Cabo do Exército desmata, é multado e depois tenta vaga no ICMBio
Militar devastou 26,8 hectares em reserva do ICMBio no Acre. Ainda assim, tentou se tornar servidor do próprio órgão, mas acabou reprovado
atualizado
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Um cabo do Exército Brasileiro (EB) foi multado em R$ 270 mil por desmatar uma reserva extrativista no Acre, ao mesmo tempo em que tentava se tornar brigadista para… combater incêndios florestais.
Leandro Ferreira Barros, de 28 anos, foi alvo da Operação Tabatinga, que identificou uma área desmatada de 26,8 hectares no Seringal Paraguaçu, na Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, em Brasileia (AC). A área equivale a cerca de 37 campos de futebol.
O Metrópoles teve acesso ao processo de infração ambiental que corre no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O órgão cuida das unidades de conservação (UC) do país e é o mesmo para o qual o militar tentou entrar como servidor. Leandro, no entanto, foi reprovado, mas não pela devastação da imensa área: não apresentou toda a documentação necessária.
O auto de infração foi lavrado em 25 de junho deste ano. Nesse mesmo dia, Leandro prestou depoimento à Polícia Federal (PF). O desmate teria sido realizado com o objetivo de transformar o solo em pastagem para criação de gado.
A Resex é de domínio público, e os moradores cadastrados e autorizados possuem o direito de uso. O contrato de concessão de direito real de uso (CCDRU) garante ao morador o direito legal pleno de usufruir dos recursos naturais da floresta, bem como estipula o dever de preservá-los para as futuras gerações.
Segundo o relatório de fiscalização, porém, o militar não tem licença para desmate – que está em desacordo com o objetivo e uso de criação da unidade.
O edital de processo seletivo do ICMBio previa a contratação de agentes temporários ambientais para o Núcleo de Gestão Integrada do instituto. Os servidores contratados atuam em apoio às ações de conservação da biodiversidade e gestão das unidades de conservação federais desenvolvidas pelo órgão.
Leandro se inscreveu para ser agente de apoio ao monitoramento ambiental. A pré-seleção foi realizada em 1º de julho deste ano, em Epitaciolândia (AC). O cabo do Exército, contudo, não foi aprovado. Ele ainda tentou recorrer da decisão, ao alegar não concordar com a pontuação final, pois teria apresentado toda a documentação e “tirou excelente nota no TAF/Thufa [Testes de Aptidão Física e de Habilidade no Uso de Ferramentas Agrícolas]”.
Após a análise de recursos do processo seletivo, em 27/7, o ICMBio indeferiu o recurso apresentado.
Desmate na Resex Chico Mendes
A Reserva Chico Mendes figura entre as unidades de conservação (UC) mais desmatadas no país. Dados levantados pelo Metrópoles com o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélites (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostram que, de 2008 até o ano passado, a área perdeu 302,7 quilômetros quadrados (km²) de floresta devido a desmatamentos. Isso equivale a 3,2% de toda a reserva florestal.
O desmate na Resex cresceu, sobretudo, no governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), atingindo níveis recordes – assim como tem ocorrido com o restante da Amazônia. Só em 2019, a área desmatada na UC foi de 75,9 km² e em 2020, 59,17 km². Foram os dois anos com os piores resultados da série histórica.
Outro lado
Leandro foi procurado, por telefone e por mensagem via aplicativo, no início da tarde desta sexta-feira (22/10). A reportagem não conseguiu completar as ligações, e as mensagens com os questionamentos não foram recebidas pelo militar. No sábado (23/10), ele se limitou a dizer que, “na verdade, eles falam em 26 hectares, mas não dá nem 10”.
O Exército Brasileiro e o ICMBio têm sido procurados por e-mail desde 14 de agosto, mas não retornaram os contatos. O Ministério da Defesa chegou a afirmar que a Força estaria responsável pela demanda.
Hoje, ao consultar o Portal da Transparência, o nome de Leandro Ferreira Barros não aparece mais no sistema.
Em nota, a Controladoria-Geral da União (CGU) explicou que, sobre a indisponibilidade da ficha de detalhamento do servidor, a consulta “Servidores e Pensionistas” retorna os resultados a partir dos dados cadastrais do último arquivo de origem atualizado.
“No caso dos servidores militares, o último arquivo recebido e disponível no Portal da Transparência é de junho de 2021, conforme informado na seção Origem e Atualização. Desse modo, como o servidor Leandro Ferreira Barros não consta neste arquivo, sua ficha deixou de ser exibida na consulta on-line detalhada. A última informação sobre o referido servidor militar, no Portal da Transparência, é de maio de 2021”, ressaltou.
O Exército foi questionado se Leandro Ferreira Barros segue servidor do Exército Brasileiro.