Brumadinho: envoltos em lama, moradores do entorno querem se mudar
Na área do Parque da Cachoeira, horta que abastecia a região foi totalmente soterrada. Pequenos produtores também pararam atividades
atualizado
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A lama da Barragem I, da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), atingiu grande parte da zona rural do município. As comunidades conhecidas como Parque da Cachoeira e Córrego do Feijão – esta última com o mesmo nome do rio pivô do desastre – foram os vilarejos mais afetados. E até mesmo para aqueles que tiveram a sorte de manterem as suas casas, o convívio diário com a lama modificou totalmente a rotina.
Envoltos em lama e sem a possibilidade de trabalhar ou seguir normalmente com as suas vidas, os moradores procuram auxílio nos centros de apoio e reivindicam condições para que possam se mudar. O mau cheiro, a impossibilidade de produzir e o medo de intoxicação são as principais aflições de quem ficou.
O aposentado Idalino Silva Santos, 67 anos, é morador do Parque da Cachoeira e vive com a esposa em uma chácara a cerca de 10km da barragem que se rompeu. A sua casa não foi atingida pelos rejeitos de minério, mas ele afirma não ter condições de permanecer em sua residência devido aos odores e à falta de estrutura, toda destruída pelo rompimento da barragem. A mulher dele, 71, está na casa do filho do casal, em Belo Horizonte. Idalino ficou.
“A Cachoeira [Parque da Cachoeira] não tem graça mais. Morar sem alegria não dá e, aqui, a alegria acabou! Eu ainda tenho a minha casa, mas o cheiro me faz querer sair. Os restos mortais das pessoas que estão ali embaixo da lama vão descer para a água e, daqui a pouco, nem ela a gente vai poder usar mais. Ficou muito complicado viver aqui”, lamenta o aposentado.
Santos se mudou para Brumadinho há oito anos e conta que escolheu aquele pedaço de terra para morrer com tranquilidade, quando chegasse a sua hora, longe da agitação de uma grande cidade. Após a tragédia, o aposentado afirma que seu sustento também foi comprometido, já que ele e a companheira produziam doce de leite para aumentar o orçamento doméstico. A fazenda que fornecia leite para o casal foi completamente destruída pela lama.
“A fazenda acabou e a venda do doce era uma ajuda nas despesas da casa. Agora não temos mais o que fazer. Gastei R$ 22 mil nesta chácara e não posso apenas deixar a casa aqui. Preciso de dinheiro ou algum auxílio para poder recomeçar a vida em outro canto. Eu não estou bem de saúde, minha esposa tem problemas seríssimos também. A gente não pode ficar saindo daqui para fazer tudo”, explica Santos.
O mau cheiro os impede de dormir e a presença de mosquitos aumentou significativamente. Santos conta que está com as pernas irritadas, mas ainda não sabe se por causa dos insetos ou da água.
O aposentado Angel Pantaleão, 68, também quer se mudar. A lama, a impossibilidade de produzir e as dificuldades de acesso são os principais motivos. Pantaleão perdeu a sua esposa no dia da tragédia e estava em Belo Horizonte, no Hospital das Clínicas, quando soube do que havia acontecido. Enquanto vivia o luto e organizava o sepultamento de sua mulher, ansiava pelo que encontraria em sua residência. Dois dias depois, chegou em casa e viu que ela havia resistido, mas vê a lama de sua varanda.
“Quando cheguei em casa, a lama já estava lá. O seu impacto nos atinge, né. Pessoas ficaram sem emprego, estamos com medo das consequências e a gente tinha a horta. Ela era grande e fazia muita diferença para todos nós que moramos aqui. Foi completamente destruída.”
A horta que o aposentado se refere era uma grande produção de hortaliças, empregava muitas pessoas da comunidade e abastecia Brumadinho e vários municípios vizinhos da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Pantaleão tem medo de contaminação e de o rejeito atingir a água que abastece a sua casa, por isso também quer se mudar. Ele conta que é uma tristeza sem fim acordar e ver a lama em sua porta todos os dias. Para o aposentado, a empresa não podia ter permitido isso e o que mais o indigna é a notícia de que sabiam que a barragem tinha problemas e não fizeram nada. “Poderiam ter evitado mortes e tanto prejuízo para todos nós. Agora, espero que consigamos algum reparo para reconstruirmos a vida”, finaliza.
Tanto Pantaleão como Santos fizeram o seu cadastro no centro de apoio que está instalado no Parque da Cachoeira, apresentaram a documentação referente a suas casas e, agora, aguardam uma solução para sanar o sofrimento que chegou com a avalanche de lama.