Bolsonaro demitiu Mandetta por ciúme, diz ex-assessor do ministro em livro
Jornalista Ugo Braga foi chefe de comunicação do Ministério da Saúde durante a gestão Mandetta e está lançando relato sobre os bastidores
atualizado
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O presidente do Brasil e seu ministro da Saúde entraram em rota de colisão enquanto o Brasil começava a enfrentar seu maior desafio sanitário do século. Os bastidores da disputa entre Jair Bolsonaro e Luiz Henrique Mandetta, que terminou com a demissão do segundo e a imposição de uma gestão mais política da pandemia, são o tema do livro Guerra à Saúde, que o ex-chefe da comunicação do Ministério da Saúde durante a gestão Mandetta, Ugo Braga, está lançando.
Mas qual a lógica de um chefe de Estado declarar guerra a seu próprio sistema de saúde pública? Foi a primeira pergunta que o Metrópoles fez ao jornalista e agora escritor, que admitiu não ver nenhuma. “Mas o presidente Bolsonaro não trabalha com lógica. No livro eu explico em detalhes a minha conclusão, de que o presidente não discordou do Mandetta na maneira de conduzir a saúde pública, até porque ele não entende nada do assunto. O problema que brotou ali foi ciúme, e ciúme de político, que é o pior que existe”, argumenta ele.
“Quando Mandetta começou a aparecer muito no governo, a se sobressair, o Bolsonaro não aceitou e começou a miná-lo“, relata o ex-assessor, que havia recebido do então chefe a missão de documentar as ações que o país tomava para lidar com tamanho desafio, material que agora vira um relato muito mais político.
Braga conta, sem entrar em muitos detalhes nem revelar trechos do livro, para não estragar a surpresa dos leitores, que o reconhecimento a Mandetta de críticos do governo era o que mais doía em Bolsonaro e em seu entorno.
Um exemplo dado pelo ex-chefe de comunicação é uma postagem no Twitter do jornalista Fábio Panunzzio, feita em 2 de março, pouco mais de um mês antes da queda de Mandetta. Segundo o ex-assessor, a partir desse momento a relação apenas piorou, terminando com a demissão, em 16 de abril deste ano.
Veja a postagem que “complicou” o ministro da Saúde:
Henrique Mandetta é uma flor no pântano do governo Bolsonaro. É incrível que desse ambiente possa sair alguém que preza a ciência, elogia o SUS e mobiliza o Estado em benefício do interesse do cidadão. Posso afirmar tranquilamente que, dado o contexto, Mandetta é uma aberração.
— Fabio Pannunzio (@blogdopannunzio) March 2, 2020
O ponto sem retorno, segundo o livro de Ugo Braga, veio numa reunião entre Mandetta, Bolsonaro e outros ministros no dia 28 de março deste ano. Muito do que aconteceu naquele dia acabou vazando para a imprensa, num sinal de que já não havia uma relação de confiança entre o presidente e seu subordinado, que ainda tentava mudar a cabeça de Bolsonaro.
Naquele dia, o então ministro da Saúde foi firme ao dizer que o coronavírus não era uma gripezinha e apresentou os cenários que sua equipe técnica havia preparado. O país registrava, então, 114 mortes pelo coronavírus.
Mandetta teria dito, então, que se morrerem mil pessoas, seria o correspondente à queda de quatro Boeings. Depois, perguntou: “Estamos preparados para o pior cenário, com caminhões do Exército transportando corpos pelas ruas? Com transmissão ao vivo pela internet?”.
Quando o ministro caiu, duas semanas depois, eram mais de quatro Boeings em mortos pela Covid-19: 1.952 brasileiros. Cinco meses depois, nos encaminhamos para 140 mil mortes.
“Como eu já disse, o presidente não entende nada de saúde pública. E penso que suas decisões políticas custaram muito ao país, infelizmente”, analisa o autor do livro, que está em fase de pré-venda e sairá na versão digital no fim de outubro e impressa no início de novembro.
Para o jornalista que testemunhou os bastidores da disputa, as medidas seguintes de Bolsonaro após a saída de Mandetta confirmam a negação do presidente em seguir critérios científicos para lidar com a pandemia.
“Montar uma estrutura militarizada garantiu que Bolsonaro conseguisse aquilo que não foi possível com Mandetta nem com Nelson Teich, que foi a assinatura do protocolo da cloroquina. Hoje, além do ministro, quase todas as secretarias estão ocupadas por militares. Com todo o respeito que tenho às Forças Armadas, o que um general de Exército sabe sobre pesquisa de remédio?”, questiona o autor ex-assessor de Mandetta – o ex-ministro foi um dos incentivadores da publicação do livro.