Bolsonaristas acampados no Masp rejeitam rótulo de extrema-direita
O movimento Ucraniza São Paulo, que nasceu recentemente, quer se desassociar do radicalismo para agregar mais pessoas
atualizado
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São Paulo – O vão do Museu de Arte de São Paulo (Masp) recentemente virou a casa de mais de 100 pessoas. O movimento Ucraniza São Paulo, criado a partir da insatisfação com o governador João Doria (PSDB), adversário político do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), se abriga desde sexta-feira (2/4), em barracas de acampamento no local de onde partem diversas manifestações políticas na capital.
Embora usem o termo “ucraniza” no nome, em referência às rupturas com o sistema político da Ucrânia em 2013 e 2014, eles recusam qualquer comparação com a extrema-direita.
Dois dos líderes do grupo, os empresários Ricardo Roggieri e Mauro Reinaldo, veteranos de protestos nas ruas, admitem que a identificação com os radicais causada pelo uso do “ucraniza” causa preocupação nos planos futuros.
Ao Metrópoles, que foi recebido no acampamento erguido nas dependências do museu, eles afirmaram que querem agregar mais pessoas, e a comparação com extremistas preocupa.
Nascido há cerca de seis meses, o Ucraniza São Paulo se diz apolítico e apartidário, proíbe bandeiras e símbolos que os relacionem com qualquer ideologia e são contra revolução com uso de armas. A ojeriza a João Doria é apenas uma das semelhanças com o bolsonarismo, ainda que eles refutem a associação.
Na prática, no entanto, o grupo é simpático às bandeiras bolsonaristas. É crítico ao Supremo Tribunal Federal (STF), defende eleição direta para a Corte, além da elaboração de uma nova Constituição Federal e a criminalização do comunismo.
As lideranças seguem indicação do presidente no tratamento precoce e sem comprovação científica contra a Covid-19.
Ricardo Roggieri e Mauro Reinaldo fazem uso profilático de hidroxicloroquina e ivermectina, medida que foi rejeitada em estudo feito pelo Hospital Albert Einstein. Para Reinaldo, a intubação de pacientes infectados com o novo coronavírus é ineficaz, “porque 60% vão a óbito”.
Dessa maneira, a vacinação contra a Covid-19 é desconsiderada por ambos, que não acreditam na eficácia do imunizante.
“Será que eu vou poder ter filho daqui a cinco após tomar a vacina? Algum laboratório tem essa resposta? Uma mulher grávida que tomou a vacina vai ter esse filho como?”, indaga Roggieri. Ao lado, um homem de cabelos grisalhos que ouve a conversa diz que um ET nasceria no lugar de uma criança.
Os empresários estão de acordo com as palavras de Jair Bolsonaro, mas há um ponto de discordância em comum. “O que o Jair Messias Bolsonaro pecou foi na comunicação dele [sobre a doença]. É realmente pífia, chega a ser xucra e vulgar, entende? A comunicação dele foi muito falha. Ele poderia ter falado a mesma coisa, mas de outra maneira, e talvez não tivesse tanta polarização”, reflete.
Radicais nas ideias, diz especialista
Para o professor de história e pesquisador do Observatório da Extrema Direita, Alexandre de Almeida, a insurgência do Ucraniza São Paulo apresenta um novo olhar sobre a organização política no país.
“O Ucraniza São Paulo não perdeu radicalismo nas ideias, mas entendeu que o modus operandi precisa ser mais palatável. A ação direta é colocada em prática, não mais com aquela ideia revolucionária, pelo menos em princípio, mas sim de praticar a desobediência civil. É uma forma de desobedecer ao governo do Doria”, avalia.
O pesquisador encontrou o grupo e ouviu das lideranças as mesmas demandas apresentadas ao Metrópoles. Na avaliação dele, o movimento carrega traços de populismo ao deixar de lado os extremos e se pintar como representante do povo. A ausência de bandeiras e símbolos é uma forma de não criminalizar o protesto, avalia o pesquisador.
Almeida afirma ainda que a ideia apresentada de ser apolítico é contraditória, porque o posicionamento do grupo é bem definido.
Apolíticos, mas com posicionamentos
Na última semana, Roggieri comemorou nas redes sociais o 31 de março de 1964, data que culminou no golpe militar que instaurou uma ditadura no Brasil por 21 anos. Em 2020, foi candidato a vereador pelo Partido Liberal (PL) em sua cidade natal, Vargem Grande Paulista.
Nas redes sociais, ele compartilha fotos em que veste uma camiseta com o rosto estampado do presidente Jair Bolsonaro.
Reinaldo, por sua vez, convoca protestos desde julho de 2013, e puxou atos pela renúncia de Doria. Foi, inclusive, a um churrasco em frente à casa do governador. Nas redes sociais, ele se descreve como alguém de direita, conservador, pró-armas e pró-Bolsonaro. E, claro, os dois defendem o afastamento do tucano do governo estadual.
“Apesar de ele se passar por um bom moço na televisão, sua política pública no combate à pandemia tem sido desastrosa”, afirma Reinaldo. Na sequência, Roggieri, como se complementasse o pensamento de seu colega, afirma que o lockdown precisa ser encerrado em São Paulo.
Na prática, o governador nunca instaurou o lockdown — bloqueio completo de todas as atividades, exceto a saúde e estabelecimentos essenciais no mínimo necessário. Foi estabelecida em São Paulo a fase vermelha, que fecha o comércio não essencial, e a fase emergencial, que sugere escalonamento de horário de entrada de funcionários em supermercados, por exemplo.
“É de suma importância que o comércio volte a funcionar. A maioria das pessoas que estão aqui perdeu seu emprego, perdeu seu comércio, está desempregada” declara Roggieri, que não conseguiu se eleger para a Câmara Municipal no ano passado.
“Salvar os empregos”
Para Roggieri, João Doria tem arquitetado um plano com os governadores de todo o Brasil pelo fechamento do comércio. Para ele, a saída do tucano significaria a retomada de empregos.
Ele diz que ficou desempregado em dezembro de 2020 após perder dois empreendimentos, uma academia de artes marciais e uma produtora de transmissão de eventos esportivos. No entanto, o empresário, que fica 24 horas no acampamento, diz não querer “viver de esmola”, em referência a auxílios financeiros.
De acordo com ele, a pressão popular será necessária para a renúncia do governador. Sua fala é completada por Reinaldo, que garante que, se dependesse do uso da força, o Ucraniza São Paulo já teria agido. “O poder emana de quem? Não é do povo? Então, o povo vai falar que não queremos mais ele, que ele precisa renunciar. Que ele renuncie, impeachment não vai ter. Ele tem que pedir para sair.”
Eles se dizem arrependidos e decepcionados pelo voto em Doria, que venceu a eleição para o governo do estado em 2018. No acampamento, o consumo de álcool, drogas e o porte de armas não é permitido, assim como as máscaras de proteção contra a Covid-19, que não é aprovada pelos integrantes do grupo.
Movimento refuta associação com Ucrânia
No sentido literal, a “ucranização” em São Paulo se daria da mesma forma que ocorreu no país do leste europeu. O termo já foi utilizado pelo deputado estadual Daniel Silveira (PTB-RJ), preso após gravar um vídeo com discurso de ódio contra o STF. Mas o grupo paulista inspirado na Ucrânia diz repudiar as consequências dos atos históricos.
“Não estamos alinhados, só pegamos os objetivos principais, que eram a criminalização do comunismo e a luta pela liberdade, somente isso. Nós queremos unificação do povo. Lá todo mundo deixou as diferenças de lado e lutou por uma causa em comum, que é uma reforma política na base”, garante Reinaldo.
Segundo os organizadores do Ucraniza São Paulo, o movimento nada tem a ver com os 300 de Brasília, liderado pela extremista Sara Giromini em Brasília. Eles rechaçam a realização de atos com máscaras e tochas, em estética similar aos terroristas e supremacistas da Ku Klux Klan, e o lançamento de fogos na direção do STF.
O grupo, entretanto, não condena as manifestações. “O negócio está tão polarizado e politizado que não se chega a lugar algum. O sensacionalismo é visto, mas não tem engajamento”, complementa Reinaldo.
O que é a “ucranização”?
Em 2013, o então presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich, desistiu de assinar um acordo com a União Europeia, a fim de priorizar relações comerciais com a aliada Rússia.
Esse foi o estopim de uma revolta que levou ucranianos armados a invadirem prédios do governo, em confronto com forças de segurança, o que resultou em dezenas de mortes. No entanto, o chefe de Estado pró-Rússia caiu e o parlamento elegeu Petro Poroshenko, alinhado com a Europa, como novo presidente.
No meio desse cenário de ebulição surgiram grupos de extrema-direita, como o Pravy Sektor. O governo local aprovou a remoção de símbolos comunistas, como estátuas, e hoje equipara o comunismo ao nazismo.
Acampamento regular, para a prefeitura
Ao Metrópoles, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana, por intermédio da Guarda Civil Metropolitana, não identificou irregularidades no protesto com acampamento no vão livre do Masp, além de ter afirmado que o ato é “pacífico e apartidário”.
Em nota, ressaltou ainda que a Constituição Federal brasileira garante a livre manifestação de todos os cidadãos brasileiros.
“No vão do Masp é realizado o policiamento preventivo pelos agentes da Guarda Civil Metropolitana, com vista à proteção das pessoas e do patrimônio público, histórico e cultural da cidade. No local, se encontram pessoas portando cartazes e faixas, de forma pacífica em um protesto apartidário, não havendo prejuízo ao fluxo de veículos na Avenida Paulista ou no seu entorno”, diz trecho da nota.
A Guarda Municipal, segue a nota, “respeita o direito à livre manifestação e mantém o diálogo com os líderes do movimento sobre a questão da pandemia e prevenção à Covid-19, a fim de se evitar aglomerações”.