Brasil e Israel têm relação de idas e vindas mesmo antes de Lula
Declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gerou uma crise diplomática e repercutiu durante a semana
atualizado
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A relação entre Brasil e Israel, historicamente, é positiva. Os países possuem acordos de comércio, a tecnologia da nação israelense é atraente para os brasileiros e, em certos governos, a aproximação chega a ser ideológica. Declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), porém, tensionam o vínculo com Israel, mas não a ponto de danificá-lo permanentemente.
Flavia Loss, professora de Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e pesquisadora do Observatório de Regionalismo (ODR), pontuou a relevância do Brasil na fundação do Estado de Israel, na relação histórica entre os dois. “Foi o embaixador brasileiro Oswaldo Aranha que, como presidente da Assembleia Geral da ONU na reunião de 1947, ajudou a aprovar a resolução que, de fato, dividiu a Palestina, que era um território britânico, em dois estados: um para os israelenses e um para os árabes”, relata a especialista.
Apesar disso, os dois países acumulam pequenos desentendimentos e atritos. Um deles ocorreu durante outro governo petista, na gestão de Dilma Rousseff, quando o então ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, condenou as ofensivas israelenses contra a Faixa de Gaza.
O Brasil, na época, chamou o embaixador de Tel Aviv para uma conversa sobre o tema. Israel, então, retaliou, ao chamar nosso país de “anão diplomático”. Loss explicou que convocar um embaixador dessa forma é “uma medida que demonstra insatisfação de um país com o outro”. Algo semelhante ocorreu na última semana, após a fala de Lula comparando a calamidade na Faixa de Gaza com o Holocausto.
Na segunda-feira (19/2), no auge da repercussão, Lula se tornou “persona non grata” em Israel, e o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer, recebeu uma reprimenda pública do ministro do Exterior israelense, Israel Katz, no Museu do Holocausto Yad Vashem.
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, retribuiu o gesto e agendou uma reunião com o embaixador de Israel no Brasil ainda na segunda-feira. Meyer retornou ao Brasil nesta semana.
Retomada com Bolsonaro
A relação entre Israel e Brasil apresentou sinais de melhora ao longo do governo de Michel Temer (MDB), mas a aproximação teve o maior sucesso durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Além do alinhamento político de Bolsonaro e Benjamin Netanyahu, o embaixador israelense no Brasil à época, Yossi Shelley, criou laços fortes com o clã do ex-presidente. Atualmente, Shelley ocupa o cargo de chefe de gabinete do primeiro-ministro de Israel.
E agora?
Na avaliação de Loss, o futuro da relação entre Brasil e Israel dependerá de quem está no comando das nações. “Enquanto forem os dois [atuais] na posição de presidente e primeiro-ministro, será assim. Não tem um diálogo entre ambos que seja fluido e, agora, com essa questão, ainda mais”, afirmou a pesquisadora.
“As relações entre a comunidade judaica aqui no Brasil, a comunidade israelense e a população civil de Israel continuarão normais, assim como as relações comerciais. A posição do Brasil é a de defender a solução de dois Estados para resolver a questão da Palestina, e a posição do governo Lula é enfática em condenar retaliação de Israel, assim como condenou também os ataques terroristas. Então, não podemos esperar boas relações entre ambos os governos. Isso pelo menos enquanto durar o mandato dos dois”, explicou a professora Flavia Loss.
Na visão da professora, a repercussão da fala de Lula na mídia internacional foi menor do que o esperado. “Não causou esse alvoroço todo, nem deveria”, apontou.
Avanço do discurso
Lula endureceu o discurso ao longo dos meses. Quando houve o primeiro ataque do Hamas, em 7 de outubro de 2023, o presidente se posicionou contra a investida. Tempos depois, após cobrança nas redes sociais, o chefe do Executivo brasileiro chamou de “terroristas” as ações do grupo e condenou, também, as atitudes tomadas pelo governo de Israel.
Ao longo desses meses, Lula passou a criticar a Organização das Nações Unidas (ONU) e se posicionou por maior inclusão de países do chamado Sul Global nos principais conselhos da instituição.
O Brasil presidiu o Conselho de Segurança da ONU durante o mês de outubro, bem na época do recomeço do conflito armado, e tinha expectativa de conseguir aprovar uma solução. Os brasileiros, então, apresentaram uma proposta para um cessar-fogo imediato, que teve boa aprovação dos membros, mas recebeu um veto dos Estados Unidos.
Integrantes permanentes, como os Estados Unidos, possuem poder de vetar. Dessa forma, o país norte-americano utilizou esse mecanismo outras duas vezes nas deliberações para o fim do conflito — a última ocorreu na semana passada.
No domingo (18/2), último dia da viagem de Lula na Etiópia, ele retomou o assunto: “O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”.
A declaração gerou uma crise diplomática entre os dois países. Nesta sexta (23/2), o presidente voltou a defender que a situação em Gaza não se trata de uma guerra, e sim de genocídio.
“O que o governo de Israel está fazendo não é guerra, é genocídio, porque está matando mulheres e crianças”, afirmou Lula.