Candidatura coletiva é estratégia para frear desigualdades na política
Com sub-representação no Congresso e em câmaras estaduais, mulheres, negros, LGBTI+ e indígenas buscam formas de “hackear” sistema eleitoral
atualizado
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Grupos historicamente com baixa representação nas casas legislativas estão buscando nas candidaturas coletivas uma alternativa para alcançar votos e ampliar a representatividade de mulheres, negros, população LGBTI+, indígenas e pessoas com deficiência em espaços políticos.
As candidaturas coletivas se configuram como uma estratégia eleitoral em que é formada uma chapa com vários candidatos, mas apenas um é registrado formalmente às urnas. Se eleito, o mandato é gerido de forma colaborativa entre co-deputados ou co-vereadores.
Apesar desse ser o modelo mais comum, a modalidade ainda está em processo de experimentação e pode se apresentar de diferentes maneiras.
O movimento tem ganhado força nas últimas eleições. Um levantamento da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) mapeou 313 candidaturas coletivas nas eleições municipais de 2020. Em 2018, nas federais, foram apenas 28.
Apesar do número de candidatos a vereador, naturalmente, ser maior que o de deputados federais e estaduais e senadores, a grande disparidade aponta para uma tendência de aumento também no pleito deste ano.
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Uma das características dessas candidaturas é que elas se concentram, em sua maioria, nos partidos de esquerda. Evorah Cardoso, professora, ativista e integrante do #VoteLGBT, explica que essa predominância ocorre porque a estratégia surgiu dentro dos movimentos sociais, alinhados principalmente a esse espectro.
“É uma inovação política dos movimentos sociais, que envolvem mulheres, o movimento negro e o movimento LGBTI+. É uma estratégia pra hackear, vamos dizer assim, o sistema eleitoral”, avalia.
Superando barreiras
Para Cardoso, a estratégia tem se mostrado um importante artifício diante das dificuldades que as candidaturas de grupos subrrepresentados enfrentam durante a campanha, entre elas, a questão da falta de financiamento.
Um estudo do #VoteLGBT mostrou que os partidos investem, em média, apenas 2% do teto de gastos em candidaturas de pessoas LGBTI+.
Karin Vervuurt, co-fundadora e diretora-presidente do projeto Elas no Poder, enumera mais uma série de entraves: “Existe a barreira do conhecimento, treinamento, acesso, networking político”, elenca.
“As candidaturas coletivas são uma maneira criativa de você ultrapassar essas barreiras. Então, com mais pessoas envolvidas na campanha é mais fácil, por exemplo, falar com mais eleitores”, pontua.
De acordo com Evorah Cardoso, ganho maior das candidaturas coletivas não está na captação de recursos, mas na soma desse capital de mobilização social. “É o quanto que esses integrantes trazem de mobilização. Quanto que eles têm de atuação voluntária, com capilaridade territorial, presença genuína na vida das pessoas”, detalha a professora.
O diretor-executivo do Instituto Pólis, Henrique Frota ressalta que a desigualdade em relação a essas populações é histórica. Ele destaca três pontos fundamentais para a mudança desse cenário: a distribuição de recursos de forma mais equitativa; avanço de iniciativas para exercer a política de maneira coletiva e transparente e, por fim, a melhor organização política dos movimentos identitários.
“Os parlamentos que sejam e que consigam espelhar melhor a diversidade da população brasileira têm um potencial de serem parlamentos que consigam se conectar melhor com as necessidades da população”, defende.
Falta regulamentação
Apesar do notório aumento, a prática ainda não é reconhecida pela Justiça Eleitoral.
“Tanto uma candidatura quanto um mandato coletivo nada mais é que um acordo político entre um candidato/mandatário e um conjunto de pessoas e seus eleitores que têm a expectativa que o mandato seja exercido de maneira horizontal e compartilhada”, esclarece Leonardo Secchi, professor de Administração Pública da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) .
Ou seja: aquele que é filiado ao partido e reconhecido legalmente como eventual legislador empossado é apenas a pessoa que teve seu nome aprovado em convenção partidária e número na urna de votação. “Os demais co-parlamentares dependem da manutenção da promessa de compartilhamento do mandatário”, continua Secchi.
Karin Vervuurt reconhece que, apesar de positiva, a iniciativa traz inseguranças jurídicas diante da falta de regulamentação. “As outras pessoas que estão nessa candidatura ficam numa insegurança porque não existe, juridicamente falando, nada que comprove que elas são mandatárias”, considera.
Ela usa como exemplo dessa insegurança o caso de um parlamentar que eventualmente venha a sofrer violência política.
“Se você é mandatária e está sofrendo violências, ataques, tem acesso a uma proteção jurídica do estado. Mas se acontecer alguma coisa com as outras pessoas do mandato coletivo, você não tem esse suporte do estado.”
Já tramitam no Congresso Nacional uma série de projetos de lei e uma proposta de emenda à constituição para que a modalidade passe a ser prevista na legislação eleitoral. No ano passado, uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizou a indicação da candidatura coletiva no nome de urna.
Desafios
Evorah Cardoso pontua que um dos principais desafios para esta eleição é a diminuição no número de nomes que as federações podem indicar após a última reforma eleitoral. Com a nova lei, as federações — quando dois ou mais partidos foram uma aliança permanente — têm que atuar como uma sigla só, o que na prática, significa uma redução no número de candidatos por sigla.
Neste ano, foram formadas três federações: Brasil da Esperança, com PT, PCdoB e PV; PSDB-Cidadania; e Rede-PSol. São justamente os partidos em que estão concentradas, em sua maioria, as candidaturas dos segmentos minorizados. A ativista teme que essa diminuição afete a indicação de candidatos LGBTI+ às urnas.
“A probabilidade de eles [partidos] escolherem — se eles forem escolher alguma candidatura coletiva, algum LGBT — pode ser que seja só pela representação, mas não pela representatividade. Representação é ter o corpo lá. Representatividade é você defender a pauta. É ter o corpo e defender as pautas”, finaliza.
Diante do cenário, o #VoteLGBT criou um canal para pressionar os partidos a indicarem nomes da comunidade às urnas. O prazo para registro das candidaturas se encerra em 15 de agosto.