Bia Kicis tenta viabilizar voto impresso desvinculando Bolsonaro do tema
PEC tramita no Congresso, mas custo inicial para imprimir votos e possibilitar auditorias seria de R$ 1,8 bilhão
atualizado
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O desfecho da disputa presidencial nos Estados Unidos deu força aos defensores do voto impresso no Brasil como uma forma de garantir a lisura das eleições. O advogado mais barulhento dessa causa é o presidente Jair Bolsonaro, que previu “problema pior do que o dos EUA” se o Brasil não passar a imprimir os votos dos eleitores para possibilitar auditorias.
Apesar desse protagonismo presidencial, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que tenta fazer andar no Congresso uma Emenda à Constituição para instituir o voto impresso, busca desvincular a tramitação da figura de Bolsonaro: “Os parlamentares querem mais segurança na eleição. Tivemos placar de 33 a 5 na CCJ. Estou conversando com deputados da oposição, e acho que é legítimo o eleitor desejar mais segurança no seu voto”, defende ela em conversa com o Metrópoles.
A impressão de um comprovante de voto onde o eleitor pudesse conferir suas escolhas na urna eletrônica antes que o papel fosse depositado em uma urna física quase virou realidade no Brasil.
Em 2015, o Congresso aprovou uma lei nesse sentido para valer a partir de 2018. A então presidente Dilma Rousseff (PT) chegou a vetar o dispositivo, mas o veto acabou derrubado e a legislação só não entrou em vigor porque o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do texto.
Os argumentos usados pelo relator da ação no STF, ministro Gilmar Mendes, para derrubar a lei foram de risco de violação do sigilo do voto, além de problemas de ordem orçamentária e a dificuldade de execução da inovação.
“Por princípio, todas as mudanças no processo eleitoral são feitas aos poucos. A implantação progressiva evita que falhas pontuais contaminem o processo, assim como previne o gasto de bilhões em tecnologias insatisfatórias”, escreveu Mendes em voto aprovado por unanimidade em setembro de 2020. O custo para se colocar impressoras em cada urna, segundo apurado na ação, era de R$ 1,8 bilhão.
Para Bia Kicis, que agora tenta contornar a inconstitucionalidade dessa primeira lei com a aprovação de uma mudança na Constituição, a quantia “é pequena quando se trata do preço da segurança de uma democracia. Muito mais caro é eleitor não ir votar porque ele não confia no sistema. O voto impresso vem para fortalecer as nossas instituições”.
A admissibilidade da PEC 135/19 foi aprovada com placar folgado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara ainda em dezembro de 2019. “Tivemos votos até do PT, para ver como é um interesse suprapartidário”, afirma Kicis. Desde então, porém, o texto não andou por não ter no presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um aliado.
Maia já se posicionou favorável à adoção de um sistema de impressão dos votos em parte das urnas, de modo que se pudesse fazer uma auditoria por amostragem. Com a subida de tom de Bolsonaro sobre fraudes eleitorais, no entanto, o político que se despede este mês do cargo engavetou de vez a PEC.
“A frase do presidente Bolsonaro é um ataque direto e gravíssimo ao TSE e seus juízes. Os partidos políticos deveriam acionar a Justiça para que o presidente se explique. Bolsonaro consegue superar os delírios e os devaneios de [Donald] Trump”, atacou Maia na última semana, após Bolsonaro comparar a situação dos Estados Unidos à eleição presidencial marcada para daqui a dois anos.
Também em tom crítico às seguidas insinuações de Bolsonaro de que já houve fraude na eleição de 2018, apesar de ele ter sido eleito, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Roberto Barroso, soltou nota dizendo que “governantes democráticos não devem fazer acenos para desordens futuras”.
O ministro defendeu a segurança do sistema eleitoral brasileiro e disse que na época do voto em cédula havia fraudes. “Neste momento da vida brasileira, não é possível a implantação do voto impresso, por força de decisão do STF. O tribunal concluiu que a impressão colocaria em risco o sigilo e a liberdade de voto, além de importar em um custo adicional de quase R$ 2 bilhões, sem qualquer ganho relevante para a segurança da votação”, argumentou Barroso.
A tramitação
Para fazer a PEC andar, Bia Kicis conta com a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara no próximo biênio. Segundo ela, Lira já se comprometeu a destravar a tramitação caso seja eleito no fim do mês na disputa com Baleia Rossi (MDB).
Já Baleia Rossi disse, em recente entrevista à Folha de S. Paulo, que “essa é uma discussão que vai ter de ser feita”, mas criticou o comportamento de Bolsonaro: “Eu acredito que o presidente erra quando coloca o nosso sistema eleitoral em xeque. Não temos nenhum elemento que possa comprovar que as eleições não foram lícitas nem corretas”, disse, no último dia 10 de janeiro.
Apesar de parecer remota a possibilidade de reunir dois terços dos votos dos parlamentares para aprovar essa Emenda à Constituição, a deputada pode se agarrar ao placar da derrubada do veto de Dilma em 2015 para ter esperanças. O veto foi derrubado, então, com os votos de 368 deputados e de 56 senadores. Para se aprovar uma PEC, são necessários os votos de 308 dos 513 deputados e de 49 dos 81 senadores.
Na época, não havia, porém, o fator Bolsonaro, que é parte do debate, apesar dos esforços da deputada Bia Kicis.
Ouvido pelo Metrópoles, o líder do PT na Câmara, deputado federal Ênio Verri (PT-PR), não se opôs completamente a discutir o tema com os colegas, mas argumentou que acha o voto impresso “desnecessário”, porque “a seriedade das urnas eletrônicas e do TSE já está provada há muito tempo”.
Para o petista, “o que Bolsonaro está fazendo é preparar uma desculpa para sua derrota, assim como Trump resistiu à derrota até o último instante”.
Líder do Partido Novo na Casa, o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ) disse à reportagem que não é contra o debate, mas avaliou que as declarações de Bolsonaro dificultam. “Não sou contra o debate, mas isso não pode de forma alguma ser pano de fundo para qualquer tentativa de golpe”, afirmou. “Com ou sem voto impresso, não aceitaremos qualquer possibilidade de desestabilização institucional e da nossa democracia”, concluiu o parlamentar.
Os detalhes
Em sua campanha pela PEC do voto impresso, Bia Kicis tem se esforçado para combater a desinformação sobre o tema. “Tem gente que diz que é a volta da cédula, outros, que o eleitor levaria o voto impresso para casa, mas não é assim, o voto continua eletrônico e a impressão fica numa urna lacrada após o eleitor confirmar em quem votou”, explica.
Pelo modelo proposto pela parlamentar, a apuração dos votos também seguiria no modelo eletrônico, mas uma porcentagem dos votos impressos seria contada para ver se os resultados batem, uma auditoria obrigatória. Os votos impressos poderiam servir ainda para possíveis recontagens.
“Por mais que nossos ministros digam que a urna eletrônica é segura, o eleitor é obrigado a acreditar ou desconfiar. Não é dado ao eleitor a chance de ter a certeza. E essa preocupação é legítima”, conclui a deputada.