Brasilienses relatam terror de abusos sexuais feitos por João de Deus
Segundo as mulheres, o médium, que atende em Abadiânia (GO), forçou sexo oral e ejaculou sobre elas
atualizado
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Mulheres mundo afora estão entre as vítimas que denunciaram o médium João de Deus por abusos sexuais cometidos durante tratamentos espirituais na Casa Dom Inácio de Loyola. Apenas entre o sábado (8/12) e a segunda-feira (10), mais de 250 vítimas procuraram as autoridades para contar o que teriam sofrido nas mãos do cirurgião espiritual. No Distrito Federal, distante cerca de 100km do pequeno município de Abadiânia (GO), onde João atende, os relatos de pacientes que dizem ter sido estupradas ou molestadas sexualmente se multiplicam.
Um episódio de violência ocorrido há 10 anos envolve uma brasiliense. Ela procurou a Polícia Civil do Distrito Federal para relatar os momentos de terror vividos quando esteve com o médium. Em abril de 2008, a vítima prestou depoimento à Delegacia Especial de Atendimento á Mulher (Deam) dizendo ter procurado João de Deus, acompanhada de uma amiga, para tratar um tumor no pé.
Após passar por toda a triagem e os atendimentos de praxe, a vítima foi orientada a procurar o médium na hora do intervalo, na sala pessoal dele. Enquanto esperava, a mulher presenciou uma moça deixar a sala aos prantos, desorientada e correndo. Logo em seguida, ela foi chamada para a sessão com João de Deus.
“Dureza da fé”
Assim que entrou no cômodo, a mulher percebeu que o médium havia trancado a porta. O líder espiritual determinou que ela tirasse o sutiã e ficasse de costas para ele. A mulher narrou aos policiais que João de Deus começou a apalpar seus seios e barriga e mandou que ela tirasse a calça afirmando que a “energia negativa” estava acumulada em sua região pélvica.
Usando o nome de Deus e de vários santos, o espírita simulou estar em oração e começou a massagear a virilha, nádegas e região externa da vagina da vítima.
Em seguida, a mulher contou ter os dois braços puxados para trás e obrigada a acariciar a barriga e o pênis de João de Deus. Ainda em seu depoimento, a vítima relatou que sentiu quando o pênis do médium ficou ereto. “Abusando de sua fé em ficar curada, João de Deus dizia que aquela dureza era energia negativa que vinha da região pélvica da vítima e que ele estava absorvendo para o corpo dele”, diz o depoimento da vítima.
Ela chegou a questionar o motivo daquela situação e teria ouvido: “O que é que você quer? você tem que me ajudar”. Depois, João de Deus teria ordenado que ela continuasse a masturbá-lo.
Quando imaginou que a violência terminaria, a vítima contou ter sido levada para outra sala, onde João de Deus teria sentado em uma poltrona. Ele a colocou ajoelhada no chão, em uma posição entre suas pernas. A mulher relatou que João de Deus a mandou fechar os olhos e colocou o pênis em suas mãos. Naquele momento, o médium teria perguntado à mulher onde ela gostaria que o pênis estivesse. “Ele induzia a dizer que queria que seu pênis estivesse em seu útero, ora em seu ânus, ora em sua vagina, em seus seios e em sua boca”, diz o depoimento.
A mulher disse à polícia que, após aquele momento, João de Deus ejaculou em suas mãos. Para convencer a vítima, o médium falava que o pai dela, falecido havia 25 anos, estava presente em espírito e presenciava aquela cena. Durante todo o tempo, a mulher contou que João de Deus simulava estar orando e invocando a presença de entidades espirituais. Ele ainda teria afirmado que a mulher precisava fazer aquele ato por ter “carma de outras encarnações”.
“Punição espiritual”
“Tudo isso aconteceu graças a Deus e Nossa Senhora”, teria dito João de Deus. Desconfiada, a mulher perguntou ao médium se quem estava com ela naquele momento era o médium ou alguma entidade. João de Deus teria dito que seria uma entidade chamada José Valdivino.
Após liberar a mulher, o médium a orientou a não contar o que havia ocorrido, sob o risco de absorver uma grande quantidade de energia negativa em forma de “punição espiritual”. Já na estrada, dentro do carro na companhia de uma amiga, a mulher começou a chorar e afirmou ter sido estuprada pelo médium. As duas decidiram retornar a Abadiânia e confrontar João de Deus.
A vítima voltou até ao local onde havia sido abusada. Na frente do médium, a mulher o repreendeu e partiu para cima dele dando vários tapas em seu rosto. Assustado, João de Deus pediu socorro a um funcionário do local, que expulsou as duas mulheres da propriedade. Apesar do registro da ocorrência no DF, a investigação foi remetida para ser apurada pela Delegacia de Abadiânia.
“Culpa da entidade”
Moradora do Noroeste, outra mulher que se diz vítima de João de Deus relata o terror psicológico que sofreu ao acompanhar a mãe para um tratamento espiritual de um câncer de ovário, em 2006. Ela foi ao centro com uma irmã e uma tia. No local, o médium teria pedido para que todos se retirassem da sala, menos a vítima.
“Chegamos lá e o lugar causou uma boa impressão. Tinha muita gente, do Brasil e de fora. Na época, morávamos no interior do Goiás, então todos sabiam quem ele era”, contou a vítima ao Metrópoles.
A princípio, ela não suspeitou de nada. Pensou que seria algo sobre o estado de saúde da mãe. “Ele me pediu para ficar em pé e disse que eu tinha de fazer um trabalho espiritual e minha mãe receberia energias através de mim. Achei estranho, fiquei relutante. Então, me pediu para tirar a calça. Eu disse que não faria aquilo.”
O líder espiritual, conforme o relato, começou a tocá-la, abraçá-la por trás e se esfregar. Também encostava nas partes íntimas e tentava colocar a mão dentro da calcinha da mulher. Ela, no entanto, segurou a calça para que ele não conseguisse tirá-la. “Ele não parou até ejacular na minha calça. Quando terminou, disse que uma entidade havia feito aquilo, e não ele próprio”, conta.
A mãe da vítima faleceu dois meses após se consultar com João de Deus. Antes de o escândalo vir à tona na madrugada de sábado (8), no programa televisivo Conversa com Bial, da TV Globo, a moradora do Noroeste tinha contado o ocorrido apenas a uma irmã. “Fiquei 12 anos sem falar disso. Agora me sinto aliviada. Só espero que haja Justiça”, diz. “Ele é alguém que usa a fragilidade dos outros para fazer maldade. Foi duro, foi cruel.”
Veja relatos de outras vítimas feitos no programa Conversa com Bial
Inocentado
Muito antes dessas novas acusações de abusos sexuais praticados pelo médium, o Ministério Público de Goiás (MPGO) havia denunciado João Teixeira de Faria por fraude sexual, conforme noticiou reportagem da revista Veja Brasília em 4 de setembro de 2013. Uma moça, na época com 16 anos, sofria com crises de pânico e buscou a Casa Dom Inácio de Loyola.
Durante seu atendimento, descreveu ao MP, João teria pedido ao pai da menina, seu acompanhante na ocasião, para ficar de costas e com os olhos fechados. “Em seguida, [João] acariciou os seios, barriga, nádegas e virilha da menina”, descreve a ação. E ainda sustenta: “Não satisfeito, o denunciado segurou, por cima da roupa, a mão da vítima, movimentando-a para cima e para baixo sobre seu órgão genital, afirmando que através daquele tratamento seria curada”.
No documento, a magistrada diz ter convicção de que o ato foi praticado, mas considera que a moça, embora com síndrome do pânico, tinha condições de evitar o episódio, por exemplo, pedindo ajuda ao pai, que estava na sala. Aos prantos, a menina teria ficado com nojo das mãos que tocaram em João. O médium foi inocentado em 2010 sob o argumento de defesa de falta de provas para a condenação.
Força-tarefa
Agora, João de Deus se vê às voltas com uma enxurrada de denúncias, que motivaram o MPGO a criar uma força-tarefa para apurar o caso. Segundo a Procuradoria, apenas nessa segunda-feira (10), quando investigação conjunta do MPGO com a Polícia Civil goiana foi instaurada contra João de Deus, 40 mulheres denunciaram às autoridades goianas abusos sexuais supostamente praticados pelo médium.
O MPGO criou um e-mail exclusivo para receber relatos de vítimas do cirurgião espiritual e, em menos de oito horas após tornar público o endereço – denuncias@mpgo.mp.br –, 35 ex-pacientes enviaram relatos de estupros e abusos. Outras cinco vítimas procuraram a sede do órgão.
A triagem dos casos está sendo realizada, e essas novas denúncias somam-se às mais de 200 vítimas estimadas pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP), conforme revelou o programa televisivo Fantástico, na noite de domingo (9).