Caso Marielle: Ministério Público pede pena máxima para réus
Depoimentos encerrados, a quinta-feira deve ter os debates entre acusação e defesa. Primeiro dia teve emoção com depoimento de familiares
atualizado
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O 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro retomou, nesta quinta-feira (31/10), o julgamento dos assassinos confessos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. É o segundo dia da apreciação do caso. A sessão teve início no Fórum Central do Rio às 9h20. Os jurados passaram a noite no prédio da Justiça para garantir a incomunicabilidade com terceiros.
Encerrada a fase dos depoimentos, o dia é de argumentações de acusação e defesa, bem como a votação por parte do júri que vai definir se os dois réus são culpados ou inocentes. À juíza caberá, em caso de condenação, efetuar a dosimetria da pena, ou seja, estipular por quanto tempo os dois ainda vão ficar presos.
Acompanhe aqui:
A primeira a falar foi a promotora Audrey Castro. “Esse fatos (do caso Marielle) não repercutem só no município do Rio de Janeiro, mas tem repercussão mundial. Tem uma coisa nesse processo, que o trouxe ao IV Tribunal de Justiça, e que o faz comum a muitos processos. Nele, foram praticados crimes dolosos contra vida”, afirmou.
O promotor Fábio Vieira classificou os executores confessos de Marielle, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, de “sociopatas”. “Confessaram porque estão arrependidos? Não. Confessaram, porque vão ganhar um benefício de alguma forma. Então, isso é uma característica do sociopata, eles não têm emoção em relação ao outro, eles não têm sentimento, não têm empatia”, destacou.
“Eles sabem o que é certo e o que é errado, mas eles não ligam para isso. Eles só ligam para as consequências, para o medo de serem punidos caso sejam pegos, como aconteceu. Para eles, não importa a vida. ‘Eu fui contrato para matar a Marielle, mas não me importa, porque eu vou receber dinheiro'”, afirmou Fábio.
Uma das assistentes de acusação do caso Marielle Franco disse que a representatividade da vereadora como mulher preta e LGBT em um local de poder incomodava; por isso, ela foi assassinada. Ela relembrou que, momentos antes de ser morta, a vereadora participava de um evento na Casa das Pretas, na Lapa, Rio de Janeiro, falando sobre a importância de mulheres negras assumirem cargos de poder.
“Marielle, nesse evento [realizado na Casa das Pretas], já se aproximando do fim, dizia assim: ‘Por 10 anos foi Benedita, por 10 anos foi Jurema, não dá para achar que vou ficar sozinha por mais 10 anos. Nós não temos 10 anos’. Marielle não teve nem 40 minutos, 40 minutos depois ela estava sendo executada com quatro tiros na cabeça. Essa é a urgência que Marielle vivia; por isso, ela incomodou tanto, ela mexeu com as estruturas”.
Vieira destaca que os executores de Marielle e Anderson eram pessoas treinadas e presentes nas Forças Armadas do estado do Rio de Janeiro.
“Pessoas que foram forjadas pelo próprio estado, com o nosso dinheiro, pessoas que aprenderam sua perícia na condução e nos disparos de armas de fogo nas fileiras das próprias agências de segurança, [pessoas] que ceifaram a vida de Marielle e Anderson e miraram na cabeça de Fernanda”, afirmou o promotor Fábio Vieira.
O morador de rua Natan Netuno também prestou depoimento: “Colocou mão para fora e atirou. Quando emparelhou, virou e atirou várias vezes contra o carro branco. O braço era tão grande. Parecia uma perna”.
Defesa dos réus
O espaço para as falas de ambas as defesas começou às 12h33. O advogado de Lessa, Saulo Carvalho, acatou a condenação do cliente dele, mas “de forma justa”.
“No julgamento de hoje, eu peço a condenação de Ronnie Lessa. Que ele seja condenado de uma forma justa. Que ele responda na medida de sua culpabilidade, do que ele fez e do que ele não fez. […] O que seria essa forma justa? Ronnie foi denunciado pela prática do homicídio contra a vereadora Marielle Franco por motivo torpe, e eu ouso discordar da acusação, porque não há nos autos a atuação de Ronnie Lessa, pesquisas de Ronnie Lessa contra a vereadora Marielle Franco em seu sentido político […] Fica evidente que ele não comeu o crime por uma atuação política da vereadora Marielle, foi por uma questão de terrenos, ele ia receber lotes”, declarou.
Motivo torpe é aquele considerado imoral, vergonhoso, repudiado moral e socialmente, algo desprezível.
A defesa de Élcio Queiroz apresentou a história de vida do ex-policial e a relação dele com Ronnie Lessa, argumentando que a culpa do cliente dele seria menor, pois o réu apenas dirigiu o carro usado na execução no dia do duplo homicídio. “Élcio, ao dirigir o veículo acreditava que Ronnie mataria somente Marielle”, argumentou a advogada Ana Paula.
A defensora também pediu que Élcio seja “condenado na medida de sua culpabilidade”. “Ele narrou os fatos e tem o compromisso de falar a verdade”, alegou.
“Se não fosse a colaboração de Ronnie Lessa, nunca teriam chegado aos mandantes”, conclui a defesa dos acusados.
As falas das defesas terminaram às 14h25. Agora, o Tribunal do Júri faz pausa de 1h para almoço.
Ministério Público diz que motivação “está muito bem demonstrada”
Recomeça o julgamento às 14h39. O Ministério Público terá a palavra por duas horas.
“Nunca o MP [Ministério Público] deixou de trabalhar. Nunca se deixou de ter empenho”, diz promotor.
O integrante do MP explica ao júri alguns conceitos sobre criminalidade. “Costumo dizer o seguinte: existe um percentual, isso não é estabelecido por mim, mas por estudiosos, de sociopatas. Geralmente, 4% das pessoas e, desses 4%, 0,5% é capaz de matar. Mas multiplicados por milhões, aqui é uma cidade grande, tem muita gente por aí capaz de matar por dinheiro”, disse o promotor.
Sobre os depoimentos dos acusados, o promotor de Justiça foi contundente ao rechaçar a linha da defesa dos réus, que se dizem arrependidos, após terem cometido o crime. “Que arrependimento é esse com algo em troca? Vocês já pediram arrependimento a alguém e disseram: ‘Quero seu perdão se me der alguma coisa em troca’? Porque foi isso que eles fizeram. Eles são réus colaboradores. Eles não vieram e se arrependeram. Eles vieram ao Ministério Público e pediram algo em troca para falar o que falaram”, concluiu o promotor.
O MP também disse que a motivação está “muito bem demonstrada”. “A motivação não está provada com base na confissão deles. A motivação está muito bem demonstrada. Foram ouvidas diversas testemunhas”, afirmou.
Ao se dirigir ao júri, o promotor afirma: “Qualquer tipo de misericórdia que for admitida, eles tomarão como incentivo. Se os senhores não querem que familiares sejam vitimados, não querem estar numa sociedade na qual valores são subvertidos… A morte, a barbárie, vira trabalho. Incontáveis vidas destruídas são besteiras que eles fazem. Se os senhores permitirem qualquer tipo de benesse aqui hoje, eles tomarão isso como incentivo”.
É anunciado intervalo no júri aproximadamente às 16h30.
Na volta do intervalo, as defesas apresentaram a tréplica. A advogada de Élcio afirmou que o cliente não sabia que a vítima do crime seria Marielle. Logo em seguida, foi encerrada a fase dos debates.
A juíza indagou os jurados se estes estavam prontos para poder decidir sobre o caso. Na sequência, ela pediu que a transmissão fosse interrompida, por volta das 16h50.
Primeiro dia de julgamento
Na quarta-feira (30/10), foram apresentados os depoimentos de membros da equipe de investigação; da viúva do motorista Anderson Gomes, Agatha Arnaus; da viúva de Marielle, Mônica Benício; a mãe de Marielle Franco, Marinete da Silva; a ex-assessora de Marielle, Fernanda Gonçalves Chaves; e os executores, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz.
As perguntas foram feitas pelos representantes do Ministério Público, assistentes de acusação e a defesa dos réus. A primeira pessoa a prestar esclarecimentos foi a assessora de Marielle, Fernanda Chaves. De forma remota, ela deu detalhes do que sentiu na cena do crime.
“Eu não enxergava direito, meu corpo inteiro ardia, eu não sabia se estava ferida ou não. E eu olhava para a Marielle lá dentro, e queria acreditar que ela estava viva, que ela estava desmaiada, até porque eu saí tão inteira dali que não imaginei que ela pudesse estar morta”, disse.
A mãe de Marielle, Marinete da Silva narrou parte da vida da filha. Marinete disse que a filha teve uma infância feliz e que a família focou na educação. Ela acrescentou ter orgulho da história da filha e ressaltou a importância de a justiça ser feita. “É inadmissível que a gente não tenha um desfecho disso aqui que a gente está tendo hoje”, afirmou.
Viúva de Marielle, Mônica Benício, falou dos planos de Marielle, do desejo de ambas de se casarem com uma festa, e que pensou em tirar a própria vida após a perda da companheira. Assim como a mãe da vereadora, ela cobrou justiça.
“Dentro do que é possível, espero que se faça a justiça que o Brasil, o mundo espera há 6 anos e 7 meses, porque isso é importante também, não só para o símbolo, mas para a Marielle, defensora dos direitos humanos, e para a família do Anderson, para que possamos dar o exemplo de que crimes como esses não podem existir”, exclamou.
A viúva de Anderson, Agatha Arnaus, cria um filho com deficiência e descreveu as dificuldades que enfrenta sozinha, desde o assassinato do marido. A mulher disse que sem o pai, o filho passa por sofrimento. “Eu tenho certeza de que a ausência do Anderson impactou o desenvolvimento do Arthur. A primeira palavra que ele falou foi ‘papai’.”
Agentes da Polícia Civil (PC) e da Polícia Federal (PF) deram detalhes da investigação do caso. O agente da polícia federal Marcelo Pasqualetti, afirmou que, ao terem conhecimento dos indícios apurados na investigação, Élcio e Lessa perceberam que não havia saída para eles. “Estava bem evidente a participação deles, não tinham outra saída a não ser fazer a colaboração”, disse.
Ronnie Lessa
O depoimento de Lessa, prestado remotamente, confirmou a versão dada por ele para o crime na delação premiada que firmou. Ele disse que Edmilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé, foi quem falou do “serviço”.
O valor oferecido para assassinar Marielle foi de R$ 25 milhões, segundo ele. Lessa disse que convidou, no réveillon de 2017 para 2018, Élcio Queiroz para a prática do delito, pois este, afirmou ele, estaria passado por dificuldades financeiras e que pretendia ajudar o amigo.
Lessa disse que, embora tenha chamado Élcio para cometer o crime meses antes, não expôs a ele qual seria o alvo, pois tinha medo de que o amigo falasse inadvertidamente sobre o que planejavam fazer. Segundo Lessa, Élcio foi informado de quem seria a vítima apenas no dia do crime.
Élcio Queiroz
Élcio Queiroz confirmou os fatos narrados por ele na delação premiada, destacando principalmente a dinâmica dos fatos. O réu reafirmou a amizade de longa data com Lessa, e que no dia do crime, na porta do local onde havia a reunião de Marielle, viu que a hora do assassinato estava próxima. Segundo Élcio, Lessa disse: “Você vai ter que me ajudar”. “Ele foi abrindo a bolsa, tirou a arma e colocou a jaqueta”, narrou.
Diferente do que disse Lessa, o réu contou que só soube do crime no dia do fato. Segundo ele, Lessa o teria chamado para realizar um “trabalho”. Por outro lado, disse saber do envolvimento de Lessa em atividades criminosas.
Questionado pelo Ministério Público porque não freou o carro que dirigia durante a perseguição que fazia ao carro onde estava Marielle, ele disse que não poderia fazer um “refugo”, pois se tornaria um alvo, ou seja, estaria marcado para morrer.
Mandantes
Os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão são acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de serem os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco, que, consequentemete, resultaram no homicídio de Anderson Gomes. Eles negam envolvimento. O caso dos mandantes corre em separado no Supremo Tribunal Federal (STF).
O objetivo dos irmãos Brazão era para impedir que a vereadora continuasse prejudicando os interesses dos dois, desde nomeações para o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) até a regularização de loteamentos irregulares em áreas dominadas por milícias na zona oeste do Rio de Janeiro.
No processo, além dos irmãos, foram denunciadas mais três pessoas: dois policiais que atuavam para a dupla e o ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro Rivaldo Barbosa.