Casal gay perde de vez guarda provisória de bebê em Goiás
Ao Metrópoles, enfermeiro e gerente confirmaram em primeira mão que não vão recorrer da decisão, mas mantêm vivo sonho pela paternidade
atualizado
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Por unanimidade, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) confirmou liminar que retirou de um casal homoafetivo e repassou a uma dona de casa e o marido a guarda provisória de uma bebê, em Pirenópolis, a 123 km de Goiânia. A criança estava em situação de vulnerabilidade na convivência com a mãe biológica, dependente química.
O julgamento foi realizado na noite de terça-feira (6/4), oito dias após a bebê completar 1 ano de idade.
O caso tramita em segredo de Justiça, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Os nomes da bebê e do casal que tem a guarda provisória, uma dona de casa e um bombeiro militar, não foram divulgados para preservar a integridade da criança.
A expectativa é de que o julgamento marque o fim de uma guerra de duas famílias que tentavam obter a guarda provisória da criança, para concluir o processo de adoção dela. O colegiado do TJGO acompanhou voto do relator do caso, desembargador Gerson Santana Cintra, que havia concedido a liminar para retirar a bebê do casal homoafetivo.
“Levar tanta pancada”
Em entrevista ao Metrópoles, o enfermeiro Juliano Peixoto de Pina, de 38, e o gerente de pousada Johnatan Pereira de Araújo Peixoto, de 41, afirmaram que não vão recorrer contra a nova decisão. “A gente entrou em um acordo, de que a decisão tomada em segunda instância permaneceria”, disse Pina. Eles vivem juntos há 12 anos.
“Para que o sonho da paternidade não morra, a gente tomou a decisão de não mais insistir, porque senão a gente iria levar tanta pancada daqui a não sei qual tempo [até ser julgado recurso], e esse sonho de paternidade poderia esmorecer e enfraquecer”, disse o enfermeiro.
Ele ressaltou que o mais importante, ao tomarem a decisão, foi pensar no bem-estar da criança.
Por decisão liminar de Cintra, o casal homoafetivo devolveu, há seis meses, a bebê para a dona de casa e o esposo, que alegaram ter construído laço afetivo com a criança desde que ela nasceu.
O desembargador reverteu ordem da juíza Aline Freitas da Silva, da comarca de Pirenópolis.
Convivência
Durante 13 dias, a criança conviveu com o enfermeiro e o esposo, de 24 de setembro a 6 de outubro de 2020, depois de a magistrada conceder a guarda provisória a eles, já que estavam há seis anos na fila de espera do Sistema Nacional de Adoção (SNA), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Advogada da dona de casa e do bombeiro, Janaina Mathias Guilherme ressaltou que a nova decisão considerou vínculo afetivo da bebê com clientes e os três filhos deles.
Além disso, segundo ela, o casal que tem a guarda provisória também mantém o vínculo da criança com os quatro irmãos biológicos da criança, que estão sob os cuidados de outros moradores da cidade.
“Seria crueldade”
Os desembargadores entenderam que a bebê já está adaptada à família da dona de casa e do bombeiro militar. Eles, inclusive, provaram ter custeado o tratamento médico da criança, com problemas desde o nascimento porque a mãe biológica usou drogas durante a gestação.
“Essa decisão mostra que prevaleceu o direito da criança à estabilidade e ao desenvolvimento moral, social e psicológico digno. Retirar uma criança com 1 ano de idade de um lar, em fase de oralidade e pleno desenvolvimento de fala, seria crueldade”, asseverou a advogada.
À Justiça, a dona de casa e o bombeiro reforçaram que a bebê mora com eles desde que nasceu, em março de 2020. No ano passado, segundo a advogada, os dois foram instruídos pelo conselho tutelar de Pirenópolis a assinar termo de responsabilidade de convivência com a criança, conforme registrado de 16 de julho a 22 de setembro de 2020 do ano passado.
Foi exatamente esse documento que abriu a guerra judicial, porque seria destinado à formalização de “família acolhedora”, que é conhecida por apenas ficar com uma criança ou adolescente, temporariamente, sem passar pelo trâmite formal de adoção, aguardando na fila de espera, conforme prevê portaria do CNJ.
Como a dona de casa tinha assinado o documento e não estava na fila do SNA, a juíza entendeu que o direito à guarda da criança deveria ser concedido ao casal homoafetivo, por preencher os critérios legais.
“Sonho do bebezinho”
O município de Pirenópolis não tem abrigo para crianças nem lei que regulamente a família acolhedora, essencial para que esse acolhimento tenha amparo formal. A prefeitura e o conselho tutelar não se manifestaram.
“Agora, eu e meu marido vamos tentar adotar criança com acolhimento institucional, talvez um pouco tardio. O sonho do bebezinho não é mais realidade única”, disse o enfermeiro, ressaltando que ele e o companheiro estão dispostos à adoção de criança ou adolescente.
No entanto, eles acreditam que a situação gerou muita insegurança em diversas pessoas que estão na fila do Sistema Nacional de Adoção, mas, segundo ele, sem a garantia de que serão contempladas, mesmo quando seguirem as regras estabelecidas pelo CNJ.
O quarto que o casal homoafetivo havia montado para a bebê na casa dele vai seguir intacto, como forma de manter aceso o sonho pela paternidade. Os dois chegaram a criar uma petição on-line, que colheu mais de 12,6 mil assinaturas a favor deles.
“Mas, agora, pode ser recém-nascido ou criança maior. Pode ser apenas um ou irmãos”, contou o enfermeiro, ressaltando a torcida para que a bebê tenha vida longa e cheia de saúde, mesmo longe dele e seu esposo. “A prioridade sempre foi o bem-estar dela”.
Por causa da nova decisão do TJGO, a juíza de Pirenópolis deverá reavaliar o caso para conceder, ou não, a guarda definitiva da bebê para a dona de casa e o bombeiro.