Brumadinho: busca por indenizações e reparos a danos é urgente
Para a vice-presidente da Anamatra, Noemia Porto, não se deve considerar apenas o recebimento rápido das indenizações, mas o valor adequado
atualizado
Compartilhar notícia
Dor, tristeza, sofrimento, saudade, raiva até. São sentimentos naturais de quem escapa a uma tragédia ou daqueles que viram familiares e amigos serem vítimas de catástrofes como a que ocorreu na última sexta-feira (25/1) em Brumadinho (MG), com o rompimento da barragem da Mina Feijão, da companhia Vale. Entretanto, a partir de agora, essas pessoas terão de lidar, também, com questões mais pragmáticas e urgentes e que envolvem as indenizações. Se jamais compensarão a perda de um ente querido, esses recursos podem fazer a diferença no sustento e na qualidade de vida de quem fica.
No entanto, leva tempo para que as pessoas recebam as indenizações. Pelo menos se o assunto for decidido na esfera judicial. Para se ter uma ideia, só em outubro de 2018, quase três anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), é que a Samarco, subsidiária da Vale, chegou a uma definição de quanto seria pago aos atingidos.
A estimativa é de que a empresa desembolse R$ 2 bilhões para indenizar 4 mil moradores, aí incluídos os familiares dos 19 mortos oficiais daquela tragédia. Até a publicação desta matéria, o desastre de Brumadinho já contabilizava 84 mortos.
Para a vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Garcia Porto, não se deve considerar apenas o recebimento rápido das indenizações mas também o pagamento do valor adequado para fins de reparação dos danos que as famílias sofreram.
Para a magistrada, são dois os caminhos mais adequados em casos como ambas as tragédias. Um deles, já adotado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em Minas Gerais, é uma ação de natureza difusa, preventiva, que é justamente o bloqueio de valores da empresa responsável pelo desastre para despesas mais imediatas por parte dos familiares.
No domingo (27), o MPT-MG solicitou o bloqueio de R$ 1,6 bilhão da mineradora Vale à Vara do Trabalho de Betim (MG). O objetivo é exatamente assegurar o pagamento de eventuais indenizações às famílias das vítimas e dos sobreviventes.
O MPT em MG também quer que a Vale prossiga com o pagamento de salários aos parentes e familiares dos trabalhadores desaparecidos – até que sejam encontrados –, arque com as despesas de funeral, traslado do corpo, sepultamento e providencie “sem burocracia” a liberação do seguro de vida em benefício dos dependentes.
Auxílio imediato
Nessa segunda (28), o diretor Financeiro da Vale, Luciano Siani, anunciou a doação de R$ 100 mil para cada família dos mortos e de desaparecidos em Brumadinho. Ele esclareceu que o dinheiro será doado a fim de “aliviar os problemas de curto prazo” dos atingidos e, portanto, não será contabilizado como indenização.
Em um outro momento, diz Noemia Porto, as vítimas deverão reclamar a compensação de perdas extrapatrimoniais. “Se a própria empresa se colocar à disposição para um entendimento com as vítimas, claro que isso pode acontecer”, ressalta, acrescentando, porém, que a Justiça do Trabalho está ao dispor dos atingidos e familiares para essa interlocução. “É uma justiça célere”, afirma.
“Qualquer demora nesses casos é dolorida”, salienta a vice-presidente da Anamatra. “Mas o juiz do trabalho pode quantificar o tipo de indenização mais adequado e isso não se faz de um dia para o outro”, adverte.
Bem jurídico tutelado
Segundo Noemia Porto, os magistrados avaliam três principais pontos, entre outros, ao fazer tal quantificação: quais os reflexos sociais e pessoais para a família da vítima; qual a natureza do “bem jurídico tutelado” (protegido pela legalidade) – se foi morte, incapacidade física permanente ou temporária etc –; e os reflexos pessoais da atitude (ou falta de) da empresa.
Muitas ações podem ocorrer até a tentativa de reparação total do dano. Mas a perda é sempre irreparável
Noemia Porto, vice-presidente da Anamatra
É o que pensa a secretaria Ana Borges, 35 anos, moradora de Brumadinho. O marido dela, João Paulo, 40, é um dos desaparecidos. “Indenização não vai amenizar a dor ou trazer a vida do meu marido de volta. Mas a Vale precisa pagar pelo que fez. Vamos atrás dos nossos direitos. Ela não pode sair impune. Essa empresa precisa parar de matar as pessoas”, disse.
Quais são os direitos?
Mas que direitos realmente tem quem sobreviveu a uma calamidade de tal proporção ou perdeu um parente? Segundo a advogada Caroline Yumi Tanaka, da Kolbe Advogados Associados, especialista em direito privado, o rompimento da barragem em Brumadinho, assim como o que ocorreu em Mariana, revela a responsabilidade objetiva do Estado e da própria Vale em indenizar as vítimas, por se tratar de uma concessão pública a uma empresa privada.
“As vítimas e/ou familiares terão direito a pleitear dano moral, dano material pelos prejuízos com bens móveis e imóveis e pensão, que podem ou não ser recebidos de forma vitalícia”, explica a especialista.
Ela também cita os chamados “lucros cessantes” – uma compensação financeira pelo que a pessoa deixou de lucrar com a sua atividade em decorrência do dano provocado. “Por exemplo, pescadores afetados que deixaram de pescar, taxistas que perderam suas corridas, empregados que deixarão de auferir salário”, ressalta.
“Além disso, as vítimas que tiveram suas residências afetadas terão direito a uma moradia provisória ou auxílio financeiro para custear essa necessidade”, afirma.
Pedido pode ser imediato
Porém, quem buscar pelos seus direitos e partir para reclamar indenizações pode fazê-lo de imediato. Qualquer pessoa da família de um morto na tragédia poderá, em nome próprio, requerer a compensação financeira por danos morais e materiais, alegando acidente em serviço e a culpa por parte do empregador.
“A pensão para o dependente poderá ser reclamada com o atestado de óbito em mãos, a fim de comprovar o vínculo familiar. Também é possível pleitear o ‘dano reflexo’, concedido, por exemplo, a um sobrinho cujo tio faleceu vítima de uma tragédia”, explica Deborah Gontijo, especialista em direito trabalhista.
Os valores das compensações vão depender das particularidades e da realidade de cada caso. Em ralação a pensões, leva-se em conta o valor do salário que a vítima recebia. Já as indenizações serão calculadas de acordo com variáveis como a idade da vítima no momento da tragédia, a expectativa de vida e as idades dos herdeiros, entre outras.
Estabilidade
O auxílio-doença e o auxílio-acidente também são benefícios a que os atingidos por catástrofes como as de Mariana e Brumadinho têm direito. Em casos de atestados médicos que estabelecem afastamento do trabalho por mais de 15 dias – que, acredita a advogada, ocorrerá com a maioria dos trabalhadores prejudicados –, a empresa não poderá demiti-los pelo prazo de um ano.
“Caso o faça, a companhia deverá arcar com o pagamento de todo o valor correspondente aos salários de 12 meses, além de uma indenização por dano moral”, encerra Deborah Gontijo.