na semana que vem. Nesta semana, a Anvisa definiu critérios para pedido de uso emergencial da vacina, o que acelerará a aprovação do plano de vacinação.
O Governo do Estado de São Paulo declarou que seu plano está bastante consolidado e que detalhes seriam apresentados à imprensa na sexta-feira (11/12).