“Bicha, preta e da terra”: conheça drag que vai comandar diversidade na Secom
Drag queen Ruth Venceremos será nova Assessoria de Participação Social e Diversidade, na Secom. Ligada ao MST, se define como “bicha, preta”
atualizado
Compartilhar notícia
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criou a Assessoria de Participação Social e Diversidade, uma nova estrutura destinada a estimular a participação da sociedade, em suas diversas formas de expressão, nas discussões sobre políticas públicas do governo. Na Secretaria de Comunicação Social, a pasta será comandada pela drag queen e ativista Ruth Venceremos. Sob a peruca volumosa e a maquiagem exuberante é o educador e artista Erivan Hilário quem vai assumir a caneta nos atos oficiais. Nordestina, ela se define como “bicha, preta e da terra”, por conta de sua ligação íntima com o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
No entanto, não será incomum ver a artista, no dia a dia, transitando entre os prédios públicos montada em suas vestes drag. Porque a cultura drag não se limita a uma expressão artística, mas também política. “Eu tenho essa liberdade de poder transitar montada ou desmontada, nesse caso. A minha construção como militância está calcada também na arte drag, e foi isso que me projetou”, explica Ruth.
Esta é a primeira vez que a drag ocupa um cargo de gestão na administração pública, mas adquiriu experiência no campo da diversidade desde cedo, por meio de suas próprias vivências. Foi cedo também que começou a atuar como ativista nas pautas racial, LGBTQIA+ e da luta pela moradia, no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
“Sempre estive envolvida com debates transversais que não só são importantes para a sociedade, como atravessaram marcas do meu próprio corpo”, afirma. “O fato de eu ser uma bicha, preta, nordestina, da terra, pela minha origem no MST, tudo isso foi me atravessando ao longo do período.”
Candidatura
Ruth foi candidata a deputada federal pelo DF, a primeira drag queen a disputar o cargo pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Conquistou 31.538 votos válidos, um desempenho expressivo que, apesar de não garantir uma cadeira na Câmara dos Deputados, a deixou como primeira suplente da sigla na Casa.
Natural de Pernambuco, veio pra Brasília em março de 2015, para trabalhar. Ruth Venceremos é formada em pedagogia, tem especialização em ensino de direitos humanos e sociais, e mestrado em educação na Unicamp. Também ajudou a fundar o coletivo LGBT do MST.
Foi através da arte que encontrou força para enfrentar violências que a sociedade descarregava sobre seu corpo preto e gay. “Sempre olhei para a questão da arte como uma coisa que me chamava atenção, desde a TV, passando por outros processos, mas sobretudo como um refúgio”, lembra.
“Infelizmente, a consciência da minha racialidade eu ganhei através da violência. Quando criança não entendia porque as pessoas me olhavam diferente, zombavam do meu cabelo, e era por eu ser uma criança negra e LGBT. Foi a minha própria história que foi me dando consciência desses temas e debates que são atuais.”
Participação popular
A Assessoria de Participação Social e Diversidade é um órgão novo, que estará presente na estrutura de todos os ministérios, e será coordenada pela Secretaria-Geral da Presidência. Além disso, o governo promoverá um fórum para reunir todos os assessores e assessoras de participação social. A função principal é coordenar ações entre os ministérios para retomar mecanismos de participação popular na tomada de decisão.
Em abril de 2019, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) editou um decreto que extinguiu uma série de conselhos, comissões, comitês e outros mecanismos de debate com organizações da sociedade civil no âmbito da administração pública federal. No primeiro dia de governo, Lula revogou a norma. A ideia é que esses grupos voltem a colaborar com o governo na criação de políticas públicas.
“Só o estado universaliza direitos. E para que isso aconteça, uma das coisas fundamentais é que a gente pense em políticas públicas. Para isso, não basta que a sociedade seja apenas demandante. Ela precisa também adicionar conteúdo nas políticas públicas”, pontua Ruth.
“Por isso é fundamental a gente retomar os diversos tipos de participação que nós temos na sociedade. A questão dos conselhos, as conferências, audiências públicas, reuniões, espaços de audiências com o governo, uma série de mecanismos que nós já tivemos e que são primordiais se a gente quer fazer um governo que atenda os interesses do povo.”
No caso da Secom, como órgão responsável pela comunicação institucional, a assessoria buscará retomar a relação com servidores da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). Durante os governos Bolsonaro e Michel Temer (MDB), funcionários fizeram uma série de denúncias de interferência e assédio na estatal.
O governo também vai restabelecer o diálogo com movimentos sociais, como o próprio MST. “Se a gente não tem o povo para lutar, chamar atenção do estado em relação a esses débitos, dificilmente o estado vai pensar política pública”, avalia.
“Então, os movimentos sociais têm papel fundamental e sem dúvidas, participarão desses espaços, dos conselhos, das conferências, que é o espaço coletivo da elaboração da política pública para que a gente possa fazer o que o presidente Lula pediu, a união e reconstrução do país.”