Bolsa Família tem a maior fila de espera desde a crise de 2015
Sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro, lista para receber o benefício sai de zero para 1,6 milhão de pessoas em um ano
atualizado
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A fila do programa Bolsa Família atingiu o quarto maior valor da série histórica dos últimos seis anos. Em fevereiro de 2020, semanas antes da pandemia do coronavírus chegar ao país, 1,6 milhão de pessoas estavam habilitadas para receber o benefício, mas esperavam a aprovação do governo federal. Quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) assumiu o Palácio do Planalto, em janeiro de 2019, a lista estava zerada.
As informações foram obtidas pelo (M)Dados, núcleo de jornalismo de dados do Metrópoles, através de um pedido de Lei de Acesso à Informação (LAI), realizado em novembro do ano passado. O levantamento foi entregue apenas nessa segunda-feira (30/03), após diversas negativas do Ministério da Cidadania e múltiplos recursos do portal de notícias. É a primeira vez que a pasta divulga os números oficiais. Antes, eles haviam informado apenas a média da lista de espera ao longo de 2019.
A fila do Bolsa Família só foi maior em um outro momento da série histórica (janeiro de 2014 e fevereiro de 2020): durante a crise em 2015, que culminaria com o impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT). Em maio daquele ano, a lista de espera atingiu seu pico de 1,9 milhão de pessoas.
Filas por razões diferentes
Há uma diferença entre aquele momento e o atual. Em 2015, a fila do Bolsa Família crescia por conta da situação econômica do país. O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro naquele ano caiu 3,8%. O PIB representa a soma de tudo o que foi produzido no país em um ano.
Enquanto isso, a quantidade de pessoas que recebiam a bolsa diminuiu em quase um milhão ao longo de 2015, saindo de 33,7 milhões em janeiro para 32,8 milhões em dezembro. Esse número soma os benefícios básicos e os variáveis, que podem ir para uma mesma família.
Apesar da redução ao longo do ano na quantidade de beneficiários, a fila também caiu para 546 mil pessoas após o pico de maio daquele ano. O valor é menor, inclusive, do que o verificado no início de 2015, quando a lista de espera era de 1,1 milhão brasileiros.
Uma queda no PIB significa que o país produziu menos naquele ano se comparado ao ano anterior. Uma das consequências é o desemprego. Outra é uma menor arrecadação de impostos, diminuindo o dinheiro disponível pelo governo federal para ser aplicado em programas sociais, por exemplo.
“Olhando para os dois lados da moeda, o valor médio e a quantidade de beneficiários, 2015 é um mal exemplo em termos do que aconteceu com o programa Bolsa Família”, ponderou Neri.
Em 2019, a fila começou zerada e assim permaneceu até maio. Em junho do ano passado, ela começou a crescer e não parou mais, subindo a cada mês. O valor máximo foi atingido agora em fevereiro, último mês com dados disponíveis, quando 1,590 milhão de pessoas estavam habilitadas para o programa, mas não recebiam a bolsa. O PIB em 2019 cresceu 1,1% e a quantidade de benefícios diminuiu em 1,5 milhão.
Na resposta ao pedido de informações, o Ministério da Cidadania informou que a Medida Provisória nº 929, publicada em 24 de março no Diário Oficial da União (DOU) “abriu crédito extraordinário de R$ 3 bilhões ao programa”. Isso levará, prossegue a resposta, à “inclusão de 1,2 milhão de novas famílias no mês de abril de 2020”. Mesmo com a entrada dessas pessoas, a fila não voltará ao zero, como estava no início da gestão Bolsonaro.
“Percebo grande resistência de reajustar a bolsa. Estamos falando de crise há um bom tempo. São pobres que estão ao alcance de uma decisão imediata. É importante ter recuperação no valor do beneficio, porque a extrema pobreza cresceu 71,8% no período”, analisou Neri. O especialista calcula que a renda dos 5% mais pobres caiu 39%, isso representa a incorporação de cerca de 3.4 milhões de novos pobres extremos.
O pedido das informações
A demanda do Metrópoles via LAI pediu o tamanho da fila do Bolsa Família entre 2010 e a presente data. A solicitação foi negada pelo Ministério da Cidadania em todas as instâncias até chegar à Controladoria-Geral da União (CGU) em 24 de dezembro. Finalmente, em 27 de fevereiro a CGU se posicionou a favor do pedido de informações e deu ao Ministério da Cidadania o prazo de um mês para repassar os dados pedidos.
O levantamento foi entregue na noite dessa segunda-feira (30/03), um dia após o prazo legal. Os dados fornecidos, entretanto, não iniciam em 2010, como solicitado, mas em 2014. Isso porque, de acordo com o Ministério da Cidadania, as informações antes disso estão em outro banco de dados, o que demandaria “tempo e profissionais”.