“Bolsonaro articula fraude com um ano de antecedência”, diz Boulos
Em entrevista ao Metrópoles, Guilherme Boulos (PSol) diz que Bolsonaro sabe que vai perder a eleição e se prepara para não aceitar
atualizado
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São Paulo – Um dos principais organizadores das manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o ex-candidato à prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSol) diz que o chefe do Executivo sabe que vai perder as eleições e se prepara para não aceitar o resultado.
“Nessa narrativa do voto impresso, Bolsonaro articula uma discussão na sociedade que é evidentemente golpista. Ele sabe que provavelmente vai perder a eleição, como mostram as pesquisas, então ele organiza os apoiadores dele para não aceitar o resultado. É uma fraude com um ano e dois meses de antecedência”, diz.
Em entrevista ao Metrópoles, Boulos afirma que as mobilizações têm tido papel fundamental para fragilizar o governo. Na avaliação dele, os protestos ajudaram a pressionar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a dar uma resposta sobre os processos de impeachment e impulsionaram o presidente a fazer mudanças no governo, como a nomeação do senador Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil.
“Temos uma próxima grande mobilização marcada para o dia 7 de setembro. A ideia do nosso campo político é jogar muito peso. Não é acertada essa ideia temerária de esperar por 2022, ainda mais com todas as ameaças à democracia, com o Bolsonaro dizendo aos quatro ventos que não vai aceitar o resultado eleitoral se não for com a vitória dele”, diz.
Boulos também disse que “provalmente” irá se candidatar ao governo estadual nas eleições de 2022 “para derrubar e hegemonia do PSDB” no estado.
O ex-candidato à prefeitura faz duras críticas à gestão de Ricardo Nunes (MDB), que assumiu a administração municipal após a morte de Bruno Covas, seis meses após ter sido reeleito. “Não tem um plano, a cidade está à deriva. É muito preocupante o que está acontecendo na cidade de São Paulo”, disse em sua casa, onde recebeu a reportagem, no Campo Limpo, bairro da zona sul da capital paulista.
Leia a entrevista na íntegra.
Como avalia a gestão do prefeito Ricardo Nunes?
Acompanho a gestão por meio do que chamamos de “gabinete paralelo”, formado logo após as eleições por especialistas, estudiosos, lideranças sociais que fazem relatórios mensais sobre a atuação da prefeitura. A situação é muito preocupante porque a cidade não conhece o Ricardo Nunes. Se fizer uma pesquisa agora para saber se as pessoas sabem o nome do prefeito de São Paulo, mais de 60% vai dizer que não sabe. A cidade não conhece a trajetória do prefeito nem as suspeitas que recaem sobre ele, que tentamos alertar durante a campanha. O que já podemos ver dessa gestão é a tentativa de aprovar o Plano Diretor a toque de caixa, sem discutir com a sociedade. Segundo, pegou um empréstimo bilionário como um cheque em branco e não disse nem para a Câmara de Vereaadores, nem para a sociedade o que vai fazer com o dinheiro, sendo que a prefeitura tem dinheiro em caixa. Não tem um plano, a cidade está a deriva. Não tem um plano de políticas públicas de intervenção da prefeitura na maior cidade da América Latina. É muito preocupante o que está acontecendo na cidade de São Paulo.
Você vai se candidatar ao governo de São Paulo em 2022?
Provavelmente, sim. Essa não é uma decisão individual, é uma decisão do meu partido, passa por um diálogo com os movimentos sociais e outras forças políticas do campo da esquerda. Como defendo uma unidade nacional, eu também defendo uma unidade [da esquerda] estadual. Aqui, em São Paulo, nós temos o desafio de derrotar o [atual governador João] Doria e essa hegemonia tucana de 25 anos. Há um desgaste, um cansaço, uma fadiga na sociedade e um desejo de mudança. As pesquisas têm demonstrado isso, não só pela rejeição ao Doria, mas com a gente liderando ou na linha de frente nas pesquisas. Há uma oportunidade histórica de apresentar um projeto de desenvolvimento econômico, social e de combate às desigualdades no estado mais importante do país.
O que faltou para a vitória nas eleições de 2020?
Entre outras coisas, o que faltou foi tempo. A gente fez uma batalha de Davi contra Golias, eu disse isso durante toda a campanha. A gente tinha 17 segundos na TV, não tínhamos máquina partidária e derrotamos a máquina do Bolsonaro apoiando o Celso Russomanno, além de outros candidatos com muito mais tempo de TV e estrutura. Fomos ao segundo turno e tivemos mais de 2 milhões de votos. Só que esse segundo turno foi o mais curto de toda história republicana. Por causa da Covid e do adiamento das eleições, tivemos apenas 13 dias de campanha no segundo turno. E nos últimos dias eu peguei Covid, não pude ir ao último debate e nem votar. Faltou tempo para desmistificar algumas coisas que ficaram para a sociedade e apresentar os nossos projetos. Mas eu avalio que conseguimos deixar uma semente importante na cidade de São Paulo.
O que precisava ter sido desmistificado?
Por exemplo, a fake news de invasão, “Boulos vai invadir a sua casa”, “o Boulos vai colocar fogo na cidade inteira”, algo que os adversários já tinha usado em 2018. Tem gente que acredita, mas nós fomos trabalhando e conseguimos chegar a 40% da cidade, principalmente, na periferia. Eu ganhei aqui onde nós estamos, no Campo Limpo, ganhei no Grajaú, Cidade Tiradentes, Capão Redondo, Jardim Ângela, Parelheiros e em vários distritos da periferia, o que expressa que a mensagem chegou, mas não na velocidade que precisava.
Qual tipo de imagem pensa em construir nas próximas eleições?
Nas eleições de 2020, as minhas propostas foram as mesmas que eu sempre defendi, não foram suavizadas. Eu defendi a tarifa zero para o transporte público no segundo turno da campanha, defendi desapropriar imóveis abandonados no centro da cidade para fazer moradia popular, defendi o acolhimento emergencial para toda a população de rua na cidade, que vive uma situação dramática. Talvez o passo que conseguimos dar foi apresentar isso de uma maneira que a sociedade estava disposta a ouvir. Pode fazer a mesma proposta, se apresentá-la com raiva, gritando, as pessoas fecham os ouvidos e já vão te botar em uma caixinha. Se você apresenta essa mesma proposta, se dispondo a dialogar com quem pensa diferente, com humor e leveza, as pessoas vão estar mais abertas a ouvir. Foi uma mudança, principalmente, na forma de comunicação.
Por que defende o viés político da prisão do Paulo Galo [ativista que incendiou a estátua do Borba Gato em São Paulo]?
Não só eu, mas vários juristas que soltaram um manifesto essa semana pensamos que é uma prisão arbitrária e com evidente viés de perseguição política. O STJ [Supremo Tribunal de Justiça] determinou a soltura dele, uma juiza de execução segurou por 24 horas o alvará de soltura. Agora, a gente percebe visivelmente de forma combinada para que o Tribunal de Justiça de São Paulo emitisse outra ordem, de prisão preventiva. Isso não se faz. É um sinal mais do que evidente de intimidação e perseguição política.
O que essa prisão representa?
Um processo de criminalização, de intimidação política que está no contexto do que está acontecendo no país. Eu mesmo recebi intimação vinda do Ministério da Justiça por causa de um tuíte. Outras lideranças que fazem oposição ao governo Bolsonaro também foram intimadas. Aqui em São Paulo, no caso do Galo, a iniciativa foi do [governador] João Doria, que parece estar bastante disposto a reeditar a dobradinha BolsoDoria. Na semana anterior, ele vetou a lei que impedia a reintegração de posse no estado de São Paulo, aprovada pela Alesp, assim como Bolsonaro vetou a lei aprovada pelo Congresso Nacional com o mesmo teor.
Qual efeito tem tido essas manifestações convocadas pelo coletivo do qual você faz parte?
O ciclo de manifestações que a gente convocou a partir de 29 de maio surtiu um efeito importante no país. Foram quatro dias de mobilização que recolocaram o impeachment na agenda política. Quando tiveram as mobilizações de rua, a imprensa e o Congresso voltaram a falar de impeachment. O [presidente da Câmara, Arthur] Lira teve que explicar porque não votava os mais de 120 pedidos de impeachment. Isso, inclusive, resultou no Bolsonaro mais fragilizado dando todos os anéis para o Centrão, chamando o Ciro Nogueira para a Casa Civil. As manifestações têm sido a partir da denúncia de genocídio e do desgaste do governo Bolsonaro. Temos uma próxima grande mobilização marcada para o dia 7 de setembro. A ideia do nosso campo político é jogar muito peso. Não é acertada essa ideia temerária de esperar por 2022, ainda mais com todas as ameaças à democracia, com o Bolsonaro dizendo aos quatro ventos que não vai aceitar o resultado eleitoral se não for com a vitória dele.
Como as lideranças de esquerda estão se organizando?
Existe uma grande campanha, chamada “Fora, Bolsonaro”, formada pela Frente do Povo Sem Medo, Frente Brasil Popular, Coalização Negra por Direitos, um conjunto de movimentos sociais e partidos políticos, como PSOL, PT, PCdoB, PDT, Rede, PSB, PCB, todos os partidos de oposição.
Há uma tentativa de unir os partidos de esquerda em São Paulo, como foi feito durante o segundo turno de sua campanha pela prefeitura?
Eu defendo uma unidade progressista. Eu acho que o momento que vivemos não é de normalidade democrática. Se o Bolsonaro chegar às eleições de 2022, vão ser eleições muito duras. Bolsonaro nessa narrativa do voto impresso articula uma discussão na sociedade que é evidentemente golpista. Ele sabe que provavelmente vai perder a eleição, como mostram as pesquisas, então ele organiza os apoiadores dele para não aceitar o resultado. É uma fraude com um ano e dois meses de antecedência. Se isso ganha corpo e influência nas Forças Armadas, em setores das polícias estaduais, se isso mobiliza os milicianos que ele já atua lado a lado há muito tempo, é formado um cenário de caos no país. O campo da esquerda estar unido para enfrentar o Bolsonaro e derrotá-lo, de forma consistente e apresentar um projeto de reforma para o país, me parece a linha mais acertada.
Em uma eleição, quem seria a liderança dessa unidade progressista?
Evidente que hoje o Lula tem o capital eleitoral capaz de derrotar o Bolsonaro, mas a discussão não é apenas essa, mas também de um programa. Qual o papel de cada força nessa oposição? Eu defendo uma unidade, mas que passe pelo debate em que as posições políticas do PSol tenham espaço. Esse é um debate que vai ocorrer em 2022. O xadrez político do Brasil, as coligações e alianças nos estados só vão se definir no ano que vem.
Lula seria o representante ideal desse bloco, apesar de todas as investigações do Mensalão?
A esquerda não tem um único líder, não há um pensamento único. No estado de direito, todo mundo é inocente até que se prove o contrário. O Lula foi condenado e essa condenação foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu vícios, uma parcialidade que hoje boa parte da sociedade brasileira consegue enxergar na maneira como o ex-juiz Sergio Moro o condenou.
Como avalia o papel da esquerda na oposição ao governo Bolsonaro?
Existem limites que não são da nossa vontade. A esquerda tem 130 parlamentares de um total de 512 na Câmara. Estamos fazendo o que cabe aos movimentos sociais e partidos de esquerda, que é chamar mobilizações de rua e tentar organizar a sociedade para isso. No Parlamento, fazer uma oposição firme à política do Bolsonaro. Entrar todo momento com ações na Justiça contra os absurdos e abusos do governo Bolsonaro. Agora, a esquerda sozinha não pode tudo. Nós temos uma estratégia de fazer uma oposição firme e dura ao governo Bolsonaro, que é correta, mas o cenário de pandemia, em que ainda estamos, dificulta muito a mobilização da sociedade. Há setores que não foram para as ruas porque não se sentem confortáveis. Tenho certeza de que com o avanço do processo de vacinação, que tem acontecido apesar do governo Bolsonaro, nós vamos conseguir ter um peso de mobilização maior. Nós vivemos também a pandemia do desemprego e da fome, estamos chegando a 15 milhões de desempregados. O Brasil voltou para o mapa da fome neste ano, é um cenário catastrófico.
Qual é o objetivo das mobilizações?
É pressionar para ter a abertura de um processo de impeachment para derrubar o Bolsonaro ainda em 2021. Esse é o nosso foco, mas há também outras pautas, como a volta do auxílio emergencial em um valor minimamente decente e a aceleração do processo de vacinação.
Há abertura do Congresso para um processo de impeachment?
Nós sabemos da dificuldade, a sociedade inteira vê as dificuldades porque o balcão de negócios é feito a céu aberto. Nunca teve tanta deliberação de emendas parlamentares no orçamento da União. É uma coisa estratosférica. Bolsonaro está no colo do Centrão, esse é o governo do Centrão. O Arthur Lira e boa parte dos parlamentares do Centrão foram cooptados dentro desse arranjo, então, por isso o processo de impeachment não foi aberto até agora. Se a CPI coloca novos fatos, se aparecerem dados mais concretos, se a sociedade fizer uma pressão mais forte, faz seu grito ser ouvido por meio das mobilizações pelo Brasil. Há um limite para a possibilidade de contenção que o Centrão tem, é nisso que a gente aposta.