Bebendo mais na pandemia? Entenda quando há abuso e como buscar ajuda
Dia Nacional do Combate ao Alcoolismo, nesta quinta (18/2), é uma oportunidade para debater um tema ainda estigmatizado socialmente
atualizado
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O aumento da ansiedade e outros fatores relacionados à pandemia de coronavírus podem ser gatilhos para o uso abusivo de drogas como as bebidas alcoólicas. E as restrições impostas para evitar a propagação do vírus podem significar ainda uma barreira a mais no difícil caminho de busca por ajuda para lidar com a dependência. Uma pesquisa realizada no ano passado, entre março e julho, pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) com 3.799 brasileiros mostrou um aumento no índice de bebedores que, apesar de relatarem o uso abusivo do álcool, não buscaram nenhum tipo de tratamento.
Segundo a pesquisa da OPAS, 94,8% dos brasileiros que relataram consumo abusivo de álcool durante a pandemia não buscaram ajuda e outros 4% tentaram reduzir ou parar o consumo por conta própria. Em 2019 os índices eram de 92,7% e 5,7%, respectivamente, o que mostra que a pandemia pode ter pesado, mas que a distância entre o abuso e o tratamento já era enorme mesmo antes das medidas de distanciamento social.
O estigma social enfrentado pelo alcolista e o silêncio que esse estigma impõe sobre o assunto explicam muito os altos índices de bebedores que não buscam ajuda, segundo a psiquiatra Nathalia Klein, que é pesquisadora do Centro de Informações sobre Álcool e Saúde (Cisa), referência no tema. E como 18 de fevereiro é o Dia Nacional do Combate ao Alcoolismo, o Metrópoles conversou com a especialista para ajudar a levantar esse importante debate — pois o álcool está relacionado a 3 milhões de mortes por ano no mundo, 379 mil delas nas Américas.
O que é o consumo abusivo de álcool?
Especialistas classificam como “consumo abusivo” de bebidas alcoólicas a ingestão de 60 gramas ou mais (cerca de 4 doses ou mais) de álcool puro em uma única ocasião ao menos uma vez ao mês. Em um levantamento que o Cisa fez a partir de dados do Ministério da Saúde, entre 2010 e 2018, houve um aumento neste padrão de uso de 14,9% para 18% na faixa etária de 18 a 24 anos, e de 10,9% para 14% entre 35 e 44 anos.
Os efeitos do álcool podem variar de pessoa para pessoa dependendo de fatores ambientais e genéticos, mas, de modo geral, a especialista diz que estão abusando homens que consumiram cinco ou mais doses em um único episódio nos últimos 30 dias. No caso das mulheres, o limite seria de quatro doses ou mais de uma única vez.
A dose considerada nessa conta é de 14 gramas de álcool, que significam uma lata de 350 ml de cerveja, um copo de 45 ml de bebida destilada ou uma taça de 150 ml de vinho. Veja uma representação gráfica:
Quais são os sinais de que algo está errado?
Para além de uma soma das doses que a pessoa consome, a médica psiquiatra Nathalia Klein cita seis sinais que devem acender o alerta em bebedores e nos amigos e familiares. Veja quais são:
- Forte desejo de beber, algo quase que incontrolável, a fissura.
- Dificuldade de controlar o consumo; beber mais do que planejava.
- Priorizar a bebida em detrimento de obrigações de trabalho ou outros eventos sociais.
- Manter a frequência de consumo mesmo experimentando consequências negativas na rotina, como seguidamente não acordar na hora na manhã seguinte.
- Aumento da tolerância, com necessidade de cada vez mais doses para se ficar embriagado.
- Sintomas físicos de abstinência como suar, tremer, ficar muito ansioso e experimentar aumento nos batimentos cardíacos e na pressão arterial.
Quando buscar ajuda?
Segundo a especialista, quem abusa do álcool costuma demorar a admitir a existência do problema, uma fase de negação que pode durar anos. “Amigos e familiares têm um papel muito importante nesse momento. Eles podem ajudar a pessoa a entender os efeitos negativos do abuso de álcool na rotina, no trabalho, na família e nas relações sociais”, explica Nathalia Klein. “Brigar não costuma funcionar, porque isso estimula a negação. É preciso fazer a pessoa entender melhor a relação dela com a bebida”, completa a especialista.
Onde buscar ajuda?
Profissionais de saúde como médicos, mesmo que não sejam especialistas, psicólogos e psiquiatras estão habilitados para fazer o diagnóstico inicial de problemas de alcoolismo e, se preciso, indicar o paciente para outro profissional ou serviço. Quem tem plano de saúde pode marcar uma consulta ou aproveitar uma ida ao consultório por outro motivo para falar sobre esse consumo.
Há opções de apoio e tratamentos gratuitos: os Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS-AD), que são unidades públicas de saúde especializadas em acolher e atender usuários e dependentes.
O Cisa tem um mapa com endereços no Brasil para buscar ajuda.
Outro recurso disponível são os grupos de mútua ajuda, como os Alcoólicos Anônimos (AA), que oferecem reuniões virtuais diariamente. Este é o site da entidade.
Como é o tratamento?
Segundo a psiquiatra Nathalia Klein, o alcoolismo não tem cura, mas tem tratamentos que podem devolver a qualidade de vida dos dependentes. “O tratamento inclui parar de beber e lidar com lapsos e recaídas, que fazem parte. A pessoa sempre terá de se vigiar, e a gente chega nisso explorando a motivação, fazendo muita terapia, descobrindo novos prazeres não relacionados à bebida, mudando rotinas. Se necessário, tomando medicação também, sobretudo no começo, quando pode haver sintomas de abstinência”, explica ela.
Ainda segundo a psiquiatra, é possível identificar cedo os sinais de dependência e reverter o quadro antes que ele se torne um problema grave. “Para isso, é fundamental a atenção e o apoio dos amigos e familiares. A solidão é uma inimiga”, afirma a especialista.