“Brasil voltará 36 anos no tempo com PL do Veneno”, diz procurador
Projeto de Lei nº 6.299/02, que modifica regras para uso de agrotóxicos, voltará a ser discutido na Câmara nesta terça-feira (19/6)
atualizado
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A Câmara dos Deputados voltará a discutir em comissão especial, nesta terça-feira (19/6), relatório sobre o Projeto de Lei nº 6.299/02, que modifica regras para uso e fiscalização de agrotóxicos no Brasil. Se for aprovada, a proposição de autoria do então senador e atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP), transformará o modo de consumir pesticidas no país.
Caso os deputados concluam a votação do texto do relator, deputado Luiz Nishimori (PR-PR), o documento seguirá para apreciação no Plenário da Câmara. Em seguida, pela tramitação legislativa, voltará ao Senado.
O projeto ficou conhecido entre críticos como PL do Veneno. Nas sugestões de alteração da lei, consta o pedido para trocar o termo “agrotóxico” por “defensivo fitossanitário” nos rótulos e documentos.
O Greenpeace classificou a mudança na nomenclatura como “uma clara tentativa de mascarar sua nocividade, afastando informações essenciais à escolha do consumidor, e desconsiderando os impactos à saúde e ao meio ambiente no processo de aprovação de novas substâncias.”
O texto do projeto também flexibiliza o uso de substâncias cancerígenas, passando a dividir os riscos como aceitáveis e inaceitáveis. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) perderiam controle sobre a liberação de substâncias, que ficará sob responsabilidade do Ministério da Agricultura.
Produtos banidos em outros países poderiam voltar a ser usados no Brasil com a alteração da lei, aumentando riscos de distúrbios hormonais e de danos ao sistema reprodutivo. Órgãos ambientais demonstraram preocupação com esses fatores em pareceres divulgados recentemente.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) emitiu uma nota técnica de 25 páginas na qual chama a atenção para os riscos da flexibilização do uso de agrotóxicos. O documento lista doenças decorrentes dessa prática. Também traz dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) que apontam 25 milhões de envenenamentos por ano, no mundo, e 20 mil mortes por essa razão. Só no Brasil, de 2000 a 2017, foram 535 mil registros de intoxicações.
“A cada 1 caso notificado, há 9 ocultos. Estima-se 1 milhão de envenenamentos em 10 anos. O Brasil está indo na contramão do resto do mundo”, diz o doutor em epidemiologia e mestre em saúde pública Guilherme Franco Netto, pesquisador da Fiocruz.
O Estado terá consequências sociais e econômicas gravíssimas caso o PL seja aprovado
Guilherme Franco Netto, da Fiocruz
Segundo Netto, experiências internacionais mostram ser possível produzir alimentos em processo produtivo livre do uso de agrotóxicos. “Esse é o caminho que a Fiocruz entende ser mais saudável e a favor da saúde da população”, completa.
Procurador do Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul, Marco Antônio Delfino de Almeida afirma que “o Brasil voltará 36 anos no tempo com o PL do Veneno”. “Vamos retroceder para antes de 1982, quando aprovamos uma lei que garantiu um maior controle de receitas de agrotóxicos”, avalia.
O membro do MPF classifica a proposição como “incompatível com a democracia”. “A proposta sugere, inclusive, penas diferenciadas para quem desrespeitar as regras. Não seria mais crime, por exemplo, pulverizar com aviões, como em Rio Verde”, diz.
O procurador refere-se a episódios como o de 2006, quando uma nuvem tóxica causada por pulverização intoxicou a população de Lucas do Rio Verde (MT). Já em 2013, uma centena de professores e alunos foram envenenados depois que um avião jogou defensivos agrícolas sobre uma escola de Rio Verde (GO).
É o tipo de lei que afeta principalmente os mais pobres, pois quem tem mais recursos compra orgânicos
Marco Antônio Delfino de Almeida, procurador federal
A procuradora do Ministério Público Federal Fátima Borghi chama a atenção para a falta de estudos a respeito do impacto da possível aprovação do PL na saúde pública. “Não se tem a conta do gasto que essa mudança geraria com tratamentos de saúde, como se calcula com o cigarro, por exemplo”, afirma.
A reportagem entrou em contato com o Ministério da Agricultura, porém, até a publicação desta reportagem, não teve resposta. Em entrevistas anteriores, a pasta afirmou que o projeto “congrega uma série histórica de diversas demandas negligenciadas pelos órgãos federais nos últimos 20 anos. O relatório (do deputado Luiz Nishimori na Comissão Especial) representa uma iniciativa do legislativo de ajustar o marco legal e permitir a modernização da legislação nacional”.
Caso o andamento do projeto não se conclua em 2017, poderá ficar a cargo do próximo presidente da República promulgá-lo. O Metrópoles procurou pré-candidatos ao Planalto para saber o que eles pensam a respeito do Projeto de Lei nº 6.299/02:
Alvaro Dias (Podemos)
“O Projeto de Lei objeto da pergunta ainda está tramitando na Câmara dos Deputados, e tem como objetivo regulamentar a pesquisa, o desenvolvimento, a produção, o comércio e o consumo dos agrotóxicos.
Trata-se de um projeto que está sendo debatido e seria prematuro emitir opinião sobre uma proposta de texto que não é definitivo. Todavia, o tema é conhecido e é muito relevante para o Brasil.
A utilização dos agrotóxicos nas práticas agrícolas constitui ferramenta importante para proteger as lavouras das pragas e ervas daninhas, proteção que é fundamental para garantir e melhorar a produção agrícola.
O uso de agrotóxicos não é uma particularidade da agricultura brasileira. Os agricultores do Canadá, dos Estados Unidos, do Japão, da Alemanha, da França, da Espanha, da Austrália e de todos os países do mundo lançam mão dos agrotóxicos para garantir a produção, e a qualidade da mesma, igual aos agricultores brasileiros.
A produção agropecuária brasileira é robusta e de excelente qualidade. No Brasil, convive de forma harmônica, e dentro da legalidade, a prática da agricultura convencional e orgânica. A agricultura pode ser praticada utilizando insumos químicos, transgênicos ou biológicos. Cada agricultor tem a liberdade de escolher e praticar um determinado sistema de cultivo. Situação absolutamente semelhante aos modelos agrícolas praticados no mundo.
Entretanto, a morosidade no processo de registro de um agrotóxico no Brasil é muito grande, sendo que no melhor cenário não fica pronto em tempo menor que 6 ou 7 anos, em muitos casos demora até 10 anos. Nos EUA e no Canadá esse registro ocorre entre 1 e 2 anos.
Uma mudança no sistema de registro de agrotóxico que elimine a burocracia e a morosidade, e que confira maior transparência possível ao processo, seguramente será melhor para todos.
Além disso, independentemente da mudança do sistema regulatório, o governo precisa fortalecer a assistência técnica rural. É fundamental a construção de um sistema permanente de capacitação dos produtores e trabalhadores rurais para o manuseio e uso racional dos agrotóxicos.
Usando corretamente o produto, os produtores rurais garantem a segurança, e utilizando de forma racional os agricultores reduzem o custo. Não é um bom negócio para os agricultores usar agrotóxicos, além da quantidade estritamente necessária, para garantir a produção. São produtos caros e o uso em quantidade desnecessária aumenta o custo de produção e reduz renda. Ações nesse sentido são bem-vindas e necessárias.”
Flávio Rocha (PRB)
“A Lei brasileira sobre defensivos agrícolas foi criada em 1989, há quase três décadas. Está obviamente defasada. Além disso, o setor do agronegócio e dos defensivos tem sofrido fortemente com o preconceito e com propagandas financiadas internacionalmente por ONG’s sediadas em países que concorrem com o Brasil na exportação de alimentos.
É interessante que ao longo do Século 20, com o uso intensivo dos defensivos agrícolas, a expectativa de vida dos brasileiros aumentou mais de 40 anos. Vivemos mais e vivemos melhor porque produzimos alimento em larga escala.
É preciso deixar o preconceito e a gritaria de lado e apoiar de maneira cada vez mais forte nosso agronegócio. Para além dos interesses econômicos brasileiros, é preciso registrar que o Brasil tem a agricultura mais sustentável e responsável do ponto de vista ambiental no mundo todo.
Ou seja: nossos alimentos, fruto da nossa agricultura, ajudam a proteger a natureza em todo o mundo. Por isso sou favorável ao projeto.”
Posição da Coalizão Vamos com Boulos e Sônia (Psol)
“Somos contra toda e qualquer iniciativa que vise criar condições para a liberalização do uso de agrotóxicos no Brasil. Hoje já não existe uma rigorosa fiscalização, fato que transformou o Brasil, desde 2008, num dos campeões mundiais na utilização de veneno na produção de alimentos. Cada cidadão brasileiro consome, por ano, em média, de 5 a 7 litros de veneno.
O modelo agrícola baseado no agronegócio é o causador do envenenamento da comida no Brasil. Qualquer projeto de lei que queira facilitar o uso de agrotóxico só interessa ao lucro das empresas produtoras e consumidoras de veneno.
No mundo inteiro movimentos sociais e ambientais, organizações de direitos humanos, sindicatos e governos, assim como organismos internacionais têm denunciado o uso de agrotóxicos como responsável pela proliferação de inúmeras doenças, como, por exemplo, o câncer.
Queremos mais regulamentação, mais controle e divulgação/denúncia sobre quem usa veneno na produção agrícola, visando ter um Brasil totalmente livre de agrotóxicos. Nossa posição é em defesa de um modelo de desenvolvimento agrícola sustentável, agroecológico, portanto, sem veneno. Isso é o que vai beneficiar a população brasileira que, se for consultada sobre o tema, com certeza diria não ao uso de agrotóxicos.
Nossa posição é a mesma da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Apoiamos essa e outras campanhas que lutam por uma alimentação saudável. Apoiamos a nota técnica do Ministério Público Federal, que aponta inúmeras inconstitucionalidades no PL, pois ela quer impedir os Estados de restringir a distribuição/comercialização de agrotóxicos quando considerarem um risco à saúde e /ou ao meio ambiente.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária também alerta que o PL não contribui para melhorar as condições de vida dos agricultores nem traz benefícios para a população brasileira, dificultando o controle e restrição no uso de agrotóxicos.
Portanto, a PL é um retrocesso no que diz respeito ao controle, regularização e restrição ao uso de agrotóxicos. É um atendado contra o meio ambiente e contra a saúde humana.”
Lula (PT)
Informou por meio do Instituto Lula que não vai comentar o assunto
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