Cédulas, fraudes e mais: como era a votação antes da urna eletrônica
Considerada um pilar da democracia brasileira, a urna eletrônica foi introduzida gradualmente a partir de 1996 e universalizada em 2000
atualizado
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As urnas eletrônicas, que por muitas vezes foram descredibilizadas e atacadas, voltam ao posto de protagonistas com a aproximação das eleições municipais de 2024.
Considerada um pilar da democracia brasileira, introduzida gradualmente a partir de 1996 e universalizada nas eleições municipais de 2000, a urna eletrônica trouxe rapidez, segurança e confiança ao processo eleitoral.
Mas, antes dessa revolução tecnológica, como era o processo de votação no Brasil?
Para contar a história pré-urna eletrônica, o Metrópoles consultou o acervo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e preparou uma reportagem explicando como o país se organizava para escolher seus representantes antes de 1996.
A era das cédulas de papel
Antes da adoção das urnas eletrônicas, as eleições no Brasil eram realizadas por meio de cédulas de papel. Este método, utilizado desde a Proclamação da República em 1889, envolvia a distribuição de cédulas impressas pelos próprios candidatos, especialmente nas primeiras décadas do século 20.
O processo eleitoral, no entanto, era suscetível a diversas formas de manipulação e fraudes, o que comprometia a confiança dos eleitores nos resultados.
Durante o período republicano, especialmente no final do século 19, os votos eram abertos e estavam sujeitos à influência de líderes políticos locais, conhecidos como “coronéis”. Estes, muitas vezes, controlavam o voto de seus eleitores, o que gerava distorções nos resultados eleitorais.
Foi somente a partir de 1945, com a reinstauração da Justiça Eleitoral, extinguida no período Getulio Vargas (Estado Novo), que o Brasil começou a trilhar um caminho mais democrático e a buscar formas de assegurar a legitimidade dos pleitos.
Evolução das urnas
Em 1955, foi instituída a cédula única para as eleições de presidente e vice-presidente da República, uma tentativa de padronizar e formalizar o processo de votação.
Juscelino Kubitschek foi o primeiro presidente eleito com as cédulas oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), marcando uma nova era na organização das eleições brasileiras.
Em 1962, a cédula única foi estendida a todas as eleições, tornando-se o padrão até a chegada das urnas eletrônicas. As cédulas de papel eram depositadas em urnas físicas, que também evoluíram ao longo do tempo.
Inicialmente, as urnas eram confeccionadas em madeira, um material pesado e de difícil manuseio. Essas urnas, utilizadas desde o período imperial até a década de 1950, possuíam uma abertura superior para a inserção dos votos e uma inferior para sua retirada, sendo trancadas com fechaduras para evitar manipulações.
Com o passar dos anos, as urnas de madeira deram lugar a modelos mais leves e fáceis de transportar, como as feitas de lona branca e marrom, introduzidas na década de 1950.
Essas urnas eram equipadas com zíperes e lacres de chumbo para garantir a segurança dos votos. A de lona marrom, por exemplo, tornou-se o único modelo utilizado a partir de 1974, consolidando-se como um símbolo das eleições no Brasil antes da era digital.
Fraudes
Apesar de a memória das cédulas de papel despertar nostalgia em algumas pessoas, o sistema estava longe de ser perfeito. A contagem manual dos votos era um processo demorado e propenso a erros e manipulações.
As “urnas grávidas”, por exemplo, eram uma das fraudes mais comuns. Neste tipo de fraude, cédulas já preenchidas eram inseridas nas urnas antes mesmo de serem disponibilizadas aos eleitores, adulterando os resultados.
Além disso, as cédulas mal preenchidas eram fonte de intensas discussões entre os fiscais das eleições. A interpretação dos votos era subjetiva e, em muitos casos, o voto acabava sendo anulado por falta de consenso.
O processo gerava tensões e desconfiança, com acusações mútuas de fraude entre os diferentes lados políticos.
Outro aspecto curioso e bizarro das cédulas de papel era a possibilidade de eleitores escreverem nomes de candidatos não oficiais como forma de protesto ou brincadeira.
Foi assim que figuras como o macaco Tião, do zoológico do Rio de Janeiro, e a rinoceronte Cacareco, do zoológico de São Paulo, quase “foram eleitos” em 1988 e 1959, respectivamente.
Transição para a urna eletrônica
A substituição das cédulas de papel pela urna eletrônica foi motivada por uma série de fatores. Além das frequentes fraudes, o sistema de cédulas representava um problema de acessibilidade para milhões de brasileiros.
Eleitores analfabetos e pessoas com deficiência visual, por exemplo, encontravam grandes dificuldades para exercer seu direito ao voto.
A urna eletrônica, com recursos como fones de ouvido e braile, trouxe inclusão e permitiu que esses eleitores finalmente pudessem participar de maneira plena no processo democrático.