Brumadinho: laudo aponta problemas de drenagem e erosão em barragem
Técnicos, presos no dia 29, apontaram 15 pontos que exigiriam atenção, como necessidade de novo radar e medidores de pressão
atualizado
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O relatório da consultoria alemã Tüv Süd, que atestou a estabilidade da barragem que rompeu em Brumadinho (MG), mostra que a base da estrutura estava no limite de segurança previsto pelas normas do país. Em visita a campo, a equipe encontrou 15 pontos que exigiriam atenção, como necessidade de um novo radar e medidores de pressão na estrutura. O documento foi concluído em agosto de 2018. A Vale disse que fazia inspeções constantes – a última em 22 de janeiro, três dias antes do colapso. Nesta terça-feira (5/2), os trabalhos de buscas pelas vítimas da tragédia foi retomado diante do tempo bom.
O documento foi apresentado pelo advogado Augusto de Arruda Botelho, que defende os dois técnicos da empresa presos pela investigação no dia 29, o coordenador do projeto, Makoto Namba, e o consultor em geotécnica André Jum, e mostra que os profissionais fizeram uma série de recomendações à Vale sobre a barragem, mas atestaram a segurança.
Na semana passada, a Justiça decretou a prisão temporária por 30 dias de Namba e Jum por suspeita de homicídio qualificado, crime ambiental e falsidade ideológica. Três funcionários da Vale – César Augusto Grandchamp, Ricardo de Oliveira e Rodrigo Arthur Melo – também foram detidos. Segundo balanço dessa segunda-feira (4), o total de mortos na tragédia era de 134, e o de desaparecidos, 199.
O documento de 265 páginas, elaborado com base em informações fornecidas pela Vale, análises técnicas e vistorias de campo, indica que a apresentação inicial aconteceu em novembro de 2017. A partir daí, foram feitas reinterpretações de ensaios, inclusão de medidas e revisão de dados entre maio e agosto de 2018.
O material mostra que a estabilidade do alteamento estava no limite de segurança pelas regras do país para estruturas desse tipo. Em uma escala onde o fator mínimo de segurança é 1,50, a base da barragem foi registrada como de fator 1,60. “O desempenho se encontra adequado, atendendo às exigências das normas brasileiras”, afirma a consultoria.
Veja vídeos do momento da tragédia:
Entre as medidas recomendadas, estava a instalação de novo radar para monitorar deslocamentos em frente à barragem – que poderia ter garantido o acionamento das sirenes. Outra sugestão é implementar um conjunto adicional de medidores de pressão (os piezômetros) em “locais estratégicos”. Além disso, recomendam um conjunto de obras de contenção. Apesar de todas recomendações, a Tüv Süd atestou a segurança da barragem.
O relatório também destaca que a Vale não forneceu informações completas à consultoria. A barragem começou a ser construída em 1976 e recebeu 10 alteamentos sucessivos de 1982 a 2013. Os técnicos da consultoria receberam dados sobre os alteamentos feitos só a partir de 2003, quando a Vale assumiu a estrutura, que antes pertencia à Ferteco.
“Grande parte da informação oferecida se refere aos últimos alteamentos, sendo que, para o dique de partida e os alteamentos iniciais, as informações disponíveis não são confiáveis ou inexistem, em especial no que diz respeito aos sistemas de drenagem interna e caracterização física e mecânica dos materiais”, afirma o relatório, na página 84.
“Queremos mostrar que a prisão deles é ilegal e desnecessária, tomada com base em elementos prévios e incompletos. Os dois técnicos fizeram um trabalho extenso, de acordo com as normas internacionais”, diz o advogado de Namba e Jum, fundadores da consultoria no Brasil, vendida para o grupo alemão há cerca de cinco anos.
Nessa segunda (4), os cinco presos pelo desastre de Brumadinho entraram com pedido de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O Tribunal de Justiça de Minas negou liberdade a eles nesse fim de semana.
Mineradora
Procurada, a Vale informou que a barragem tinha todas as declarações de estabilidade aplicáveis e passava por constantes auditorias externas e independentes. Havia inspeções quinzenais, reportadas à Agência Nacional de Mineração (ANM), sendo a última de 21 de dezembro de 2018.
Conforme a mineradora, a estrutura passou também por inspeções em 8 e 22 de janeiro, com registro no sistema de monitoramento da Vale. As providências técnicas recomendadas vêm sendo normalmente executadas. A mina, diz a empresa, era monitorada por 94 piezômetros e 41 INAs (Indicador de Nível D’Água). As informações dos instrumentos eram coletadas periodicamente e os dados, analisados pelos geotécnicos responsáveis. Dos 94 piezômetros, 46 eram automatizados.
A companhia frisou que não tem nenhuma barragem no país com nível alto de risco, “classificado segundo dois critérios previstos” em portaria da ANM, “categoria de risco e dano potencial associado”.
Veja imagens da tragédia:
Água
A Vale informou nessa segunda (4) que duas membranas de contenção de rejeito instaladas no Rio Paraopeba já estão em operação. Elas foram colocadas para proteger o sistema de captação de água em Pará de Minas, que fica a cerca de 40 quilômetros de Brumadinho. As membranas têm 30 metros de comprimento e até 3 metros de profundidade. Funcionam como um tecido filtrante, evitando a dispersão das partículas sólidas, como argila e matéria orgânica. A turbidez da água no local tem preocupado especialistas.
Estruturas dão sinais antes de ruir, afirmam especialistas
Apontado como a causa da tragédia de Brumadinho, o fenômeno da liquefação do solo é conhecido, calculável e evitável, segundo engenheiros e geólogos ouvidos pelo Estado. Todo projeto de engenharia de barragens, dizem, deve levar em consideração essa possibilidade. Segundo eles, o monitoramento bem feito é imprescindível à segurança dessas estruturas.
Os rejeitos de uma barragem de minério são compostos, basicamente, de ferro em partículas muito finas, areia e água. Essa combinação é propensa ao fenômeno da liquefação. Quando o volume e a pressão da água aumentam por algum motivo, o solo tende a se liquefazer.
Na construção de uma barragem, é um dos principais fatores a serem considerados nos cálculos para a construção e a segurança da estrutura. Sobretudo quando ela é ampliada – caso da elevação a montante, técnica de construção usada em Brumadinho e também em Mariana, onde a barragem também ruiu em 2015.
Ainda assim, destacam especialistas, o rompimento de uma barragem por causa desse fenômeno nunca acontece de modo instantâneo. As únicas exceções aceitáveis seriam fenômenos extremos, como terremotos.
Além disso, o colapso é um processo que dura algumas semanas, dá sinais claros e pode ser monitorado. “A hipótese da liquefação é uma das levantadas quando se projeta uma barragem”, diz o professor Mario Riccio Filho, da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora. “É preciso calcular se a fundação aguenta a carga a ser imposta, se há estabilidade na inclinação, se o piso é adequado, o potencial de liquefação, os pontos em que pode ocorrer, tudo isso.”
A drenagem da água da barragem é outro aspecto crucial que precisa estar bem azeitado. Em termos de monitoramento, diz, os piezômetros são aparelhos usados para medir a pressão da água em pontos-chave.