Bolsonaro mencionou a ditadura em 1/4 dos discursos como deputado
Foram 252 vezes no plenário da Câmara, segundo levantamento inédito feito pelo Estado com a transcrição das falas enquanto deputado
atualizado
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A cada quatro pronunciamentos que Jair Bolsonaro (PSL) fez no plenário da Câmara enquanto era deputado, um menciona a ditadura militar ou eventos relacionados, como o golpe de 31 de Março, a promulgação do AI-5, a Lei da Anistia e a Comissão da Verdade.
O levantamento mostra todos os discursos feitos pelo presidente entre 2001 e 2018, quando ele ainda era deputado federal. Em preto estão as falas que mencionam o regime militar. Em cinza estão aquelas que não tocam no tema.
Para chegar a esses números, o Estado compilou e analisou todos os discursos cuja transcrição está disponível na seção de Notas Taquigráficas do site da Câmara dos Deputados.
Nos dados, estão contemplados 18 dos 28 anos em que Bolsonaro ocupou o posto de deputado federal pelo Rio de Janeiro. Das 901 falas catalogadas, 252 (28%) mencionam o período histórico da ditadura.
Ler os pronunciamentos ajuda a entender parte dos valores e simbolismos que a presidência de Jair Bolsonaro carrega. Comparações entre os anos de governo militar e a atualidade são frequentes.
Suas falas quase sempre colocam em oposição o regime – tido como defensor da ordem nacional – e as figuras da esquerda política da época – descritas como delinquentes, terroristas ou marionetes de Cuba e União Soviética.
Geralmente em tom elogioso e nostálgico, os discursos ora dão crédito aos militares por “salvar o país do comunismo” e reprimir a oposição de esquerda, ora negam que o regime tenha cometido violações de direitos humanos – o que está em desacordo com o consenso historiográfico atual.
Comissão da Verdade e Dilma Rousseff
Bolsonaro elogia a ditadura militar desde o início de sua carreira política. Já em 2001, primeiro ano dessa análise, ele lamenta que a ditadura não tenha mandado o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso “para o espaço”, por exemplo.
A âncora do real é o arrocho salarial e a humilhação dos menos favorecidos. (…) Não poderíamos esperar outra coisa do cidadão Fernando Henrique Cardoso, que, infelizmente, o regime militar não mandou para o espaço.
Entretanto, as declarações aumentam, em quantidade e intensidade, a partir de 2010. Foi nesse ano que Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil do governo Lula, lançou-se à Presidência da República.
Já no ano seguinte, tramitou no Congresso a lei que instituiu a Comissão Nacional da Verdade, órgão que investigou a repressão política e os ataques aos direitos humanos cometidos pelo Estado brasileiro entre 1946 e 1988 – intervalo de tempo que inclui o regime militar.
Foi nessa época que Bolsonaro mais falou sobre o tema, em geral para negar que desaparecimentos forçados, perseguição ideológica e tortura tenham acontecido. Além disso, ele acusava a comissão de parcialidade por não investigar crimes cometidos pelos grupos armados que lutavam contra o regime.
Não vem com esse papo de Dilma Rousseff, que é autora do carro-bomba que matou um soldado em São Paulo, em 1968*, de que resistiu a 23 dias de tortura. Ninguém resiste. Não foi torturada bulhufas nenhuma.
Outro pico, ainda que menor, aconteceu nos meses em que o processo de impeachment de Dilma Rousseff tramitou na Câmara. Seu voto na sessão que afastou a petista da presidência é bastante conhecido.
Pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff! Pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, por um Brasil acima de tudo, e por Deus acima de todos, o meu voto é sim!
Carlos Brilhante Ustra, falecido em 2015, foi o primeiro militar condenado pela prática de tortura durante a ditadura. Ele chefiava o DOI-Codi de São Paulo, órgão de inteligência e repressão, durante o período em que a ex-presidente esteve presa lá. Dilma, que na época, fazia parte do grupo armado VAR-Palmares, relata ter sido torturada no cárcere.
Os heróis do presidente
Além do coronel, que é mencionado seis vezes, Bolsonaro homenageia outros militares. Os presidentes Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo foram elogiados frequentemente.
Entretanto, também são citados nomes de simbolismo elevado, ainda que de patente baixa. Mário Kozel Filho é um deles. Soldado do Exército, ele foi morto aos 18 anos por um ataque a bomba do grupo de esquerda VPR. Bolsonaro o mencionou 12 vezes.
A morte de Kozel é citada para lembrar a ação de grupos de extrema-esquerda que pegaram em armas para enfrentar a ditadura. De acordo com o presidente, o radicalismo dessas organizações justificava medidas de repressão e controle.
Alberto Mendes Júnior, tenente policial que foi morto a coronhadas pelo grupo do guerrilheiro Carlos Lamarca, também aparece em contextos semelhantes. Ao todo, ele é citado seis vezes.
Já que falaríamos de mortes, eu comecei perguntando sobre as mortes de Mário Kozel Filho, vítima da explosão de um carro-bomba, e de Alberto Mendes Júnior, morto no Vale do Ribeira pelo grupo do Lamarca.