Casos de coronavírus entre indígenas disparam 96% em um mês. Mortos são 633
Brasil já registra 22.325 casos em 148 etnias, diz entidade. Povos indígenas conseguiram vitória no Supremo, mas situação se agrava rápido
atualizado
Compartilhar notícia
Ao comemorar a vitória por unanimidade no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) da ação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) que exige do governo medidas emergenciais contra o coronavírus nas reservas, o advogado Luiz Henrique Eloy fez um alerta: “É o começo. Precisamos cobrar a eficácia dessa decisão”. A ressalva é importante num momento em que, independente do que tenham decidido os magistrados e das ações que o governo diz que já toma, os casos de Covid-19 entre povos indígenas estão em disparada.
Há um mês, segundo dados da própria Apib, que faz um acompanhamento diário desde o início da pandemia, eram 11.385 casos confirmados de coronavírus em membros de 122 etnias. Nessa quarta (5/8), a mesma Apib registrava 22.325 casos confirmados em 148 povos. É um aumento de 96% nos casos em um mês.
No mesmo período, segundo o acompanhamento da Apib, o número de mortos pela doença entre os indígenas cresceu 48%: de 426 para 633 vítimas.
O governo faz uma conta mais econômica do avanço do coronavírus entre os povos indígenas. Segundo o último boletim da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, o Brasil tem 16.840 casos confirmados e 300 mortos entre os povos originários.
A Apib questiona as contas oficiais e faz as suas próprias porque o governo contaria apenas os casos registrados entre indígenas que vivem em aldeias de reservas reconhecidas oficialmente, deixando de fora terras em processo de reconhecimento e indígenas que vivem em zonas rurais e urbanas. Para a entidade, o governo age para maquiar as estatísticas.
Xingu perde seu diplomata
Uma das mortes por Covid-19 registradas entre os indígenas foi a do cacique Aritana Yawalapiti, de 71 anos, uma das mais destacadas lideranças do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso, a primeira e maior reserva do país.
“É uma perda imensa. Com ele, se vai parte de uma cultura. O cacique Aritana, que para mim foi um irmão, era um dos últimos falantes da língua Yawalapiti. É um conhecimento que desaparece”, afirma o advogado Noel Villas-Boas, filho do lendário sertanista Orlando Villas-Boas (1914-2002), um dos grandes responsáveis pela idealização do parque do Xingu, criado em 1961 por decreto do então presidente Jânio Quadros.
“A morte de Aritana é um sintoma da triste realidade de que a Covid entrou no Xingu num cenário em que o governo é anti-indigianista, em que as políticas construídas por mais de um século estão sendo destruídas”, lamenta Noel, em conversa com o Metrópoles.
“Além de guardar a memória de sua língua natural, Aritana também falava português e outro quatro idiomas tradicionais indígenas. Era um grande defensor da luta pela preservação e perpetuação da cultura de seu povo para as novas gerações e constantemente denunciou o efeito do desmatamento no entorno do seu território, como extinção de peixes nos rios e contaminação das águas”, destacou nota divulgada pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
Xingu em números
Sete mil indígenas vivem na reserva do Xingu, que tem 2,6 mil hectares no norte de Mato Grosso. São 114 aldeias conhecidas e fortes indícios da presença de povos isolados.
A proteção aos isolados por meio de barreiras sanitárias é uma das exigências feitas pelo Supremo ao governo na decisão dessa quarta, tomada por 9 votos a 0. O julgamento ratificou uma decisão monocrática do ministro Luis Roberto Barroso de 8 de julho. A disparada nos casos registrada nesta reportagem, portanto, aconteceu mesmo com a decisão do Supremo.
Nas aldeias do Xingu, segundo os dados oficiais, há 136 casos confirmados de Covid-19 e 9 mortes.