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Bispos do Sínodo da Amazônia: “Somos vistos como inimigos da pátria”

Carta encomendada pelo cardeal Dom Cláudio Hummes rebate acusações do governo de Jair Bolsonaro

atualizado

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DIDA SAMPAIO/AE
FLORESTA AMAZÔNICA
1 de 1 FLORESTA AMAZÔNICA - Foto: DIDA SAMPAIO/AE

Em carta aberta, a Igreja Católica lamentou nesta sexta-feira (30/8/2019) que os bispos envolvidos no Sínodo da Amazônia sejam “criminalizados” e tratados como “inimigos da pátria”. A Instituição religiosa escreveu uma carta para refutar as acusações de alas conservadoras do clero e do governo do presidente Jair Bolsonaro.  

A carta foi encomendada pelo cardeal d. Cláudio Hummes, nomeado pelo papa Francisco como relator do Sínodo e porta-voz do pontífice para o tema. D. Cláudio afirmou, em entrevista, que o papa quer “pressionar” os governos locais a agir, e defende a participação de outros países afetados pelo incêndio criminoso na Amazônia.“Lamentamos imensamente que hoje, em vez de serem apoiadas e incentivadas, nossas lideranças são criminalizadas como inimigos da pátria”, diz um trecho da carta. 

O presidente Jair Bolsonaro se mostrou resistente à ideia. Além da desconfiança da ala militar quanto aos objetivos do Vaticano, ele não aceitou todas as ofertas de ajuda – financeira ou material – que chegaram ao País por vias diplomáticas, entre elas US$ 20 milhões articulados pela França.

O presidente mandou a Polícia Federal investigar a autoria dos incêndios, depois de lançar, sem provas, suspeitas sobre o envolvimento de organizações não-governamentais. A apuração foi determinada depois de reportagens apontarem que houve incêndios provocados por pelo menos um movimento organizado de fazendeiros, anunciado no Pará como “dia do fogo” e não debelado a tempo pelo poder público.

A carta final do encontro dos bispos da Amazônia reitera que o Vaticano defende a soberania brasileira sobre seu território amazônico. “A soberania brasileira sobre essa parte da Amazônia é para nós inquestionável. Entendemos, no entanto, e apoiamos a preocupação do mundo inteiro a respeito deste macro-bioma que desempenha uma importantíssima função reguladora do clima planetário. Todas as nações são chamadas a colaborar com os países amazônicos e com as organizações locais que se empenham na preservação da Amazônia, porque desta macrorregião depende a sobrevivência dos povos e do ecossistema em outras partes do Brasil e do continente.”   

No texto, eles registram a presença secular dos católicos na Amazônia e as contribuições dos religiosos para o estabelecimento da sociedade na região. “Quantas escolas, hospitais, oficinas, obras sociais se construíram e foram mantidas durante séculos em todos os rincões da Amazônia. Vilas e cidades se edificaram a partir das ‘missões’ da nossa Igreja. Quanto sangue, suor e lágrimas foram derramados na defesa dos direitos humanos e da dignidade, especialmente dos mais pobres e excluídos da sociedade, dos povos originários e do meio ambiente tão ameaçados”, anotaram os participantes do encontro dos bispos da Amazônia.

 

Pressão política
O “currículo” da Igreja na Região Norte virou um argumento dos bispos para justificar a participação deles num movimento de pressão política para mobilizar o governo a intervir na crise ambiental da floresta, agravada pelos recentes incêndios florestais. O arcebispo metropolitano de Belém, d. Alberto Taveira Corrêa, diz que a Igreja é a instituição, dentre todas na sociedade, que tem mais conhecimento dos problemas amazônicos, um recado indireto aos militares que questionaram a preparação do Sínodo.

“Junto com o papa Francisco, defendemos de modo intransigente a Amazônia e exigimos medidas urgentes dos governos frente à agressão violenta e irracional à natureza, à destruição inescrupulosa da floresta que mata  flora e fauna milenares com incêndios criminosamente provocados”, afirmam bispos, padres, religiosos e leigos no documento.

A redação da carta foi coordenada pelo bispo emérito do Xingu (PA), d. Erwin Krautler. O documento relata que os bispos estão angustiados com a degradação ambiental e horrorizados com a violência na Amazônia. E afirma que foram eles quem solicitaram ao papa uma assembleia especial dedicada à floresta tropical.

Leia abaixo a íntegra da Carta do Encontro de Estudo do Instrumento de Trabalho do Sínodo da Amazônia.

 

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL

Comissão Episcopal Especial para a Amazônia

Carta do Encontro de Estudo do Instrumento de Trabalho do Sínodo da Amazônia

“Cristo aponta para a Amazônia”

São Paulo VI

 Reunidos em Belém do Pará, com o objetivo de estudar o Instrumento de Trabalho do Sínodo da Amazônia, nós, bispos, padres, religiosas e religiosos, leigas e leigos das Igrejas amazônicas, como também irmãs e irmãos que compartilham a caminhada ecumênica, queremos manifestar nossas preocupações com a “Casa Comum” e uma missão evangelizadora encarnada, samaritana e ecológica.

Desde 1952, os bispos da Amazônia se reúnem periodicamente para se posicionar sobre a missão da Igreja na realidade peculiar da Amazônia. “Cristo aponta para a Amazônia” é a expressão profética e programática do Papa São Paulo VI que em 1972 repercutiu no Encontro de Santarém. A nossa Igreja assumiu, então, o compromisso de se “encarnar, na simplicidade”, na realidade dos povos e de empenhar-se para que por meio da ação evangelizadora se tornasse cada vez mais nítido o rosto de uma Igreja amazônica, comprometida com a realidade dos povos e da terra. No encontro de 1990, em Belém-Icoaraci, os bispos da Amazônia foram os primeiros a advertir o mundo para um iminente desastre ecológico com “consequências catastróficas para todo o ecossistema (que) ultrapassam, sem dúvida, as fronteiras do Brasil e do Continente” (Documento “Em defesa da Vida na Amazônia”).

Novamente reunidos em Icoaraci/PA em 2016, os bispos da Amazônia dirigiram uma carta ao Papa Francisco pedindo um Sínodo para a Amazônia. Acolhendo o desejo da Igreja nos nove países amazônicos, o Papa convocou em 15 de outubro de 2017 a “Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Pan-Amazônia”, com o tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”.

A Igreja Católica desde o século XVII está presente na Amazônia preocupando-se com a evangelização e a promoção humana ao mesmo tempo. Quantas escolas, hospitais, oficinas, obras sociais se construíram e foram mantidas durante séculos em todos os rincões da Amazônia. Vilas e cidades se edificaram a partir das “missões” da nossa Igreja. Quanto sangue, suor e lágrimas foram derramados na defesa dos direitos humanos e da dignidade, especialmente dos mais pobres e excluídos da sociedade, dos povos originários e do meio ambiente tão ameaçados. Lamentamos imensamente que hoje, em vez de serem apoiadas e incentivadas, nossas lideranças são criminalizadas como inimigos da Pátria. 

Junto com o Papa Francisco, defendemos de modo intransigente a Amazônia e exigimos medidas urgentes dos Governos frente à agressão violenta e irracional à natureza, à destruição inescrupulosa da floresta que mata a flora e a fauna milenares com incêndios criminosamente provocados.

Ficamos angustiados e denunciamos o envenenamento de rios e lagos, a poluição do ar pela fumaça que causa perigosa intoxicação, especialmente das crianças, a pesca predatória, a invasão de terras indígenas por mineradoras, garimpos e madeireiras, o comércio ilegal de produtos da biodiversidade.

A violência, que ultimamente cresceu de maneira assustadora, nos causa horrores e exige também o engajamento da nossa Igreja para que a paz e o respeito, a fraternidade e o amor prevaleçam.  

Defendemos vigorosamente a Amazônia, que abrange quase 60% do nosso Brasil. A soberania brasileira sobre essa parte da Amazônia é para nós inquestionável. Entendemos, no entanto, e apoiamos a preocupação do mundo inteiro a respeito deste macro-bioma que desempenha uma importantíssima função reguladora do clima planetário. Todas as nações são chamadas a colaborar com os países amazônicos e com as organizações locais que se empenham na preservação da Amazônia, porque desta macrorregião depende a sobrevivência dos povos e do ecossistema em outras partes do Brasil e do continente. 

O Sínodo, convocado pelo Papa Francisco, chega num momento crucial de nossa história. Queremos identificar novos caminhos para a evangelização dos povos que habitam a Amazônia. Ao mesmo tempo, a Igreja se compromete com a defesa desse chão sagrado que Deus criou em sua generosidade e que devemos zelar e cultivar para as presentes e futuras gerações.   

Cabe um agradecimento especial à Rede Eclesial Pan-Amazônica/REPAM por todo o esforço dedicado no importante processo de ESCUTA das comunidades e no envolvimento dos diversos segmentos do Povo de Deus, especialmente mulheres e com forte participação das juventudes e dos povos originários.

Pedimos que rezem por nós, irmãs e irmãos, para que a caminhada sinodal reflita “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e das mulheres de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem” (GS 1). 

Que Maria de Nazaré, expressão da face materna de Deus no meio de nosso povo, por sua intercessão, acompanhe os passos da Igreja de seu Filho nas terras e águas amazônicas para que ela seja sinal e presença do Reino de Deus. Que ajude, com sua missão evangelizadora e humanizadora, a dignificar cada vez mais a vida em nossa região.   

 Participantes do Encontro de Estudo do Instrumento de Trabalho do Sínodo da Amazônia

 

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