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Brasil importa lixo, mas luta para reciclar seus resíduos. Entenda

Importação de lixo de outros países mais do que dobrou em nove anos. Apesar disso, país consegue reciclar apenas 3% de seus próprios resíduo

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O Brasil é quarto maior produtor de lixo plástico do mundo e enfrenta uma crise ambiental devido à gestão inadequada de resíduos. Entre 2012 e 2021, a importação de resíduos sólidos para o país mais que dobrou, saltando de 4,12 mil toneladas para 8,62 mil toneladas, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

Apesar disso, o país consegue reciclar apenas 3% de seus próprios resíduos. O Rio Grande do Sul, que vive uma catástrofe climática sem precedentes devido às fortes chuvas, foi o estado que mais recebeu resíduos plásticos nos anos de 2021 e 2022, segundo relatório da Aliança Resíduo Zero Brasil (ARZB).

Especialistas alertam para os perigos de materiais tóxicos e poluentes que podem estar presentes nos resíduos importados, levando à contaminação do solo e da água subterrânea, que se infiltram na cadeia alimentar.

Lei na China impulsiona importação de lixo para o Brasil

O comércio global de resíduos sofreu mudanças significativas nos últimos anos, impulsionadas pela nova política de reciclagem da China em 2018 para resolver o problema das importações excessivas de resíduos. Com a restrição da política chinesa e a redução das alíquotas do imposto de importação de papel e vidro para 0% durante o governo de Jair Bolsonaro, o Brasil se tornou um dos principais destinos das exportações de resíduos.

De acordo com o relatório de Importação e Exportação de resíduos sólidos urbanos realizado pelo Aliança Resíduo Zero Brasil (ARZB), os Estados Unidos foi o país que mais exportou para o Brasil em 2022 e 2021.

Embora o atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva tenha aumentado a taxa de importação para 18%, especialistas defendem que essa medida ainda é insuficiente para resolver o problema de gestão de resíduos no Brasil.

“A taxa de importação deveria ser de 100% e deveríamos importar apenas materiais que não temos internamente”, afirma Carlos Alberto Moraes, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e membro do Comitê Gestor da Aliança Resíduo Zero Brasil.

Hoje, segundo o Atlas Brasileiro da Reciclagem 2023, menos de 30% das cidades brasileiras têm sistemas de coleta seletiva. E estima-se que as que possuem coletem muito pouco. Algumas cidades, como Belém, capital do Pará que irá sediar a conferência da ONU sobre mudanças climáticas em 2025, reciclam menos de 1% de seus resíduos.

Victor Argentino, coordenador de projetos de resíduos sólidos do Instituto Polis, aponta que as principais técnicas de coleta utilizadas hoje no Brasil têm foco nos aterros sanitários e lixões – que têm baixo custo de gerenciamento, mas representam um atraso para o setor brasileiro.

“Muitos contratos de limpeza urbana ainda pagam por massa em vez de eficiência do aterro. Quanto mais você enterra, mais você ganha, independente da reciclagem”, explica Argentino.

Consequentemente, grande parte dos resíduos que poderiam servir como matéria-prima para outros processos produtivos, como plástico, papel, vidro e metal, acabam nesses lixões. “A gente pega todo o lixo da cidade e enterra. Perdemos todo o potencial que ele teria, de 85% do resíduo ser reciclado nacionalmente”.

Populações mais pobres arcam com o impacto

Quase todas as emissões do setor de resíduos no Brasil resultam da não reciclagem de resíduos orgânicos, que acabam em aterros sanitários ou lixões. Argentino fez parte da equipe técnica que elaborou o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que tem como uma das metas o encerramento de todos os lixões do país até este ano.

Os resíduos descartados nos lixões contaminam o solo e a água potável, causando problemas de saúde na população e atraindo animais. No entanto, estima-se que ainda haja cerca de 3 mil lixões em funcionamento no país, segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). Os aterros, embora considerados mais seguros do que os lixões, produzem emissões significativas de metano, um potente gás de efeito estufa.

“Calcula-se que hoje cerca de 45% do aumento de temperatura que a gente já visualiza é pelo metano”, afirma.

A emissão de gases tóxicos impacta diretamente as populações que vivem nas proximidades dos aterros, que enfrentam um risco maior de desenvolver doenças, como problemas respiratórios. “Os aterros no geral estão localizados perto de comunidades pobres, negras e periféricas. Ou seja, é essa população que arca com o impacto dessa construção, e não as populações mais ricas do centro”, destaca.

Investindo em soluções

De acordo com Argentino, no entanto, os resíduos orgânicos, que compõem metade dos resíduos sólidos urbanos, podem ser tanto parte do problema quanto da solução.

Menos de 0,2% são reciclados por meio da compostagem ou biodigestão, o que poderia produzir composto ou biogás e reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa. O especialista afirma que, apesar da educação ambiental ser parte importante no processo, a responsabilidade maior, no entanto, deve recair sobre os produtores de resíduos.

Segundo ele, grandes empresas deveriam se responsabilizar pela reciclagem das embalagens que produzem. “Implementar a responsabilidade estendida do produtor, como visto na Europa, onde as empresas financiam sistemas de coleta seletiva, é crucial”, afirma Argentino.

Além disso, investir em cooperativas, formalizar e remunerar os serviços prestados pelos catadores é essencial para resolver grande parte do problema da reciclagem.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que os catadores são responsáveis por quase 90% de todos os materiais recicláveis no Brasil.

“Trabalhamos historicamente de graça para os municípios e fábricas de embalagem. Por que se paga uma empresa de coleta de lixo, e não se paga a cooperativa?”, questiona Roberto Rocha, presidente da Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (Ancat).

O Brasil hoje tem mais de 800 mil catadores e, para Rocha, o país perde em não reconhecê-los como um serviço essencial. Essa necessidade ganhou ainda mais destaque diante da recente tragédia enfrentada pelo Rio Grande do Sul.

São estimadas cerca de 46,7 milhões de toneladas de resíduos acumulados pelas enchentes apenas em Porto Alegre, segundo um levantamento do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em parceria com a empresa Mox Debris e voluntários.

Ao mesmo tempo, com as chuvas, cooperativas ficaram embaixo d’água e catadores perderam a principal fonte de renda. Em um esforço para remediar o problema, foi estabelecida uma frente de trabalhadores de materiais recicláveis, em uma parceria entre o governo federal e os Correios que visa empregar catadores para atuar no tratamento desses resíduos no estado.

“Mais uma vez, os catadores conseguem trabalhar e ajudar em alternativas de tratamento desses resíduos descartados no Rio Grande do Sul. Mais uma vez, aparecemos como atores importantes”, destaca Rocha.

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