“Brasília tem psicopatas e está cheia de sociopatas”, diz Elisa Costa
A doutora em psicologia forense já tratou mais de 3 mil agressores e explica por que eles exercem fascínio e repúdio
atualizado
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Psicopatas e assassinos em série geram interesse, repúdio e um incômodo fascínio. Na ficção, como na queridinha do momento Mindhunter (cena na foto acima), disponível na Netflix, são muitas as tentativas de entender mais sobre mentes capazes de atos dignos de filmes de terror.
Às vezes, esses personagens parecem sair da tela e ganhar corpo na vida real. Tiago Henrique Gomes da Rocha espalhou pânico em Goiânia após matar mais de 30 pessoas – a maioria jovens mulheres – de cima de uma moto. Houve rumores de que ele agia também em Brasília, mas não passava de boato.
Afinal: o que atrai a atenção das pessoas para tramas como essa, seja na vida real ou na ficção? A doutora em psicologia forense e professora da FAE — Centro Universitário, Elisa Walleska Krüger Costa, tem as respostas. Ela já tratou mais de 3 mil homens com desvio de comportamento, a maioria em Brasília, e criou o Instituto Personna, referência em reabilitação de agressores sexuais.
Por que psicopatas e serial killers atraem tanto interesse?
Em primeiro lugar, quando rotulamos alguém de psicopata estamos rotulando uma parte de nós mesmos. O que eles fazem a maioria tem vontade de fazer quando rompe um relacionamento difícil ou alguém ataca seu filho. As pessoas viram bicho. Tudo isso está dentro de nós. Todo mundo tem a violência em si.
Como é muito desconfortável lidar com isso, a gente projeta a nossa sombra como um data show no outro. Indico a leitura do livro “Homens maus fazem o que homens bons sonham”, de Robert I. Simon. Ele fala justamente sobre isso. A gente fica fascinado porque usufrui da violência e realiza fantasias através do outro. É a mesma lógica de gostar dos concursos de miss, da corrida de fórmula 1.
Afinal, o que é um psicopata?
Um dos critérios para diagnosticar um psicopata é um padrão nos crimes. Pessoas como Suzane Von Richthofen e Elize Matsunaga não se encaixam nessa definição de transtorno de personalidade antissocial, que seria o termo correto. Elas cometeram um crime cruel, porém, único.
A palavra psicopata virou uma gíria usada para falar de qualquer comportamento bizarro, que não queremos reconhecer como algo que todo mundo tem potencial para fazer.
Todo psicopata mata? Convivemos com psicopatas no dia a dia?
No fundo, todos nós temos traços de psicopatia. As pessoas são capazes de qualquer coisa. Quem nunca pensou em fazer crueldade? Desejos horrorosos ficam escondidos. Alguns têm poucos traços e seguram a onda.
Sociopatas são psicopatas que não sujam as mãos de sangue. Eles não pensam no outro, colocam o próprio lucro acima do prejuízo de terceiros e têm desrespeito total pelas regras.
Brasília está cheia de sociopatas, são políticos que desviam verba. Eles são 10 vezes piores do que muitos psicopatas, pois fazem mais vítimas. Prefiro mil vezes tratar um agressor que um político.
Elisa Costa, doutora em psicologia forense
Já tivemos serial killers em Brasília?
Tem serial killer em Brasília, sim. Eles são meus pacientes e são mais do que dois ou três casos, que, por questões éticas, eu não posso discutir. Eles não se tornaram rostos midiáticos, pois não mataram ninguém branco, rico ou famoso. Tenho um paciente com sete homicídios, todos com o mesmo modus operandi.
Psicopatia tem cura?
Nos serviços públicos de reabilitação de condenados tem gente tentando curar psicopatia em cinco sessões de terapia, lendo a Lei Maria da Penha para o cara. Veja bem, não se cura nem soluço em cinco sessões. Daí dizem que eles não responderam ao tratamento.
Hoje, é da psicopatia o espaço que a esquizofrenia ocupou nos anos 70. Como a ciência não sabia lidar com o esquizofrênico, amarravam-no na camisa de força, davam eletrochoque, banho frio e trancavam-no numa cela do manicômio.
Os anos foram passando e hoje se tem manejo clínico para esquizofrenia. A psicopatia mostra para os psicólogos e psiquiatras que eles ainda não sabem o que fazer com ela. Infelizmente, somos profissionais vaidosos e não queremos admitir que não sabemos o que fazer, então dizemos que não há cura.
A psicopatia tem recebido tratamento e pesquisa em vários lugares do mundo. Na Holanda e na Inglaterra, onde estudei, vi altos índices de recuperação. Há estudos que falam sobre problemas no cérebro, mas eu não levo nenhum deles a sério.
Pegam um grupo que tem diagnóstico e fazem tomografia. Daí dizem: eles têm o cérebro diferente. Qualquer pessoa que comete muita violência tem uma área no cérebro mais treinada para isso. Colocar a culpa em algo orgânico isenta o profissional de estudar a vida daquele paciente e descobrir um tratamento. É mais fácil dar um remédio e trancar em algum lugar.
Por que a maioria dos psicopatas é homem e as vítimas são mulheres?
Já atendi mais de 3 mil agressores de mulheres: todos tiveram problema com a figura materna. Muitos foram criados com negligência, violência, humilhações pesadas, sofreram abuso com cumplicidade da mãe. O que não significa que a culpa seja dela. Não estamos falando sobre culpados, é importante ressaltar isso.
Muita gente tem problemas e não vira psicopata, pois tem outra estrutura na vida que compensam isso. Mas algumas pessoas não têm competência emocional para lidar com raiva. Odiar a mãe é uma coisa totalmente reprovável na nossa sociedade, então ele carrega aquilo dentro dele e acaba descarregando em mulheres.
No meu pós-doutorado, eu fiz uma crítica a um instrumento que se usa para fazer diagnóstico de psicopatia, é a Escala Hare. Ela pega características culturalmente construídas como masculinas e diz que são sintomas de psicopatia.
Alguns dos critérios são a insensibilidade afetiva emocional, se envolver em lutas corporais e promiscuidade. Só que a sociedade estimula o tempo todo que o homem seja insensível, bruto, violento, reaja a todo estímulo sexual. Como em 2017 você vai usar isso como parâmetro? A escala também é falha, pois é toda baseada em respostas do candidato a psicopata, que mente patologicamente.
Mulheres também são pedófilas e psicopatas, mas ninguém percebe, pois elas, muitas vezes, não deixam marcas. A violência feminina é menos física e mais perversa, por questões sociais.
Veja o trailler da série Mindhunter, exibida pela Netflix:
Nos filmes e séries, há muitas cenas de agressões a mulheres. Isso não torna essa violência um fetiche ou entretenimento?
Eu fiquei muito incomodada com o sucesso de “50 tons de cinza”, por exemplo. Mulheres tornaram essa trilogia campeã mundial de audiência. Há cenas de violência contra a mulher. Não tem nada a ver com as práticas sexuais. O problema é a humilhação emocional e todo o desrespeito que o personagem principal comete ao longo de três livros. No fim, tudo é perdoado porque ele é rico e bonito.
Quando falamos sobre a realidade, há questões mais absurdas ainda, muito graves. As pessoas fazem vídeo de estupro coletivo real viralizar. A gente vive numa sociedade patriarcal em que há muito pouco tempo era permitido bater em mulher sem ter qualquer problema com a lei. Muita gente ainda acha isso corriqueiro.
Como é para você tratar de homens que odeiam mulheres?
Já fui acusada de gostar de bandido. Eu detesto violência. Quando você atende a vítima, o crime já aconteceu. Se atendo o agressor, o foco é prevenir que ele faça novas vítimas. Muitos homens estão nos procurando no Instituto Personna antes de passarem do pensamento ao ato. Só atender a vítima é apagar um fogo que já aconteceu. Se dedicar a ouvir esses homens e permitir um espaço de escuta também é uma forma de proteger as mulheres.