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Bolsonaro perde aliados na América e sofre prejuízos do isolamento

Brasileiro colhe outro revés com a eleição do esquerdista Boric, no Chile, e inicia o último ano de sua gestão mais isolado do que nunca

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Jair Bolsonaro – Sebastian Pinera
1 de 1 Jair Bolsonaro – Sebastian Pinera - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

A vitória do esquerdista Gabriel Boric nas eleições presidenciais chilenas no último domingo (19/12) foi mais uma na série de más notícias para o presidente Jair Bolsonaro (PL) no cenário internacional.

Por escolha e falta de sorte, o governo brasileiro trilhou um caminho rumo ao isolamento diplomático ao longo dos primeiros três anos de mandato, segundo especialistas e diplomatas ouvidos pelo Metrópoles, e agora colhe os amargos frutos desse ostracismo.

A gestão Bolsonaro teve início em meio a uma conjuntura externa positiva. A diplomacia apostou suas fichas numa aproximação sem precedentes com os Estados Unidos, então governados pelo direitista Donald Trump, e o Brasil ainda contava com aliados ideológicos no poder na maioria dos vizinhos estratégicos: Maurício Macri, na Argentina; Iván Duque, na Colômbia; Martín Vizcarra, no Peru; Enrique Peña Nieto, no México; e Sebastián Piñera, no Chile. Três anos depois, quase todos eles foram tirados do poder pela oposição e, assim como no Brasil, na Colômbia haverá eleição em 2022 e o favorito nas pesquisas é de esquerda: o senador Gustavo Petro.

O crescente isolamento diplomático incomoda Bolsonaro e seu entorno. Enquanto esta reportagem era produzida, o presidente brasileiro era o único líder sul-americano que ainda não havia cumprimentado Boric por sua vitória. Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), principal antagonista político de Bolsonaro no Brasil, já havia feito isso no domingo, além de ter previsto uma aliança com o chileno e com o argentino Alberto Fernández, caso também vença a eleição do ano que vem.

A proximidade com a esquerda brasileira também fez com que Bolsonaro ignorasse a vitória de Fernández, em 2019, quando não só não o parabenizou, mas lamentou sua vitória, inaugurando uma relação fria com um dos maiores parceiros históricos do Brasil na região.

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Mauricio Macri, ex-presidente da Argentina, e Jair Bolsonaro
Bolsonaro e Piñera
Ernesto Araújo, quando ainda era ministro de Relações Exteriores, ao lado de Jair Bolsonaro
Gabriel Boric, o presidente eleito do Chile
Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, vacina Carlos França, ministro das Relações Exteriores, contra a Covid-19
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Donald Trump e Jair Bolsonaro

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Mauricio Macri, ex-presidente da Argentina, e Jair Bolsonaro

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Ernesto Araújo, quando ainda era ministro de Relações Exteriores, ao lado de Jair Bolsonaro

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Gabriel Boric, o presidente eleito do Chile

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Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, vacina Carlos França, ministro das Relações Exteriores, contra a Covid-19

Ministério da Saúde/Divulgação

Os prejuízos

A escolha por uma política externa de enfrentamento aos organismos multilaterais e o fracasso de aliados nos quais o Brasil apostou estão causando prejuízos reais ao Brasil de acordo com o cientista político Guilherme Casarões, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e pesquisador da extrema-direita no mundo. “Portas foram fechadas e nossa margem de manobra em temas comerciais ficou bem estreita”, afirmou ele, em entrevista ao Metrópoles.

Um dos exemplos desse prejuízo foi dado pelo próprio Bolsonaro em seu discurso na última reunião de chefes de Estado do Mercosul, na semana passada, quando ele admitiu não ter conseguido avançar no objetivo de reduzir a Tarifa Externa Comum do bloco durante a presidência temporária do Brasil. “Lamentamos que não tenhamos podido lograr acordo neste semestre sobre esse tema, a despeito dos esforços realizados pelo Brasil e de nossa disposição de aceitar redução inferior àquela que planejávamos inicialmente”, disse o brasileiro.

Outros reveses

O insucesso em flexibilizar a tarifa comum no Mercosul se junta a outros problemas recentes que têm relação com o isolamento diplomático. Também na última semana, o país foi surpreendido pela notícia de que cinco redes europeias de supermercados não vão mais vender carne brasileira devido ao problema do desmatamento na cadeia de produção. Esse revés veio logo após o Brasil conseguir reverter outro boicote à sua carne, esse da China, que durou mais de três meses e causou prejuízo próximo a R$ 10 bilhões, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA).

Num cenário de longo prazo, o governo Bolsonaro viu supostas vitórias diplomáticas se transformarem em problemas. Em 2019, primeiro ano da atual gestão, o então presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou apoio à ambição brasileira de integrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é uma espécie de clube dos países ricos.

Com a derrocada de Trump, porém, o processo pouco andou desde então. O mesmo acontece com o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, fechado em junho de 2019, mas que não foi ratificado pelos parlamentos de países do Velho Continente, como a França. As nações que resistem usam o comportamento errático de Bolsonaro como motivo para não fecharem de vez um acordo que pode pressionar suas próprias economias.

Saída de Ernesto Araújo fez pouca diferença

A política externa brasileira tenta voltar a um comportamento mais pragmático desde março deste ano, quando um dos auxiliares mais ideológicos de Bolsonaro, o diplomata Ernesto Araújo, foi trocado pelo discreto Carlos França. Para Guilherme Casarões, no entanto, a mudança foi mais na forma do que no conteúdo.

“Claro que é positivo a gente não ter um chanceler tuitando absurdos o tempo todo, mas França não tem muito espaço para mudanças mais profundas porque é funcionário de Bolsonaro e também precisa lidar com as bravatas e maluquices do presidente”, afirmou ele, lembrando que Bolsonaro usou seu discurso na Assembleia Geral da ONU neste ano para defender a política brasileira para o meio ambiente e insistir em tratamentos ineficazes contra a Covid-19.

Para o cientista político, o prejuízo da política bolsonarista para a diplomacia brasileira ainda deverá durar algum tempo. “Quem assumir o próximo governo vai ter de lidar com um passivo diplomático muito grande e vai precisar arrumar os rumos da política externa. Se Bolsonaro for o vencedor das eleições, a dificuldade será maior ainda, pois ele está carente de aliados e necessitará inventar um jeito de lidar com um isolamento que atrapalha”.

Diplomatas do Itamaraty ouvidos pela reportagem sob a condição de anonimato concordam com essa avaliação e lamentam a perda de influência do Brasil em debates globais nos quais havíamos conquistado relevância, como em relação ao meio ambiente, aos direitos humanos e à saúde pública em nível global.

Para eles, a saída de Ernesto Araújo foi positiva, mas seu legado é forte e pode ser resumido num discurso do ex-chanceler feito em outubro de 2020, quando disse a novos diplomatas que estavam se formando no Instituto Rio Branco: “Se a nova política externa do Brasil faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.

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