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Cidades do RS tentam se reerguer seis meses após enchente

Gaúchos ainda lutam com as consequências da maior tragédia climática do estado. Mais de 1,8 mil pessoas continuam morando em abrigos

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Foto: Gustavo Basso/DW
Imagem colorida, paredes e quadros sujos com lama - Metrópoles
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Vassoura em mãos, Lourdes Dullios, de 76 anos, varre as ruínas da sala de sua casa, em Cruzeiro do Sul, região central do Rio Grande do Sul (RS). Há quase seis meses esta tem sido a rotina diária da aposentada.

“No primeiro mês, eu não consegui fazer nada, não tinha nem força. Depois de um tempo, eu vim pra cá, achava uma panela, achava umas coisas”, diz observando as poucas paredes de pé do imóvel onde morou por 25 anos. “Se eu fico em casa a tarde toda, eu começo a comer e comer, e à noite não durmo. Então eu venho aqui, limpar um pouco, e aí consigo dormir de noite”, conta.

Reconstruir a casa não é uma opção para Dullios. A poucos metros do Rio Taquari, todo seu bairro foi condenado e interditado pela Defesa Civil, assim como o vizinho Passo de Estrela.

Seis meses após a maior tragédia climática e socioambiental do sul do país, o governo do Rio Grande do Sul não possui uma estimativa de quantos bairros continuam vazios. Em Arroio do Meio, 15 km rio acima, um sobrado de 117 anos se sobressai entre a destruição do Bairro Navegantes. Nele, Darcisio Schneider voltou a operar seu restaurante apenas um mês atrás.

“Hoje nós estamos sozinhos aqui, não tem um barulho, não tem ninguém à nossa volta. É muita tristeza ver o bairro assim porque esse bairro é muito antigo e todo mundo se conhecia. Hoje, tu olha e não sabe mais nem quem morava aqui, quem morava lá. Porque está destruído tudo”, lamenta o empresário, que mora no andar de cima do restaurante.

No dia 30 de abril deste ano, ele e a família saíram de lá às pressas, enquanto as águas subiam rapidamente. Oito meses antes, a região já havia sofrido com a até então pior enchente da história do Rio Grande Sul desde 1941. Naquele longínquo ano, relembrado pelos mais velhos, o Rio Taquari atingiu a marca de 29,93 metros, e em setembro de 2023, 29,53 metros. Na tarde de 2 de maio de 2024, o rio subiu quatro metros acima disso, batendo 33,60 metros e devastando Arroio do Meio e outras 57 cidades. A tragédia deixou ao menos 183 mortos.

A dimensão da tragédia teve impacto nas eleições municipais deste ano. Quase nenhum prefeito que buscava a reeleição nas cidades mais afetadas, como Arroio do Meio, Cruzeiro do Sul, Roca Sales ou Canoas, foi eleito. Na capital Porto Alegre, porém, Sebastião Melo foi reeleito.

Com aproximadamente 20 mil habitantes, a prefeitura de Arroio do Meio estima que 13 mil moradores foram impactados direta ou indiretamente pelas enchentes. Os estragos também se estenderam ao comércio, com 161 estabelecimentos comerciais, 119 prestadores de serviço e 30 indústrias fechadas.

“Arroio do Meio hoje é uma cidade triste. Porque todo mundo perdeu, mesmo aqueles poucos que não foram atingidos, de uma maneira ou outra foram atingidos”, lamenta Schneider. A tristeza é ressoada pelos únicos vizinhos do empresário, em três das cerca de 400 casas da região.

Auxílio reconstrução

O volume de água do Taquari e Jacuí chegou à região metropolitana de Porto Alegre, a mais populosa do estado, três dias depois, atingindo o pico no dia 5 de maio. O nível do Guaíba, cuja cota de inundação é de 3 metros, passou de 5,30 metros. O sistema de prevenção de enchentes de cidades como Porto Alegre e Canoas, composto de diques, comportas e casas de bombas, falhou por falta de manutenção. O resultado foi bairros inteiros transformados em lagos durante um mês.

Muitas famílias voltaram para suas casas apenas em setembro, após o pesado trabalho de limpeza e recuperação dos imóveis. Um trabalho que não terá fim tão cedo. Morando com mais 12 familiares a 200 metros do dique, e a um quilômetro do rio dos Sinos, Celi Brum mostra a falta de portas, janelas, e os danos nas vigas e telhado da casa para onde voltou há dois meses, no bairro de Matias Velho, em Canoas.

“Nós ficamos três meses fora de casa, em um abrigo, em seguida tentamos voltar para cá, mas não era possível, estava tudo muito úmido. Ficamos mais um mês e meio no apartamento de uma filha antes de vir”, conta ela sobre o difícil período como desalojada. “Viver mesmo viver não dava, porque o chão estava úmido, as paredes também estavam úmidas ainda, ainda com cheiro de mofo, mas a gente teve que voltar. Se tivesse opção, não voltava, porque todos dizem que vai acontecer outra vez pior”, afirma preocupada.

Com os R$ 5.100 do auxílio reconstrução do governo federal, Brum refez o piso da cozinha e comprou uma geladeira nova. Economiza o Bolsa Família que recebe para aos poucos cobrir as necessidades da casa, e enfim retirar os cobertores e lonas que os mantiveram menos frios no rigoroso inverno deste ano.

Ao todo, cerca de 370 mil famílias receberam a verba disponibilizada pela União, e que somou mais de R$ 2 bilhões. Já o governo estadual arrecadou mais de R$ 137,4 milhões com o PIX SOS Rio Grande do Sul, distribuindo R$ 2.000 a 36.466 famílias, e R$ 1.500 a 22.397 microempreendedores individuais.

Ainda há famílias em abrigos

Ao todo, mais de 735 mil pessoas tiveram de abandonar suas casas no estado. Passados seis meses da tragédia, o governo estadual calcula que ainda há 1.832 desabrigados em 41 abrigos em 23 cidades. No esforço de reduzir o problema, foram instaladas 192 casas temporárias, e 1.900 moradias permanentes devem serem entregues, mas ainda sem prazo.

Em nota, o governo estadual afirma que disponibilizou R$ 60 milhões para o Aluguel Social e Estadia Solidária aos municípios para atendimento da população atingida pela enchente. O repasse estadual atende a desabrigados ou desalojados inscritos no Cadastro Único (CadÚnico), com renda per capita de até R$ 706, nas cidades em estado de calamidade, e de até R$ 218, nas cidades em situação de emergência.

O valor do benefício deverá ser co-financiado pelo município em 50%, no mínimo, e será destinado ao custeio da manutenção da vida cotidiana nas modalidades de aluguel social ou estadia solidária – esta última apenas enquanto a família estiver acolhida na residência de terceiros. Até o momento, os recursos repassados pelo governo gaúcho para o Aluguel Social e da Estadia Solidária somam R$ 15,5 milhões, tendo beneficiado 6.467 famílias em 43 cidades.

Leia mais reportagens como essa no DW, parceiro do Metrópoles.

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