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Bolsonaro é garoto-propaganda em outdoor em defesa da cloroquina

A publicidade apócrifa fere pelo menos cinco artigos da regulamentação de 2008 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)

atualizado

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Divulgação/M.Gonçalves
outdoor apócrifo Bolsonaro cloroquina
1 de 1 outdoor apócrifo Bolsonaro cloroquina - Foto: Divulgação/M.Gonçalves

Defensor do uso da cloroquina para o tratamento da Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro se tornou involuntariamente garoto-propaganda do medicamento que não tem eficácia comprovada para a doença em um outdoor colocado por apoiadores no Espírito Santo.

Em Vitória, a peça apócrifa de 9 metros de largura por 3 de altura traz a foto do presidente ao lado uma imagem de uma caixa de sulfato de hidroxicloroquina de 400mg e anuncia, sem qualquer respaldo científico: “Tratamento precoce salva vidas”.

O outdoor com a foto do presidente e a hashtag fechadocombolsonaro, instalado em frente a uma farmácia em uma movimentada avenida do bairro Jardim Camburi, o mais populoso da capital capixaba, teve direito a uma inauguração com bolsonaristas sem máscaras. A publicidade fere pelo menos cinco artigos da regulamentação de 2008 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre a propaganda de remédios. A infração sanitária é passível de multa.

Segundo as normas da Anvisa, as informações sobre medicamentos devem ser comprovadas cientificamente e somente é permitida a propaganda de medicamentos regularizados. Originalmente o remédio é destinado a combater a malária e doenças autoimunes, como lúpus e artrite reumatoide. Diversas pesquisas em todo o mundo alertam que durante testes a cloroquina e hidroxicloroquina não se revelaram eficazes no tratamento do coronavírus e apontam riscos à saúde. A despeito disso, o presidente Bolsonaro insiste em recomendar o uso da substância.

A regulamentação sanitária também proíbe propaganda enganosa e estimular o uso de medicamentos. Além disso, remédios com prescrição médica, que é o caso da cloroquina, só podem ser anunciados para profissionais de saúde habilitados a indicar a receita.

“Fazer propaganda enganosa, ele (o presidente) ou qualquer pessoa que esteja usando a imagem dele neste outdoor, é uma infração sanitária. Existe um regulamento da Anvisa, que tem força de lei, que regulamenta a propaganda de medicamento. Nesse caso é propaganda enganosa. Não existe registro de cloroquina para covid”, explicou o médico e advogado sanitarista, Daniel Dourado, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário (Cepedisa/USP).

Além de infrações sanitárias, especialistas ouvidos pelo Estadão também veem indícios de pelo menos dois crimes na peça publicitária. O primeiro é o de charlatanismo, previsto no Código Penal, para casos de anúncios de “cura por meio secreto ou infalível”. “O autor, no meu entendimento, está perfeitamente sujeito a responder por esse crime de charlatanismo. Ele está anunciando uma cura mentirosa”, disse Dourado.

O outro crime seria contra relações de consumo, como estabelecido no Código de Defesa do Consumidor, por recomendar produto independentemente da ciência acerca de sua eficácia. Mestre em Direito Penal, o advogado Acacio Miranda pontua que uma eventual consequência à saúde de alguém que tomou a medicação por causa do outdoor pode, em situação remota, fazer com que o responsável pela propaganda responda por lesão corporal ou homicídio. “Podemos, sim, pensar em algumas consequências penais”, frisou.

Desde o início da pandemia, Bolsonaro tem defendido o uso da cloroquina à revelia das orientações da Organização Mundial de Saúde e estudos científicos. O presidente determinou que o Laboratório do Exército aumentasse a produção do medicamento. Em maio, o Ministério da Saúde, sob gestão do interino Eduardo Pazuello, recomendou o uso do remédio desde o início do tratamento. Mesmo com pressão de Bolsonaro, os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich se recusaram a mudar o protocolo.

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Em 26 de março de 2020, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) levou uma caixa do medicamento Reuquinol para a reunião com os líderes do G20, que tratou da crise global da pandemia do novo coronavírus
Nos anos anteriores, o HFA não recebeu sequer uma unidade do medicamento
Redes sociais do influencer Renato Spallicci
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Bolsonaro apresenta caixas de cloroquina a apoiadores e à imprensa, em abril de 2020

Raphael Veleda/Metrópoles
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Em 26 de março de 2020, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) levou uma caixa do medicamento Reuquinol para a reunião com os líderes do G20, que tratou da crise global da pandemia do novo coronavírus

Marcos Corrêa/PR
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Nos anos anteriores, o HFA não recebeu sequer uma unidade do medicamento

Samir Jana/Hindustan Times/Getty Images
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Redes sociais do influencer Renato Spallicci

Reprodução

 

Em julho, ao anunciar o teste positivo para covid-19, o presidente contou que estava tomando a cloroquina. Depois, ao revelar que havia se curado, posou para a foto postada nas suas redes sociais com o medicamento. Bolsonaro também tem exibido a caixa do remédio em encontro com apoiadores.

“Inauguração” do outdoor
O outdoor com Bolsonaro de garoto-propaganda da hidroxicloroquina foi “inaugurado” nesta quarta, 5, com transmissão ao vivo pelo Facebook e com cerca de 20 bolsonaristas sem máscaras. Em Vitória, o uso de máscaras de proteção facial é obrigatório e passível de multa apenas em estabelecimentos comerciais e no transporte público. Nas ruas, o poder público apenas recomenda a utilização da proteção.

A convocação para o “evento” foi feita pelo deputado estadual bolsonarista Capitão Assumção (Patriota) nas redes sociais. Em um vídeo, o parlamentar diz que a propaganda foi financiada por “patriotas”, mas seus auxiliares atribuem a ele a iniciativa. No vídeo, o deputado disse que a propaganda foi uma homenagem a Bolsonaro, citando que desde março o presidente defende o uso da cloroquina.

A Anvisa informou que a publicidade de medicamentos é restrita a veículos especializados. E acrescentou que para avaliação do caso do outdoor “será necessária a denúncia por meio dos canais oficiais da Anvisa”. Procurados para comentar o uso da imagem do presidente, o Palácio do Planalto e o Ministério da Saúde não se pronunciaram.

A reportagem telefonou e deixou mensagens para Assumção, que não foram respondidas. A assessoria do deputado também foi acionada para comentar os possíveis crimes no outdoor, mas não deu retorno.

Em Sete Lagoas, Minas Gerais, apoiadores e adversários de Bolsonaro travam uma “batalha” de outdoors, como mostrou o Estadão no mês passado. Pelas ruas da cidade que fica a 72 quilômetros de Belo Horizonte, foram espalhadas placas: “7 Lagoas apoia Bolsonaro” e “7 Lagoas apoia a ema que bicou Bolsonaro”.

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