Chefe da Agência Espacial Brasileira ganhou mais com diárias que salário em 2022
Carlos Moura, presidente da Agência Espacial Brasileira, passou mais da metade dos dias úteis de 2022 em viagens oficiais
atualizado
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O presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Carlos Augusto Teixeira de Moura, passou mais da metade dos dias úteis de 2022 em viagens oficiais, nacionais e para o exterior, o que obrigou os cofres públicos a lhe pagarem R$ 180.961,37 em diárias.
Moura (imagem em destaque) é coronel da reserva da Aeronáutica e tem uma aposentadoria militar. No entanto, considerando apenas o pagamento que ele ganha como civil para presidir a AEB (que foi de R$ 12.795,93 em fevereiro de 2023), o recebimento de diárias ao longo do ano passado superou o salário no período, que somou pouco mais de R$ 166 mil descontadas as deduções, como o Imposto de Renda retido na fonte.
Nomeado no início do governo Bolsonaro para presidir a AEB, o coronel da reserva foi mantido no cargo por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e inclusive está escalado como integrante da comitiva que viajará para a China junto ao presidente petista.
Questionada pelo Metrópoles sobre a quantidade de viagens feitas por seu presidente, a AEB respondeu que o cargo exige o trânsito constante devido à própria natureza do órgão, que é vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e tem a responsabilidade de formular, coordenar e executar a política espacial brasileira (veja mais abaixo da resposta da agência).
Ministro recordista em diárias
O alto gasto com diárias, aliás, parece ser uma marca do MCT, como mostrou em reportagem na última semana o colunista Paulo Cappelli, do Metrópoles. Segundo a apuração, o chefe da pasta entre março e dezembro de 2022, Paulo César Alvim, foi o recordista de diárias entre os ministros de Bolsonaro no ano passado e recebeu R$ 76.120,08 em diárias.
O valor é alto, mas corresponde a 42% do que o presidente da AEB recebeu ao longo do último ano de governo de Bolsonaro.
Servidores públicos recebem diárias sempre que precisam viajar para trabalhar. Quanto mais alto o cargo, maior é o valor pago. E quem viaja para países onde o custo de alimentação e hospedagem é considerado mais alto recebe o maior valor, segundo regras previstas em um decreto: US$ 460, o que corresponde a mais ou menos R$ 2.414 pela cotação da última sexta-feira (24/03).
Pelas regras em vigor, as diárias têm o objetivo de bancar os custos dos viajantes com alimentação, hospedagem e transporte nos locais de viagem. Não há necessidade, porém, de prestação de contas e os servidores podem, dentro da lei, ficar com valores excedentes caso consigam economizar — ou precisam pagar do próprio bolso caso gastem mais do que recebem em diárias.
Essas regras explicam o alto recebimento de diárias pelo presidente da AEB, que fez 30 viagens oficiais ao longo de 2022, segundo registros no Portal da Transparência do governo federal, sendo nove delas para o exterior – todas para os países de custo mais caro.
Entre 8 e 23 de agosto, por exemplo, Carlos Moura esteve em Salt Lake City, nos Estados Unidos, e recebeu R$ 31.814,47 em diárias. Já entre 29 de março e 9 de abril do ano passado, ele viajou para Washington, também nos EUA, e recebeu R$ 22.543,10 em diárias. Além de outras viagens para a América do Norte, o militar também esteve em Copenhagen, na Dinamarca, em Paris, na França, e em Roma, na Itália.
O custo total das viagens do presidente da AEB ao governo, somando diárias, passagens e seguros, chegou a R$ 389 mil. Ele esteve em viagens oficiais por 133 dias em 2022, o que corresponde a 52,8% dos 252 dias úteis do ano.
Agência gastadora
Em outubro de 2021, o Blog do Noblat, no Metrópoles, já havia mostrado que a Agência Espacial Brasileira custa muito aos cofres públicos em viagens e que a Controladoria-Geral da União (CGU) havia aberto uma investigação sobre mais de R$ 400 mil gastos em passagens, diárias e taxas de inscrição em eventos para um congresso nos Emirados Árabes Unidos.
O que diz a AEB
A AEB justifica o elevado custo com as viagens de seu presidente alegando que “o setor espacial é naturalmente internacionalizado” e que o órgão “precisa relacionar-se com seus congêneres e parceiros, no país e no mundo inteiro, para entre outras ações, estabelecer acordos, parcerias, contratos, prospecções, atualizações de mercado, representações institucionais, cooperações científicas etc”.
“Os stakeholders [atores ou partes] que atuam no Programa Espacial Brasileiro estão, fisicamente, espalhados por todo o País”, diz ainda o texto enviado pela agência. “Centros de lançamento no Maranhão, no Rio Grande do Norte, cluster espacial em São Paulo, Instituto de pesquisas espaciais em São José dos Campos, antenas em Cuiabá, satélites em desenvolvimento nas universidades federais de Santa Catarina, de Brasília, de Minas Gerais, de Santa Maria etc”, complementa a AEB.
“Dessa forma, para atingir os objetivos de avançar com as ações relativas ao Programa Espacial Brasileiro e atender ás necessidades da sociedade brasileira, faz-se necessário uma representação que contemple viagens nacionais e internacionais sempre em conformidade com as atribuições e competências da autarquia e do respectivo presidente”, justifica a agência.
A AEB alegou ainda que ampliou sua atuação nas atividades espaciais nos últimos anos, passando de uma participação “muito restrita” em pesquisa e desenvolvimento para “ser ator relevante em todos os segmentos da atividade espacial, exceto voos tripulados”.
“O Brasil passou a ter uma voz mais relevante no setor espacial mundial, principalmente em relação à novos desafios como, por exemplo, constelações de satélites e projetos na Lua. A Agência Espacial Brasileira emplacou um presidente de grupo temático dentro da ONU, no Comitê de Usos Pacíficos do Espaço Sideral – UNOOSA”, diz a AEB.
“A presença do Brasil no setor espacial é hoje mais reconhecida, na medida em que dentro do programa Artemis, o Brasil é o país Líder no segmento de países emergentes. Na primeira reunião das vinte e uma nações que aderiram ao Programa Artemis, o Brasil presidiu a reunião juntamente com a NASA e agência espacial europeia (CNES), que foi anfitriã. Após a reunião o Brasil passou a liderar o grupo de países emergentes que aderiram ao Artemis”, alega ainda a agência, que citou ainda a entrada no mercado internacional do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão.