Capital “mais cultural”, Florianópolis é 4ª que menos usou recursos da Lei Aldir Blanc
A cidade recebeu R$ 3,3 milhões para aplicação da lei de auxílio ao setor cultural do país. Desse montante, apenas 56,1% foram utilizados
atualizado
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Apesar de possuir proporcionalmente a maior população de todo o país trabalhando no setor da cultura, a cidade de Florianópolis (SC) ocupa apenas o 24º lugar entre todas as 27 capitais do país que receberam da União recursos para aplicação da Lei Aldir Blanc – é a quarta, portanto, com menos recursos. A legislação surgiu com o objetivo de auxiliar trabalhadores do setor e espaços culturais brasileiros durante a pandemia da Covid-19 no país.
Além disso, a capital usou apenas 56,1% dos recursos destinados pelo governo federal para o pagamento do auxílio da cultura e, agora, comemora a sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em projeto aprovado no Congresso para poder usar o restante.
Com 10,4% de sua população trabalhando, como formais e informais, em atividades culturais, segundo o IBGE, a capital catarinense – que tem cerca de 510 mil habitantes – recebeu pouco mais de R$ 3,3 milhões. São Paulo (12,4 milhões de moradores) e Manaus (2,2 milhões) possuem 9% de toda sua população trabalhando no setor e receberam R$ 70,9 milhões e R$ 14,1 milhões, respectivamente.
Os critérios para transferências de recursos, segundo o texto da lei, obedecem à porcentagem de 50% para estados e Distrito Federal, dos quais 20% seguem os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal, e 80% proporcionalmente à população. Os outros 50% foram aos municípios e também ao DF, com 20% dos recursos destinados segundo o Fundo de Participação dos Municípios e 80% proporcionalmente à população.
Apenas R$ 1,4 milhão foram usados pela prefeitura de Florianópolis. A situação faz da cidade catarinense a 4º entre as 27 capitais que menos usufruíram do dinheiro que deveria ser destinado ao setor da cultura, um dos mais atingidos pela pandemia do novo coronavírus.
A baixa execução, no entanto, tem sido comum em todo o país. Como mostrou o Metrópoles, 10 meses após Bolsonaro sancionar a Lei Aldir Blanc, 914 municípios país ainda não usaram um centavo dos recursos transferidos pelo governo federal para o pagamento do auxílio emergencial aos profissionais da cultura. Cerca de R$ 734 milhões ainda estão parados nos cofres públicos das prefeituras e governos estaduais.
Coordenador do grupo Pescadores de Cultura e do bloco de carnaval Associação Cultural Baiacu de Alguém, Nelson Brum Motta ajudou artistas de Florianópolis no cadastro da Lei Aldir Blanc. Ele avalia que houve “desleixo, despreparo e lentidão” por parte da prefeitura municipal durante o pagamento do benefício. Na cidade, os trabalhadores da cultura começaram a receber o auxílio apenas em dezembro do ano passado.
“Muita gente ficou de fora. O setor da cultura popular, do artesanato, praticamente não teve acesso. Tem muita gente passando necessidade e até fome.”, lamenta Motta.
Foi essa mesma burocracia que fez o músico e compositor André Berté, de 45 anos, desistir de pedir o auxílio emergencial da cultura.
“Pediram certidão negativa de débito. Essa questão é meio complicada, pois [com] tanto tempo sem remuneração, as coisas foram ficando para trás. Existe um excesso de burocracia; a Aldir Blanc não pode nem ser chamada de ‘auxílio emergencial'”, afirma.
Para Frederico Barbosa, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a dificuldade maior encontrada pelas unidades federativas é na execução da lei e na distribuição dos recursos.
“Existem algumas cidades que nem conseguiram solicitar o recurso por falta de equipamentos de cultura municipais”, afirma o pesquisador que complementa: “Devido à falta de investimentos em pesquisa no setor, o critério para distribuição de recursos foi sem um ‘conhecimento cultural do país'”.
Ao Metrópoles, o superintendente da Fundação de Cultura de Florianópolis, Fábio Botelho, admite a lentidão na execução da Lei Aldir Blanc. Ele conta ter assumido a presidência da pasta – que funciona de forma semelhante a uma Secretaria Municipal de Cultura – em fevereiro deste ano, “por conta de alguns erros nos processos”.
“O prefeito não concordou com a morosidade. O que aconteceu foram questões internas. Demoraram para achar a melhor modalidade e como seriam utilizados esses recursos. Aconteceu, na época, uma certa disputa entre Conselho e Fundação. O fato é que o dinheiro ficou parado”, explica o superintendente.
Botelho afirma, porém, que essas dificuldades não irão se repetir na atual gestão.
O texto aprovado no Congresso permite que estados, Distrito Federal e municípios usem, até 31 de dezembro deste ano, o saldo remanescente do dinheiro transferido para ações emergenciais de renda e projetos culturais. O que não for utilizado em 2021 deverá ser devolvido à União até janeiro de 2022.
“Estamos com o novo edital da Aldir Blanc pronto e vamos usar 100% dos recursos. A gente não vai cometer o mesmo erro agora. Vamos fazer um chamamento, com concurso de projetos técnicos por segmento. A gente não está olhando no retrovisor, e resgatamos aqui o dialogo com o Conselho”, afirma o superintendente da Fundação de Cultura.