Brecha para novo imposto pode ser usada por governos de 17 estados
Emenda aprovada na Câmara que permite a estados criarem imposto local preocupa setores como agronegócio, petrolíferas e mineração
atualizado
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A emenda que permite a criação de tributo estadual sobre produtos primários, prevista na reforma tributária e aprovada de última hora pela Câmara dos Deputados, pode servir de brecha para ao menos 17 unidades federativas instituírem novos impostos, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A abrangência da medida, descrita no Artigo 20 da matéria, preocupa setores como agronegócio, mineração e indústria petrolífera.
A emenda em questão autoriza os governos estaduais a criarem tributos sobre produtos primários e semielaborados, com objetivo de financiar obras de infraestrutura e habitação, após o fim do ICMS. Atualmente, essa prerrogativa é da União.
Especialistas consultados pelo Metrópoles avaliam que o dispositivo vai de encontro à proposta da reforma, que tem como objetivo simplificar o sistema tributário, e desonerar produtos voltados para a exportação. Em consequência, pode pesar a balança comercial ao desonerar o produto brasileiro vendido no mercado internacional.
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O que muda?
A Constituição, atualmente, impede a cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, o que os tributaristas chamam de imunidade.
Para atingir esses produtos, em especial a produção do agronegócio (soja) e minerais (minério de ferro), os governadores de estados criaram taxações estaduais para englobar essa parcela isenta do imposto, como explica o advogado Ariel Bezerra, especialista em direito regulatório e legislativo.
“Goiás instituiu em 2022 uma contribuição sobre produtos agronegócio e mineradoras para financiar a reforma de rodovias e outras obras de infraestrutura. Outros estados como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul já têm tributo semelhante. Todavia, a constitucionalidade desse dispositivo vem sendo questionada no STF”, frisa Bezerra.
Ou seja, a brecha que prevê a criação de novos tributos aprovada na Câmara foi criada como uma forma de constitucionalizar taxas criadas por estados, segundo o advogado e consultor legislativo Jules Queiroz.
A transformação dessas taxas em um novo imposto “incide na produção territorial do estado, o que pode aumentar o custo da produção agropecuária no Brasil, puxando para baixo o saldo da balança comercial brasileira, sobretudo, no agro, indústria petrolífera e na mineração”, pontua Queiroz.
Fundos estaduais e a criação do imposto
Conforme o texto, qualquer estado que tenha fundos associados à cobrança de benefícios fiscais estaria apto a criar a contribuição. De acordo com levantamento da Confederação Nacional da Indústria, ao menos 17 estados brasileiros têm um dispositivo desse tipo, e pelo menos sete são questionados no Supremo.
Ao Metrópoles o gerente-executivo de Economia da CNI, Mário Sérgio Telles, explica que a tributação vai contra o “princípio da reforma”, que consiste na simplificação do sistema tributário. Além disso, altera a cobrança da origem e transfere para o consumo; bem como prevê o fim do imposto em cascata, já que a tributação não resulta em crédito tributário.
“As contribuições são em cima dos eventuais incentivos fiscais do ICMS, previstos para acabar em 2032. No entanto, o prazo de vigência dessa contribuição dura até 2043, conforme o dispositivo. Portanto, há risco de ampliação em alguns casos do prazo de vigência que existe hoje”, explica.
Outro problema seria a possibilidade de ampliação da cobrança sobre novos produtos. O especialista cita o exemplo do Maranhão, em que há a tributação em cima da soja, milho, milheto e sorgo, lista que poderia aumentar com a aprovação da emenda. “A redação aqui não impede que outros primários sejam tributados nesse estado, por exemplo, ou em outros”.
“Ou seja, o dispositivo aprovado não prevê que os produtos primários a serem taxados sejam os mesmos abrangidos pelos fundos; apenas dizem que os estados que já tem os fundos vão poder criar tributo”, ressalta.
Medida ainda em aberto
Outro ponto de atenção é que a brecha cria uma insegurança jurídica tanto para produtores de voltados para a exportação, quanto para os importadores dos produtos nacionais. Além de não estabelecer um limite percentual para a alíquota a ser fixada nos estados.
“Antes existia uma limitação, uma legislação local que determinava o quanto seria a destinação para esse fundo. Para esses estados, o setor de agro pode ser simplesmente mais tributado do que era antes. Muito foi deixado em aberto para a definição em lei complementar”, pondera o advogado tributarista Luis Claudio Vatari.
“Pode ser algo que vai, inclusive, desestimular o investimento em agro, ou fazendeiros do Brasil se mudarem para o Paraguai, por exemplo” avalia.